Irrita-me profundamente um certo conceito de "jornalismo" subjacente às opções na algumas das nossas televisões que, à falta de melhores ideias e outros temas, repetidamente massacram as pessoas com reportagens pessimistas e de apologia da desolação, feitas junto de comerciantes, de norte a sul do país, e quer parecem destinadas a dar voz, numa insistência repetitivamente maçadora, a queixumes sobre falta de clientes, falta de facturação, dificuldades empresariais, etc. Mas haverá um português que não tenha a consciência do que se passa e que não perceba que até haver a garantia de segurança sanitária plena, nada voltará a ser como antes, doa a quem doer, gostem ou não o ouvir?
Falo
de reportagens televisivas que escolhem pequenas estruturas empresariais - que
na sua esmagadora maioria eram dependentes do turismo e dos turistas e
beneficiaram do crescimento selvagem que o sector turístico permitiu, graças à
tolerância de entidades que pensavam mais nas receitas a auferir do que, à
cautela, na diversificação das frágeis economias dessas pequenas regiões,
cidades ou localidades - que realmente são vítimas dos efeitos económicos da
pandemia com outras que, já antes da pandemia, estavam a caminho da falência ou
viviam em disfarçada agonia.
Há
dias foram reportagens em Valença do Minho e Vila Real de Santo António, ambas
as localidades junto à fronteira com a Espanha, reportagens essas emitidas
poucos dias depois de terem sido conhecidas medidas restritivas da mobilidade
dos espanhóis.
Um
absurdo estas prioridades jornalísticas de televisões, sobretudo as privadas,
mais preocupadas com a sua própria sobrevivência, como todos sabemos. Não há
quem escape a esta conjuntura!
Ouvindo
essas reportagens, fica a dúvida: os penalizados pela crise não sabem o que se
passa, não conhecem os riscos existentes, será que acham que o governo devia
obrigar as pessoas a andarem nas ruas, a frequentarem restaurantes, lojas ou
grandes superfícies, e a consumirem? Mas se as pessoas estão receosas, se
muitas perderam os empregos ou os seus rendimentos com esta pandemia, se elas
no tempo das vacas gordas, nem tinham acesso a muitos desses negócios que agora
se queixam da falta de clientes (turistas), se as pessoas acham que não se
sentem seguras - mesmo que restaurantes e lojas comerciais garantam essa
segurança, e acredito que sim - como é que se dá a volta a isto?
Com
reportagens televisivas da treta, de apologia da desolação, da frustração, da
crise e que espremidas não contribuem em nada para resolver seja o que for? Ou
isto ultrapassa-se com medidas concretas de apoio, devidamente negociadas,
incluindo até uma espécie de "plano Marshall" (já falei disso,
ressalvando obviamente as diferenças) para garantir os empregos até que tudo se
vá normalizando? Ou resolve-se com a criação provisória de uma espécie de
conta-corrente, com validade temporal definida, entre empresas e o governo, com
ou sem a banca envolvida (a par dos milionários fundos europeus excepcionais
que temo sejam desviados para outras finalidades), destinadas a garantirem os
empregos, o pagamento dos encargos fiscais e com a segurança social e despesas
de funcionamento das empresas (dada a facturação reduzida ou a roçar a
nulidade) e a continuidade dos negócios. Contas-correntes essas que seriam,
depois, ajustadas por via do encontro de verbas, quando a economia retomar a
normalidade e com ela vieram clientes e a facturação. Nada disso é discutido
nem ponderado.
E se
não temos turistas - reafirmo que acho que os restaurantes e outros negócios
similares, que no tempo das vacas gordas trabalhavam só para turistas, a
começar pelos preços praticados, e que deliberadamente fechavam portas aos
residentes, agora que chorem sozinhos -
se não temos aviões com mais de 25% da sua lotação, se temos hotéis com
menos de 40% de ocupação, como é que se pode sequer imaginar que os governos
podem obrigar os turistas a viajar, e como podem eles prescindir da exigência
de cumprimento rigoroso de medidas de segurança sanitária. Só para que os
negócios pretensamente tenham clientes e depois o sistema de saúde entre em
rupturas e sofra as consequências desse desleixo e dessa irracionalidade
(veiculada por alguns pelas televisões), desde logo com mais encargos que farão
falta noutras áreas, incluindo no apoio às empresas? E já agora - mas isso
seria pedir demais... - as televisões deviam mostrar a realidade de muitos
negócios antes da pandemia, alguns até identificamos, que já estavam em
derrapagem e a caminho da insolvência, devido a falta de clientes e de
qualidade. Qual seria afinal a dimensão escondida da fantasia e do embuste
existente antes da pandemia em muitas dessas actividades?
Uma nota final. Recentemente assistimos à cobertura de uma greve de fome de uns indivíduos (confesso que nunca percebi do que eram proprietários) entre os quais - não todos - estavam uns vaidosos que gastaram os lucros acumulados durante anos em sinais exteriores de falsa riqueza, esbanjando milhões em carros de luxo, aviões, casões, e que agora ameaçam despedir trabalhadores. Falo de uns tipos que se queixam de tudo e de todos, pondo em causa até as suas associações representativas - que nunca foram questionadas no tempo das vacas gordas... - ou a tratarem mal e de uma forma ofensiva alguns políticos "queridos", como se fossem estes os culpados da pandemia, da crise e dos efeitos causados nas pequenas empresas pelas patifarias que muitos dos empresários do sector andaram a cometer durante anos, enchendo a pança com lucros fáceis (à custa dos turistas que deixaram de vir) ao mesmo tempo que exploravam os trabalhadores ao seu serviço, tratando-os mal e humilhando-os com salários miseráveis e outras patifarias. Esses gajos da minha parte não contam com solidariedade coisa nenhuma. Os mesmos que numa manifestação recente no Rossio usaram ou permitiram um palavreado vergonhoso por um dos oradores "comicieiros" numa praça de Lisboa que certamente teria crianças a circularem com os pais enquanto não chegava a hora do recolhimento. Obviamente, e ressalvo isso uma vez mais, sem generalizar, porque a esmagadora maioria não faz o que uma certa corja faz, não vivem em função de pretensos estatutos sociais que servem para enganar as pessoas em geral, não sonham com a idiotice de parecerem que são ricos, respeitam os seus funcionários e lutam por eles e pelas empresas em primeiro lugar. E não por si, pelas suas manias e pelos seus caprichos. Esses sim devem ser imediatamente apoiados e protegidos. O problema é que os piores são os que ganham espaço mediático. Vá lá saber-se por que razão... (LFM)
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