O Governo tomou posse no dia 30 de março e seis meses depois são muitos os casos a fragilizar a sua ação política. "É um governo formalmente novo, mas politicamente velho", diz Marques Mendes ao ECO. “Pelos vistos, fiquei a conhecer pela comunicação social“. A afirmação é de Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 23 de março, quando percebeu que a lista de ministros que António Costa lhe apresentaria ao final daquele dia já estava, afinal, nas notícias. O Presidente não disfarçou a irritação e cancelou um encontro com o recém-eleito primeiro-ministro, que tomaria posse no dia 30 do mesmo mês, exatamente há seis meses. Foi uma espécie de prenúncio de um Governo de maioria absoluta que acumulou mais casos em seis meses do que os que levaram à demissão de Pedro Santana Lopes em 2004. Um primeiro caso político ainda antes de tomar posse. “É um governo formalmente novo, mas politicamente velho“, sintetiza Luís Marques Mendes, advogado e comentador da SIC, em declarações ao ECO. “E explica o desastre deste seis meses“. O Governo tomou posse no dia 30 de março, mas naquele dia 23, António Costa atirava, em declarações aos jornalistas, o que viria a ser a equipa governativa, quando os nomes escolhidos não eram ainda oficialmente conhecidos. Seria “um Governo de combate, conciso, com forte núcleo político”, mas com independentes com origem na “na academia”. De combate? Com forte núcleo político?
O ECO identificou dez casos que mancharam politicamente o Governo nestes seis meses, mas poderíamos ter identificado o dobro, em que o estado de graça tradicional dos primeiros meses de governação foi substituído por uma sucessão de casos (e ‘casinhos’) que mostraram um primeiro-ministro em permanente resgate de (quase) todos ministros. Uma saiu mesmo. A demissão de Marta Temido, a ministra da Saúde que um ano antes tinha sido levado ao congresso do PS, foi um segundo caso político dos dez com mais impacto nestes seis meses.
Passava da uma da madrugada de terça-feira, dia 31 de agosto, quando o gabinete de comunicação de Marta Temido enviou um email aos jornais a anunciar a demissão. Nem a hora, nem a fonte da notícia eram comuns em demissões ministeriais. Naquele email, Temido explicava a demissão “por entender que deixou de ter condições para se manter no cargo“. Numa das últimas intervenções públicas antes da demissão, questionada sobre os encerramentos nas urgências, Temido tinha respondido: “Não podemos perder a fé de que vamos melhorar as coisas”. Mas naquele dia tinha sido noticiada a morte de uma grávida depois de ser transferida do Hospital de Santa Maria por falta de vagas na neonatologia. E passaram meses com notícias diárias de fecho de urgências obstetrícias.
Hoje o ministro da Saúde é Manuel Pizarro e já protagonizou um terceiro caso político: É casado com a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, e colocou-se a questão de um conflito de interesses. Esta quinta-feira, por coincidência, realizou-se um debate no Parlamento com a presença do primeiro-ministro. Costa defendeu a integridade de Pizarro e assumiu ter conhecimento da relação marital. Para já, sem mais consequências.
Neste debate, Costa decidiu mostrar o seu lado de divertido, passou a tarde a fazer piadas políticas, umas mais acertadas e outras totalmente falhadas, para mostrar-se imune aos casos que marcaram estes seis meses. Mas a análise de Marques Mendes é outra: Tradicionalmente, o declínio político começa ao fim de sete anos de governo, “foi isso que sucedeu com Cavaco Silva e com António Guterres, e é isso que se vê neste Governo“. Uma primeira razão, assinala o comentador da SIC, é a perda de autoridade de António Costa. “No primeiro mandato, ninguém o contestava, agora só se impõe de vez em quando“. Uma segunda razão é a descoordenação política. “Este Governo tem um problema de coordenação política, é um governo unipessoal, só há o primeiro-ministro“, diz Mendes ao ECO. De resto, há duas semanas, o primeiro-ministro nomeou um secretário de Estado-adjunto, Miguel Alves, cargo que tinha ficado por preencher quando Tiago Antunes passou a ser secretário de Estado dos Assuntos Europeus. A ministra Mariana Vieira da Silva, número dois com a coordenação política, acaba por ser uma das responsáveis diretas pela sucessão de casos e pela descoordenação reinante.
A crise do aeroporto é um quarto caso destes seis meses, e que quase levava a outra demissão, desta vez de Pedro Nuno Santos. Foi no dia 30 de junho. O primeiro-ministro determinou ao ministro das Infraestruturas e da Habitação a revogação do despacho ontem publicado sobre o Plano de Ampliação da Capacidade Aeroportuária da Região de Lisboa. A decisão, conhecida pela manhã cedo, destruía um anúncio do dia anterior, revelado em primeira mão pelo ECO. Pedro Nuno Santos antecipou-se ao congresso do PSD e à eleição formal de Luís Montenegro e revelou que o Governo tinha decidido optar pela solução do aeroporto complementar do Montijo no imediato e, a prazo, com o novo aeroporto de Lisboa em Alcochete. Mas Costa não foi informado dessa iniciativa naquele dia, nem o Presidente da República. Parou tudo e esta semana, o Governo e o PSD chegaram a um acordo para a metodologia que permitirá a escolha da localização do novo aeroporto, agora atirada para meados de 2024.
António Costa entrou no debate a responder a André Ventura. O líder do Chega foi direto na identificação de um conjunto de casos que marcaram a governação destes seis meses. Costa optou pela ironia para responder a Ventura, estratégia que fez, aliás, durante todo o debate. “Em dez minutos já tinha aviado quatro ministros! A remodelar a esse ritmo, tínhamos de fazer ainda mais congressos do que o Chega consegue fazer em seis meses!”, disse Costa. “Quatro casos, um anacronismo, política zero e portugueses, nem os ver”, acrescentou.
Um quinto caso é precisamente a atribuição de fundos comunitários a uma empresa do marido da ministra da Coesão, Ana Abrunhosa, que tem também a tutela de programas comunitários. O Observador revelou que António Trigueiros de Aragão foi beneficiário de fundos europeus, uma área parcialmente tutelada pela mulher, quando esta já era ministra da Coesão. Está em causa um apoio de 303 mil euros, dos quais 133 mil foram atribuídos à Thermalvet, que é detida em 40% pelo marido de Ana Abrunhosa. A ministra pediu um parecer à Procuradoria-Geral da República — sabe-se agora a conselho do próprio primeiro-ministro. O parecer não aponta ilegalidade, porque a lei não equipara o acesso a fundos comunitários à contratação pública, uma espécie de ‘buraco legal’, mas sugere mudanças à lei. Em comissão parlamentar, que estava marcada e coincidiu com a revelação do caso, a Iniciativa Liberal exigiu uma de duas respostas: o empresário tem de devolver os fundos recebidos ou a ministra apresenta a demissão. Ana Abrunhosa emocionou-se — “toda a gente sabe que sou uma chorona” –, mas não respondeu ao deputado Carlos Guimarães Pinto.
“Este primeiro-ministro e este Governo não estão preparados para para tempos de dificuldade e de austeridade“, afirma Luís Marques Mendes ao ECO. “O padrão [de António Costa] é distribuir, foi isso que fez no primeiro mandato, mas o paradigma mudou“, acrescenta. A inflação acelerou para números historicamente elevados, este ano será entre os 7% e os 8%, com perda de rendimento, e a pressão social a aumentar. E no próximo ano, já se sabe, haverá uma aterragem económica forçada, apesar do primeiro-ministro garantir que a economia portuguesa vai crescer.
É precisamente este novo paradigma que está por detrás do se sexto caso político que marcou estes seis meses. António Costa, ele próprio, anuncia ao país à hora do jantar o plano de apoio às famílias, e uma das medidas, talvez a mais emblemática, era o pagamento de um bónus aos pensionistas, já em outubro, correspondente a meia pensão, e a atribuir a todos os que estão na reforma. Mas havia um truque na manga, para garantir um corte futuro das pensões. António Costa tinha dito, semanas antes, que a lei de cálculo das pensões seria integralmente cumprida e que, por força da inflação deste ano, daria aumentos da ordem dos 8% em 2023. Costa ‘partiu’ este aumento em dois, garantindo assim que a referência para os aumentos a partir do próximo ano será mais baixa do que seria com a aplicação da lei. O primeiro-ministro reconheceu, dias depois, que a opção foi garantir a estabilidade da Segurança Social, impedindo que o aumento extraordinário da inflação se tornasse num peso permanente nas contas da Segurança Social. Foi a economia, ou melhor, o orçamento, a ditar esta estratégia para limitar o impacto orçamental de uma medida que antecipa um aumento de pensões para 2022, mas impõe perdas a partir de 2023.
A ministra responsável pela pasta da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, foi obrigada a mudar a presidente do IEFP, mas inicialmente resistiu e acabou por ser uma auditoria interna do próprio ministério a determinar a mudança, e a ultrapassar um sétimo caso político desde a tomada de posse do Governo. A presidente do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), Maria Adelaide Franco, tinha sido nomeada em maio em regime de substituição e demitiu-se no dia 19 de agosto. A demissão aconteceu depois de ter sido conhecido que Maria Adelaide Franco recebeu um subsídio de desemprego depois de ter cessado o contrato com a empresa que fundou (Mindsetplus) — e na qual viria a ser reintegrada. Contudo, ao mesmo tempo, a responsável manteve atividades “pontuais” e “não remuneradas” com a empresa. A gestora pública começou por negar ilegalidades para, depois, admitir devolver as verbas recebidas. Foi obrigada a sair, mas a ministra Ana Mendes Godinho decidiu mantê-la em funções, de forma interina, o que mereceu críticas severas da oposição. Entretanto, já foi nomeado um novo presidente, notícia revelada pelo ECO em primeira mão.
O ministro das Finanças é, para Luís Marques Mendes, um dos pesos pesados deste Governo tão dependente de António Costa. Mas Fernando Medina foi protagonista de um oitavo caso que fragilizou o Governo, quando decidiu contratar o antigo jornalista Sérgio Figueiredo para consultor, com um salário mensal superior ao salário base do próprio ministro. No dia 8 de agosto, o Público e o Jornal de Negócios avançavam que o ministro decidira contratar quem já o tinha contratado como comentador da TVI para consultor. Por ajuste direto e por um prazo de dois anos, para avaliação de políticas públicas. Sérgio Figueiredo teria um contrato de dois anos, sem exclusividade, com um salário de 139.990,00 euros, ou seja, cerca de 70 mil euros por ano, o que corresponderia a pouco mais de 5.800,00 euros por mês (24 prestações iguais no período do contrato). Um salário que, ao contrário do que foi anunciado inicialmente, seria mesmo superior ao salário base ilíquido do próprio Fernando Medina.
António Costa, questionado, atirou as responsabilidades para o ministro das Finanças, dizendo que era responsável apenas pela constituição do seu gabinete. O desfecho estava ali traçado. Menos de dez dias depois, Sérgio Figueiredo escolhe o Jornal de Negócios para publicar um artigo de opinião em que anuncia a renúncia ao cargo. “Não há outra forma de o dizer: desisto”. Medina lamentou, dias depois, a decisão, e até ao momento não há substituto para uma função que era considerada crítica.
O ministro das Finanças voltou a estar no centro da discussão política depois de repreender publicamente o seu colega da Economia, um nono caso político destes seis meses. António Costa Silva deu uma entrevista à TSF e DN onde defendeu uma descida transversal do IRC, contrariando a posição oficial que consta do próprio programa de Governo, ou seja, uma descida seletiva do IRC. Mas a afirmação do ministro da Economia surgiu num momento em que o Governo se preparava para apresentar uma proposta de acordo de concertação aos parceiros sociais. “Não me parece adequado nesta fase, em que decorrem negociações com os parceiros sociais, esta ou aquela posição sobre esta ou aquela matéria“, disse Fernando Medina. Mas não foi apenas o ministro das Finanças a criticar o ministro da Economia. Também os secretários de Estado de Costa Silva, João Neves e especialmente a secretário de Estado do Turismo, Rita Marques, alinharam no isolamento do ministro. Costa Silva disse, depois, que costuma ter razão antes do tempo, mas para já nem os secretários de Estado saíram nem a proposta de IRC aos parceiros sociais passa por uma redução transversal. “Um ministro é pago para ter boas ideias e para as aplicar. A Costa Silva falta peso político, e ser um independente não serve de argumento“, afirma Marques Mendes ao ECO. E o comentador cita os casos de Mário Centeno e Paulo Macedo, em governos do PS e do PSD, respetivamente.
A ministra da Agricultura! Maria do Céu Antunes, foi criticada pela CAP por causa da falta de apoios aos agricultores no contexto da seca, e a resposta foi inusitada. Lembrou que a Confederação aconselhou os eleitores a não votarem no PS. Já a secretária de Estado da Administração Interna, Patrícia Gaspar, anunciou resultados no combate aos incêndios melhores do que os antecipados por um algoritmo, enquanto o o ministro da Educação justificou a existência de dezenas de milhar de alunos sem professores no início das aulas com as previsões, mais graves, da Pordata e dos partidos da oposição.
São três casos políticos que também poderiam constar de uma lista de casos destes seis meses de Governo. Mas o que está agora a preocupar António Costa e o seu núcleo duro é, do que se sabe, um caso de reputação política, o décimo caso político, revelado pelo Correio da Manhã. O primeiro-ministro comprou um T1 por 276 mil euros em Lisboa, na zona de Benfica, ainda em planta, o que lhe garantiu um desconto de 4% sobre o preço final. Pagou uma percentagem elevada aquando da assinatura do contrato-promessa e terá beneficiado de um segundo desconto de mais 4%, mas a evolução dos preços do imobiliário associado ao aumento dos juros do crédito à habitação são um risco reputacional para o primeiro-ministro.
Tudo somado, estes seis meses revelaram “um Governo sem iniciativa política“, conclui Luís Marques Mendes. “Um Governo de maioria absoluta gera expectativas maiores, esperava-se uma forte capacidade de iniciativa política, com ou sem reformas, mas isso não existe“ (ECO digital, texto do jornalista António Costa)
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