sexta-feira, julho 24, 2020

Grécia dá tudo para atrair pensionistas estrangeiros (e compete com Portugal)

A Grécia quer criar um regime mais atrativo para os reformados abastados rumarem ao seu território e, com isso, gerar receitas adicionais para o país. A competição com o mecanismo de residente não habitual português é evidente, numa estratégia que não é nova na Europa. Portugal tem histórico como o ‘El Dorado’ dos reformados com boa situação financeira vindos dos países mais a norte, o que nos valeu a censura dos respetivos governos. Agora, a Grécia perfila-se como o próximo destino de sol que se abre (às bolsas) dos europeus idosos, competindo diretamente com o nosso Regime Fiscal para o Residente Não Habitual (RNH). Atenas propõe uma taxa de imposto de apenas 7% para os pensionistas estrangeiros que se mudem para aquelas paragens, contra os 10% de imposto mínimo que, em Portugal, se aplicam desde 2020 aos rendimentos dos RNH. Segundo uma notícia do ‘The Guardian’ a intenção do Governo grego é simples: “Queremos que os pensionistas venham para aqui”, disse ao jornal britânico uma responsável do Ministério das Finanças da Grécia, acrescentando que “temos um bonito país, muito bom clima, por isso, porque não?”.

A proposta do Governo grego é conceder este incentivo aos reformados que passem a residir no país por um período de uma década e o objetivo é expandir a atual base de contribuintes, obtendo receitas fiscais adicionais. “O que significa investir um pouco, através do arrendamento ou da compra de uma casa, por exemplo”, explicou a mesma fonte ao ‘The Guardian’. Na mesma notícia é ainda referido que a taxa dos 7% se aplica a qualquer tipo de rendimento que os indivíduos estrangeiros tenham, mesmo que sejam provenientes de dividendos, assim como de pensões. O plano foi desenhado também para servir de atrativo para a diáspora grega, contabilizando-se em cinco milhões de pessoas, espalhadas pelo mundo, com ligações fortes ao país natal.
REGIME PORTUGUÊS PERDE ATRATIVIDADE
Até este ano, o regime dos RNH atribuía uma isenção de IRS aos reformados residentes em Portugal a receber pensões pagas por um país estrangeiro, uma situação que o Orçamento do Estado para 2020 eliminou. A taxa de 10% passou a ser aplicada por pensionista e é dada ao reformado a opção pelo englobamento, caso este lhe seja mais favorável. Também se aplica o método de crédito de imposto, o que significa que, caso paguem IRS no estrangeiro, estes RNH podem abater o imposto que é pago à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
Antes, estes novos residentes no país nada pagavam caso existisse um acordo de dupla tributação entre o país de origem do pensionista e Portugal (que permitisse ao fisco tributar aquele rendimento), o que levou à condenação do regime do RNH nacional por parte de vários responsáveis governamentais europeus, nomeadamente da Suécia e da Finlândia. O facto da Grécia optar pelos 7% não será alheio às críticas a este tipo de regimes ‘demasiado agressivos’.
Luís Leon, sócio da Deloitte e especialista em IRS, faz notar que “há um mundo de regimes especiais por essa Europa fora e a Grécia até já tinha um”.
Na sua opinião, “o regime português com a taxa de 10% continua a ser atrativo para pensionistas”. Mas isso já não acontece com quem queira vir “criar negócios para Portugal porque, apesar de haver uma taxa especial de 20% para quadros qualificados, não há um regime especial de segurança social”. Ou seja, como se “explica a alguém que para ter uma taxa de IRS de 20% tem de pagar 34,75% de segurança social (11% enquanto trabalhador e 23,75% enquanto empresa)? Não é propriamente um incentivo a vir para o país criar a sua atividade”, sustenta o fiscalista.
Adicionalmente, Luís Leon lembra que as mais-valias de valores mobiliários não beneficiam de qualquer benefício nem distribuições ou resgates de fundos de investimento. “Por esta razão, para quem é investidor fora de Portugal, o regime fiscal de residente não habitual está longe se ser dos mais competitivos até ao nível europeu”, frisa o consultor da Deloitte, que faz notar que “culturalmente Portugal tem dificuldade em assumir competitividade internacional pela via fiscal, pelo que é muito difícil mudar o nosso regime para o tornar mais competitivo”.  Tal como a Grécia, outros territórios também têm mecanismos fiscais para beneficiar os residentes estrangeiros, entre os quais Itália, Espanha, Chipre, Irlanda e até a Suécia e o Reino Unido.
O NASCIMENTO EM 2009 E O DISPARAR A PARTIR DE 2012
Podem solicitar à AT o acesso ao mecanismo de RNH os indivíduos considerados, para efeitos fiscais, como residentes em território português que não tenham sido sido cá residentes nos cinco anos anteriores. Este regime foi criado em 2009 e sujeito a uma reformulação em 2012, altura em que passou de facto a funcionar tendo sido ultrapassados vários obstáculos que impediam muitas vezes o acesso. É atribuído por um período máximo de 10 anos, tal como pretende a Grécia, e prevê também que os trabalhadores com profissões consideradas de elevado valor acrescentado que também sejam RNH paguem uma taxa especial de IRS de 20% sobre os rendimentos do trabalho.
O regime para os RNH surgiu durante o primeiro Governo PS liderado por José Sócrates, em que Teixeira dos Santos era ministro das Finanças e Carlos Lobo o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Foi anunciado como uma forma de trazer para Portugal cérebros com elevadas qualificações e acoplado veio um atrativo regime para os reformados estrangeiros. Estes idosos (que elegeram, sobretudo, o Algarve como residência fiscal), ao mudarem-se para paragens lusas deixavam de pagar IRS em Portugal sobre as pensões que recebiam no seu país e, por causa de uma especificidade que consta na maioria dos acordos de dupla tributação, também não pagavam imposto no país de origem. Ou seja, havia uma situação de dupla isenção que acabou este ano, embora se mantenha para os RNH que já estavam a beneficiar das regras antes da mudança (Expresso, texto da jornalista Ana Sofia Santos)

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