O ainda presidente do Eurogrupo, Mário Centeno, defende um repensar das atuais regras que limitam a dívida e o défice na União Europeia (UE), avisando que podem levar a uma nova recessão após a crise pandémica. Em entrevista ao Financial Times dias antes do final do seu mandato à frente do Eurogrupo, na segunda-feira, Centeno considera que os governos da UE deveriam aproveitar a pausa imposta pela pandemia de covid-19 na aplicação dos limites orçamentais para repensar estas normas e evitar reaplicá-las “cegamente”, incluindo o teto de 60% do Produto Interno Bruto (PIB) até agora imposto às dívidas nacionais.
“O importante para a Europa, a nível fiscal, nos próximos meses e anos é a forma como vai ser gerido o regresso à aplicação das normas fiscais, de forma a evitar o irromper de uma recessão”, afirma o ex-ministro das Finanças de Portugal. Este ano, a dívida pública da zona euro deverá aumentar para 102% do PIB na sequência dos fundos públicos injetados na economia durante os meses de paralisação económica resultante do confinamento. Segundo Centeno, que em junho foi proposto pelo Governo para assumir as funções de governador do Banco de Portugal (BdP), “esta crise vai levar a significativos aumentos da dívida pública e privada” e “exigir elevados níveis de investimento” em todos os países: “Aplicar as regras cegamente poderá ser irrealista nestas circunstâncias e por em causa a credibilidade do sistema”, considera.
Na entrevista ao Financial Times, Mário Centeno defende que a Comissão Europeia, que no ano passado iniciou uma consulta sobre o Pacto de Estabilidade e Crescimento, deve continuar a trabalhar no sentido de apresentar ideias de reformulação das atuais regras que os ministros da UE possam debater após o verão.
Segundo Centeno, embora as negociações em curso sobre o pacote de 750 mil milhões de euros de ajudas à recuperação económica europeia sejam “a prioridade imediata”, os ministros das Finanças deveriam também tentar estabelecer “metas realistas” para a reposição das regras fiscais.
“Não nos devemos precipitar, mas sabemos que teremos de voltar a cumprir regras de política fiscal”, afirmou, sustentando, contudo, que “não faz sentido tentar determinar trajetórias irrealistas para retomar o Pacto de Estabilidade e Crescimento, dada a enorme incerteza em torno da evolução do vírus e do seu impacto nas economias europeias”.
“Primeiro temos de superar as dificuldades”, rematou.
A pandemia de covid-19 já provocou mais de 535 mil mortos e infetou mais de 11,52 milhões de pessoas em 196 países e territórios, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 1.620 pessoas das 44.129 confirmadas como infetadas, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de dezembro, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
Depois de a Europa ter sucedido à China como centro da pandemia em fevereiro, o continente americano é agora o que tem mais casos confirmados e mais mortes.
As medidas para combater a pandemia paralisaram setores inteiros da economia mundial e levaram o Fundo monetário Internacional (FMI) a fazer previsões sem precedentes nos seus quase 75 anos: a economia mundial poderá cair 3% em 2020, arrastada por uma contração de 5,9% nos Estados Unidos, de 7,5% na zona euro e de 5,2% no Japão.
Para Portugal, a Comissão Europeia prevê que a economia recue 9,8% do PIB em 2020, uma contração acima da anterior projeção de 6,8% e da estimada pelo Governo português, de 6,9%
O Governo prevê que a economia cresça 4,3% em 2021, enquanto Bruxelas antecipa um crescimento mais otimista, de 6,0%, acima do que previa na primavera (5,8%) A taxa de desemprego deverá subir para 9,6% este ano, e recuar para 8,7% em 2021. Em consequência da forte recessão, o défice orçamental deverá chegar aos 6,3% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020 e a dívida pública aos 134,4% (Executive Digest)
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