quinta-feira, outubro 07, 2010

Juízes com dúvidas sobre os cortes nos seus salários

Segundo o Económico, numa entrevista conduzida pela jornalista Susana Represas, "com dúvidas sobre a legalidade das medidas de contenção orçamental, o presidente da Associação Sindical de Juízes admite vir a tomar posição depois de ver as decisões do Governo concretizadas pelo Ministério das Finanças.
Como é que avalia o momento que o país atravessa?
A situação que temos é como por vezes nos acontece nos tribunais, quando há pessoas cujos familiares vêm pedir a inabilitação porque andam a esbanjar dinheiro e não conseguem gerir o seu património, porque há ali uma loucura de gastar dinheiro à toa. Foi o que o Estado andou a fazer nos últimos 15 anos, chegou a altura de inabilitar o Estado. O curador é a União Europeia, que está a tomar conta de nós, e esperemos que não seja o FMI. É o resultado de anos de completo desgoverno e os últimos cinco anos foram um apocalipse. Que sirva para saber o que foi errado.
E no caso concreto da Justiça?
Na Justiça também houve um continuo esbanjar de recursos. Se tivessem sido bem utilizados podiam ter servido para modernizar a Justiça. Há vários exemplos de irresponsabilidade: quando se tentou construir a sede da PJ em Oeiras, sem garantir as condições legais, e depois foi preciso pagar milhões à empresa com a qual se rescindiu o contrato, a mudança para o Campus de Lisboa, que tem uma renda de um milhão de euros mensais, as prisões que vendemos mas ainda não desocupámos e por isso já estamos a pagar renda. E estava a ser programado mais um, com o anuncio de dois tribunais da Relação, em Santarém e Faro. Toda a gente sabe que não precisamos. Campus do Porto é outro caso...
Estes cortes vão afectar o funcionamento dos tribunais?
Sim. O congelamento da entrada de magistrados não é preocupante, mas no caso dos oficiais de justiça é gravíssimo. Há um défice de mais de 800, é preciso resolver a questão, através da mobilidade ou transferência no interior da administração. Pode ser uma desgraça para a capacidade de resposta dos tribunais e gera atrasos. Depois vai aumentar a conflitualidade e os processos nos tribunais. Falências, execuções, despedimentos...os tribunais vão ser o último reduto para as pessoas fazerem valer os seus direitos.
Como é que os juízes se devem preparar para isso?
Aqui surge um grande desafio para os juízes. É o momento em que não podem deixar de corresponder ao cidadão e devem ter a consciência de que podem intervir, ou seja, deve haver algum activismo judiciário. A capacidade de resposta não vai servir para todos e é legítimo que os juízes pensem que, entre este processo desta grande empresa e o cidadão que foi despedido no mês passado, vou dar prioridade a quem foi despedido para saber se ele tem o direito que está a pedir que o tribunal reconheça. Por outro lado, também podem fazer valer princípios do direito, as pessoas estão a esquecer que eles existem. Quando tivermos situações de desproporcionalidades muito grandes entre pessoas ou empresas é preciso saber valer o equilíbrio, perceber se é justo, legitimo e legal, de modo a que não sejam sempre os mesmos a ser injustamente sacrificados e até ilegalmente.
Mas acha que a legalidade das medidas é questionável?
A legalidade das medidas não só é duvidosa, como provoca um desequilíbrio social, é necessário que da parte dos juízes haja a percepção de uma jurisprudência inovadora. Não quero dizer que os juízes não tenham de cumprir a lei, o que apelo é aos grandes princípios do direito”
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