domingo, janeiro 26, 2020

Precários: Há novos processos em tribunal contra a RTP

Vinte e seis trabalhadores precários na RTP avançaram com ações no Tribunal do Trabalho contra a estação pública para verem reconhecidos os seus direitos laborais. Destes, três são falsos recibos verdes em Lisboa — duas anotadoras e uma produtora — que aguardam marcação do julgamento e 23 são alegados falsos outsourcings (oito da RTP no Porto e 15 em Lisboa), adianta ao Expresso o advogado de defesa dos trabalhadores. Os 23 casos, que envolvem trabalhadores da WTVision (uma empresa externa que presta serviços à RTP ao nível do grafismo e inserção de carateres), já deram entrada em tribunal. “Alguns têm julgamentos a decorrer, outros terão início em 2020”, aponta Luís Samagaio.
Há ainda 20 trabalhadores do Porto, contratados pela Nome Código Green (outra empresa que dá apoio técnico-operacio­nal e de coordenação a operadoras de rádio e televisão, como a RTP), cujos processos estão a ser ultimados para entrarem em bloco em tribunal.

“Todos desempenham funções que estão no acordo coletivo da empresa, exercidas por trabalhadores do quadro em situações idênticas, que correspondem a necessidades permanentes da RTP (sujeitos a escalas e hierarquias)”, explica Luís Samagaio. No caso da WTVision, “a empresa não supervisiona estes trabalhadores e os horários são estabelecidos por um deles, que recebe os horários definidos pela RTP e aloca pessoas”, adianta o advogado. Já a Green — que tem como acionista único a Ibertelco, que fornece equipamentos, sistemas e serviços a meios audiovisuais, como a RTP — aloca à estação pública assistentes operacionais com “funções exatamente iguais às dos funcionários da RTP e sujeitos a escalas”, refere. “Só que nestas, em vez de aparecer o seu nome, aparece apenas Green 1, Green 2, Green 3...”
Situações variadas
Desde 2007 que Luís Samagaio é procurado por precários da RTP. A maioria das situações tem sido resolvida através da integração nos quadros ou de acordos nos quais prescindem da integração e dos seus direitos mediante contrapartidas, diz. O advogado enaltece não só os tribunais, nos quais os processos “têm tido tido uma tramitação normal”, mas também a assessoria jurídica da RTP, cujo trabalho “tem sido muito positivo e colaborante”.
Questionadas pelo Expresso, tanto a RTP como a WTVision não quiseram comentar processos em curso na Justiça. A última diz apenas que “cumprirá, como sempre fez, qualquer decisão judicial que, com carácter definitivo, lhe venha a ser aplicável”. Já a RTP remete para os esclarecimentos dados há duas semanas, nos quais recorda que com a integração de precários aumentou o seu quadro permanente em mais de 10% do total de trabalhadores. E acrescenta que “toda a indústria dos media”, em Portugal e na Europa, “trabalha com contratos de flexibilidade laboral”, que representam muitas vezes “20% da sua força de trabalho”.
Só a Green respondeu às questões enviadas, garantindo “desconhecer se algum dos seus trabalhadores instaurou ou pretende instaurar qualquer espécie de processo dessa natureza”, não sendo ainda “parte em qualquer processo judicial”. A empresa declara que “não cede nem nunca cedeu, direta ou indiretamente, qualquer trabalhador seu à RTP ou a qualquer outra entidade” e que apenas “presta serviços especializados com recurso, uma vezes sim outras não”, ao seu pessoal. “Esse pessoal é formado, instruído e orientado por um supervisor da Nome Código Green”, garante, alegando prestar serviços de produção, nomeadamente de consultoria e assessoria à organização e produção de programas televisivos. Os casos de falsos outsourcings na RTP são variados. “Os trabalhadores da WTVision têm contratos com essa empresa, mas mais de metade dos trabalhadores da Green estão a recibos verdes, apesar de alguns estarem há anos na RTP”, indica Nuno Rodrigues, presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Telecomunicações e Comunicação Audiovisual (STT), que trabalha na RTP Porto. Algo que a Green nega. “A informação é falsa”, diz, acrescentando que emprega 61 trabalhadores nos quadros e que “só ocasionalmente e perante necessidades pontuais recorre à prestação de serviços por parte de freelancers”.
A empresa chegou a apresentar um contrato de trabalho a termo a alguns deles. Mas questões como “a alteração unilateral do horário de trabalho individualmente acordado” — o que, segundo o sindicato, viola o Código do Trabalho — e o facto de obrigar o trabalhador a dizer que não está sindicalizado levaram o STT a expor o caso ao Ministério Público e à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), por considerar a proposta “ilegal” e “inconstitucional”. Já a Green defende que quaisquer alterações ao horário, “salvo no caso das exceções consagradas, não carecem do assentimento prévio de ambas as partes (empregador e trabalhador)”. Relativamente à filiação sindical, diz que “a obrigação [dos empregadores] de comunicarem o contrato de trabalho celebrado a termo, no caso de um trabalhador filiado, ao respetivo sindicato” obriga a pedir essa informação. Mas não era isso que se solicitava no contrato a que o Expresso teve acesso: o trabalhador tinha de declarar “não estar filiado em nenhuma associação sindical”, acrescentando-se ainda que, desta forma, “não se procede à comunicação” ao sindicato. Segundo Nuno Rodrigues, 26 colaboradores rejeitaram assiná-lo. Contudo, e de acordo com a Green, “invocaram, maioritariamente, questões pessoais para fundamentar a sua recusa, uns porque preferem continuar a exercer a sua atividade enquanto profissionais liberais freelancers [...] e outros porque tinham a intenção de se inscrever no PREVPAP [Programa de Regularização Extraordinária de Vínculos Precários na Administração Pública]”. Ainda assim, e apesar de considerar que estava de acordo com a lei, a empresa diz ter retirado essa formulação do contrato, por recomendação da ACT.
Mais de 100 novos precários
Recorde-se que há no grupo liderado por Gonçalo Reis 130 alegados falsos outsourcings e recibos verdes que se candidataram ao PREVPAP e que receberam um parecer tendencialmente negativo por parte da RTP — que indica à Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) da Cultura, a qual avalia estas situações, se as suas funções correspondem a necessidades permanentes —, apesar de considerarem que têm funções e vínculos equivalentes aos de outros colegas já integrados. Estes precários, que receiam que as CAB encerrem sem que a sua situação seja avaliada, vão ser recebidos pela ministra do Trabalho no início de fevereiro. Além disso, já depois de terminados os prazos estipulados pelo PREVPAP, a RTP recorreu a novos precários. No Porto, 25 pessoas nesta situação entraram entretanto na empresa, e em Lisboa, embora o número exato não seja conhecido, “são seguramente mais de 100”, garante Nelson Silva, do secretariado da Comissão de Trabalhadores (CT). Não é só na RTP que há precários, embora na empresa do Estado as situações de precariedade sejam mais fáceis de identificar, por causa do PREVPAP. O Expresso questionou a ACT sobre as inspeções à RTP e aos restantes meios de comunicação social, mas não obteve resposta até ao fecho desta edição. Assim, sabe-se apenas os dados que já eram públicos: em 2017, a autoridade realizou uma megainspeção aos meios de comunicação social nacionais (430 visitas a mais de 240 locais de trabalho de 200 entidades), na qual detetou 330 falsos prestadores de serviço.
NÚMEROS
23 alegados falsos outsourcings da RTP, que pertencem à WTVision, avançaram com ações contra a estação pública
20 alegados falsos outsourcings da RTP, contratados pela Nome Código Green, estão a ultimar os processos para entrarem em tribunal
3 processos de alegados falsos recibos verdes da RTP estão em tribunal, a aguardar que o julgamento seja agendado (Expresso, texto da jornalista Maria João Bourbon)

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