sexta-feira, outubro 15, 2010

Opinião: "Alguém viu por aí o Estado social de Sócrates?"

"Quinze dias antes do Armagedão da austeridade, o primeiro-ministro, no seu eólico mundo, renovava contratos de assessores. Quem enchia a boca com o Estado social até há umas três semanas, quando tanta gente já duvidava deles - do Estado social e do primeiro-ministro -, ficou agora sem dúvidas. Se uma pensão de 1607 euros mensais brutos vai pagar mais IRS, se um agregado familiar que tenha um rendimento de 800 euros e um filho perde o direito a apoios para comprar manuais escolares e para refeições, se as frutas e os legumes mais as conservas e as margarinas passam a ter uma taxa de IVA de 23%, não há dúvida que temos um magnífico Estado social morto e enterrado. José Sócrates andou a incensar, por montes e vales, aquilo que era a sua mirífica visão de um contrato social impossível até ter de fazer o PEC III. O que já se conhece do Orçamento do Estado pode ser completamente necessário, mas eu não o conseguia defender com a mesma cara com que tinha andado a falar das belezas dos apoios sociais até 28 de Setembro, véspera das draconianas medidas e antevéspera de um Orçamento do Estado que nos promete o Armagedão.
Curiosamente, 12 dias antes, o primeiro-ministro renovava os contratos de quatro dos seus assessores (faça zoom na página 24). Não têm significado nenhum nas contas do Estado, alguns estarão lá por razões outras até, mas é muito significativo só por uma razão: menos de 15 dias antes de se convencer de que o país estava de tanga, José Sócrates ainda estava convicto de que o seu reino não podia viver sem os seus quatro assessores. É um sinal de como o chefe do governo vivia mesmo no fantástico mundo de um futuro que não existe por causa de um passado terrível. O mundo eólico das suas torres de energia renovável que giram e giram à força do vento que sopra. O problema já não é o Orçamento do Estado ser bom ou mau, é o país acreditar ou não que José Sócrates é capaz de o conduzir a algum lado depois de todos os contorcionismos político-financeiros dos últimos dois anos. Há uma séria crise de confiança no primeiro-ministro e agora também no ministro das Finanças, que foi uma espécie de fiador do governo até este estampanço dos PEC, dos cortes dos salários e dos apoios sociais. Em 2005, o primeiro Sócrates deu a ideia de que tinha um objectivo e o país seguiu-o; este segundo Sócrates viaja conforme a rédea europeia é mais curta ou mais solta e poucos acreditam que tenha algum rumo na ideia a não ser manter-se no poder. E já nem sei se não é mesmo o Partido Socialista - e não o PSD - que quer eleições antecipadas, tendo em conta o que dizia ainda ontem o ministro Jorge Lacão na entrevista que deu ao i.
O governo está mesmo em condições de chamar nomes aos outros se quer ter um módico de credibilidade.
Por tudo isto, o Orçamento para 2011 pode passar na Assembleia no dia 28, mas o primeiro-ministro já não consegue ganhar um debate parlamentar a Miguel Macedo. Há vida para além do défice, sabemos hoje, mas é muito cara. Impossivelmente cara
" (por
Manuel Queiroz, do Jornal I, com a devida vénia)

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