Tirando os casos mais mediáticos do socialista Pina Moura (quando era administrador da Iberdrola e deputado) e do social-democrata Jorge Neto (acusado de fazer lóbi na OPA sobre a PT), que têm servido de bodes expiatórios de uma realidade muito mais vasta, há um pudor evidente no meio político em confrontar, preto no branco, todos os casos que suscitam dúvidas. O mero uso da palavra arrasta um estigma capaz de provocar urticária ao mais conservador dos deputados em São Bento. O «Expresso» fez a experiência. Apanhado à saída do hemiciclo, o social-democrata Miguel Frasquilho suou com a questão inesperada. «Lóbi? E o que é que eu tenho a ver com isso? Toda a gente sabe que sou director da Espírito Santo Research. Não misturo as coisas».
Ninguém quer ser confundido com alguém que move influências a soldo. O seu colega de partido Rui Gomes da Silva, questionado sobre o facto de ser um advogado de negócios e se isso não suscita a ideia de que poderia fazer lóbi pelos clientes, contra-atacou com alguma picardia: «Não tenho nada a esconder. Sou, aliás, a favor da publicação na Internet dos registos de interesses dos deputados. E já agora, também dos jornalistas».
Mas é aí que o cenário se complica. É impossível a um cidadão comum que vá consultar os registos de interesses à assembleia perceber o que um deputado-advogado anda a fazer fora do hemiciclo. Sendo advogado, está automaticamente protegido pelo regime de confidencialidade profissional de divulgar a sua lista de clientes. O sólido escritório a que o ex-ministro Rui Gomes da Silva dá nome anuncia no seu sítio na Internet que é especializado em áreas críticas para a economia nacional, dizendo ter «uma vasta experiência na prestação de serviços jurídicos em grandes projectos do sector energético, nacionais e internacionais, tanto nos aspectos de regulação, como nos demais aspectos jurídico-comerciais da respectiva contratação». Os seus clientes não terão interesses políticos relacionados com o Estado? E quais são os limites para uma consultoria jurídica?
À primeira vista, deputados e advogados trabalham a mesma matéria-prima: legislação. Mas a esmagadora maioria dos 51 deputados que exercem advocacia é tão poupada em descrever o que faz que, em regra, escreve uma única palavra: «advogado». Apenas um parlamentar anexou ao registo de interesses uma lista confidencial com todos os seus clientes. O presidente da Comissão de Ética do Parlamento, José Matos Correia, também ele um advogado («faço parte de uma pequena sociedade»), defende o modelo actual do registo de interesses, acrescentando que toda as possíveis incompatibilidades são avaliadas caso a caso. E no entanto, além dos casos Pina Moura, Jorge Neto e António Vitorino (acusado pelo PCP de assessorar, através de um escritório, as negociações da Galp Energia com a ENI), as únicas questões que têm sido levantadas pela Comissão de Ética nos últimos anos (o «Expresso» consultou todos os registos) referem-se à acumulação do salário de deputado com ordenados da função pública (o que não é permitido, mesmo que se trate de professores universitários).
Tudo o resto tem passado em branco. Aliás, as incompatibilidades nem são muito difíceis de contornar. É verdade, por exemplo, que um deputado não pode ter mais de 10 por cento do capital social de uma sociedade que celebre contratos com o Estado. Será, então, coincidência que o deputado e ex-ministro José Luís Arnaut tenha apenas 9,94 por cento da sociedade Rui Pena, Arnaut & Associados, um dos maiores escritórios do país? Do que é visível, alguns casos chamam a atenção. Além do seu escritório de advogados, o socialista Vera Jardim é presidente da assembleia geral de quatro empresas (incluindo a Mitsubishi Motors e a TV Cabo) e administrador do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal e do Carrefour Portugal. O seu colega José Lello é administrador da DST, empresa que faz parte do consórcio que vai explorar o maior parque eólico da Europa e que está a ser construído neste momento no Minho. O social-democrata Miguel Relvas, que acumula funções de consultor em várias empresas, trabalha para a sociedade Barrocas, Sarmento, Neves (desde Janeiro de 2006), que por sua vez vai prestar assessoria (segundo o «Diário Económico») à petrolífera brasileira Petrobrás no consórcio com a Galp e a Partex para a exploração de petróleo ao largo de Peniche, num investimento de 300 milhões de euros.
«Não há lobistas no Parlamento», afasta José Matos Correia. «O que há é pessoas cuja experiência profissional enriquece a vida política. E depois, no que é que um deputado poderia influenciar?», aludindo à disciplina de voto nos partidos. «Nos Estados Unidos é que cada congressista vale um voto». Um assessor político de vários deputados explica, contudo, que a influência pode ser exercida de várias formas por figuras com peso nos partidos e que têm acesso aos líderes. «Isso torna-se evidente quando os partidos estão no poder», garantindo que há um bom punhado de lobistas no «centrão», os dois partidos que vão rodando no governo.
«É preciso não esquecer que estamos a falar de uma declaração de honra», sublinha o deputado Armando França, coordenador do grupo de trabalho que avalia os registos de interesses (e advogado também, mas com actividade suspensa). «Cada um escreve de acordo com a sua consciência. Não estamos aqui para fiscalizar ninguém.» E, atrás desse princípio, há uma outra consideração: a diferença entre o que é legalmente aceitável e o que é moralmente razoável. Por exemplo: José Eduardo Martins, antigo secretário de Estado e actual deputado do PSD, escreveu no seu registo de interesses que mora em Viana do Castelo (tendo direito a um subsídio de deslocação por isso), quando trabalha há vários anos num escritório de advogados em Lisboa. Talvez antes de regulamentar o lóbi, o Parlamento precise de rever um assunto mais urgente: os seus próprios critérios de confiança.
Ninguém quer ser confundido com alguém que move influências a soldo. O seu colega de partido Rui Gomes da Silva, questionado sobre o facto de ser um advogado de negócios e se isso não suscita a ideia de que poderia fazer lóbi pelos clientes, contra-atacou com alguma picardia: «Não tenho nada a esconder. Sou, aliás, a favor da publicação na Internet dos registos de interesses dos deputados. E já agora, também dos jornalistas».
Mas é aí que o cenário se complica. É impossível a um cidadão comum que vá consultar os registos de interesses à assembleia perceber o que um deputado-advogado anda a fazer fora do hemiciclo. Sendo advogado, está automaticamente protegido pelo regime de confidencialidade profissional de divulgar a sua lista de clientes. O sólido escritório a que o ex-ministro Rui Gomes da Silva dá nome anuncia no seu sítio na Internet que é especializado em áreas críticas para a economia nacional, dizendo ter «uma vasta experiência na prestação de serviços jurídicos em grandes projectos do sector energético, nacionais e internacionais, tanto nos aspectos de regulação, como nos demais aspectos jurídico-comerciais da respectiva contratação». Os seus clientes não terão interesses políticos relacionados com o Estado? E quais são os limites para uma consultoria jurídica?
À primeira vista, deputados e advogados trabalham a mesma matéria-prima: legislação. Mas a esmagadora maioria dos 51 deputados que exercem advocacia é tão poupada em descrever o que faz que, em regra, escreve uma única palavra: «advogado». Apenas um parlamentar anexou ao registo de interesses uma lista confidencial com todos os seus clientes. O presidente da Comissão de Ética do Parlamento, José Matos Correia, também ele um advogado («faço parte de uma pequena sociedade»), defende o modelo actual do registo de interesses, acrescentando que toda as possíveis incompatibilidades são avaliadas caso a caso. E no entanto, além dos casos Pina Moura, Jorge Neto e António Vitorino (acusado pelo PCP de assessorar, através de um escritório, as negociações da Galp Energia com a ENI), as únicas questões que têm sido levantadas pela Comissão de Ética nos últimos anos (o «Expresso» consultou todos os registos) referem-se à acumulação do salário de deputado com ordenados da função pública (o que não é permitido, mesmo que se trate de professores universitários).
Tudo o resto tem passado em branco. Aliás, as incompatibilidades nem são muito difíceis de contornar. É verdade, por exemplo, que um deputado não pode ter mais de 10 por cento do capital social de uma sociedade que celebre contratos com o Estado. Será, então, coincidência que o deputado e ex-ministro José Luís Arnaut tenha apenas 9,94 por cento da sociedade Rui Pena, Arnaut & Associados, um dos maiores escritórios do país? Do que é visível, alguns casos chamam a atenção. Além do seu escritório de advogados, o socialista Vera Jardim é presidente da assembleia geral de quatro empresas (incluindo a Mitsubishi Motors e a TV Cabo) e administrador do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria Portugal e do Carrefour Portugal. O seu colega José Lello é administrador da DST, empresa que faz parte do consórcio que vai explorar o maior parque eólico da Europa e que está a ser construído neste momento no Minho. O social-democrata Miguel Relvas, que acumula funções de consultor em várias empresas, trabalha para a sociedade Barrocas, Sarmento, Neves (desde Janeiro de 2006), que por sua vez vai prestar assessoria (segundo o «Diário Económico») à petrolífera brasileira Petrobrás no consórcio com a Galp e a Partex para a exploração de petróleo ao largo de Peniche, num investimento de 300 milhões de euros.
«Não há lobistas no Parlamento», afasta José Matos Correia. «O que há é pessoas cuja experiência profissional enriquece a vida política. E depois, no que é que um deputado poderia influenciar?», aludindo à disciplina de voto nos partidos. «Nos Estados Unidos é que cada congressista vale um voto». Um assessor político de vários deputados explica, contudo, que a influência pode ser exercida de várias formas por figuras com peso nos partidos e que têm acesso aos líderes. «Isso torna-se evidente quando os partidos estão no poder», garantindo que há um bom punhado de lobistas no «centrão», os dois partidos que vão rodando no governo.
«É preciso não esquecer que estamos a falar de uma declaração de honra», sublinha o deputado Armando França, coordenador do grupo de trabalho que avalia os registos de interesses (e advogado também, mas com actividade suspensa). «Cada um escreve de acordo com a sua consciência. Não estamos aqui para fiscalizar ninguém.» E, atrás desse princípio, há uma outra consideração: a diferença entre o que é legalmente aceitável e o que é moralmente razoável. Por exemplo: José Eduardo Martins, antigo secretário de Estado e actual deputado do PSD, escreveu no seu registo de interesses que mora em Viana do Castelo (tendo direito a um subsídio de deslocação por isso), quando trabalha há vários anos num escritório de advogados em Lisboa. Talvez antes de regulamentar o lóbi, o Parlamento precise de rever um assunto mais urgente: os seus próprios critérios de confiança.
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