Natural de Baião, distrito do Porto, tem 44 anos.
Esteve com António José Seguro na corrida à liderança do PS, mas está agora no
governo liderado por António Costa. Chegado há poucos dias da Venezuela, José
Luis Carneiro, secretário de Estado das Comunidades é o convidado da TSF e do
Diário de Notícias. Esta entrevista foi gravada ainda antes das comemorações do
10 de junho que serão assinaladas aqui em Portugal, mas também no Brasil.
José Luis Carneiro, que cenário é que encontrou na sua
recente visita à Venezuela? Já usou noutras entrevistas a expressão
"situação grave". Não é normal vermos um diplomata a assumir que
encontrou, num destino que visitou, uma situação grave. Regressou preocupado?
Sim, naturalmente que regressei preocupado, porque
pude ouvir muitas centenas de portugueses, literalmente pude dialogar com mais
de 400 pessoas, desde trabalhadores por conta de outrem, empresários do setor
da panificação, a empresários do setor da distribuição e, naturalmente, que as
suas mensagens são mensagens de preocupação, de muita preocupação. Agora é
evidente que também senti da parte das autoridades venezuelanas, e queria
sublinhá-lo, um enorme respeito pela comunidade portuguesa como também, ao
mesmo tempo, uma noção muito exata da função económica e social essencial à
vida da Venezuela, e uma vontade muito grande em apoiar a comunidade,
nomeadamente ativando uma linha de crédito para a reabertura dos
estabelecimentos comerciais. Senti também a mobilização do ministério da
Justiça e da Administração Interna para garantir níveis de confiança na
administração pública venezuelana tendo em vista garantir as condições de segurança
e senti, também, que há iniciativas tendentes ao reforço da cooperação consular
para permitir uma visita mais regular aos portugueses detidos que temos na
Venezuela.
Portanto, senti grande preocupação na comunidade,
dentro dessa preocupação eu diria que há duas grandes leituras do que pode vir
a acontecer: uma é a dos nossos emigrantes de primeira geração, muito
consolidados nas suas vidas profissionais, com estabelecimentos comerciais,
empresariais e com vidas muito bem definidas na Venezuela, com vontade de se
manterem na Venezuela, de defenderem o seu país - porque é para eles também o
seu país, do presente e do futuro -, depois também senti nessa geração a
preocupação com os seus filhos, com os seus netos, em regra mais qualificados,
com outro nível de instrução e que têm naturalmente dificuldade em encontrar
emprego compatível com a sua formação. Depois há uma parte da população que,
efetivamente, e de acordo com os relatos que me foram transmitidos pela
comunidade, tem dificuldades porque os níveis de remuneração do trabalho são
níveis pouco compatíveis com a inflação e com os níveis de vida. Estamos a
falar, para se ter uma pequena ideia, por exemplo, um quilo de arroz anda na
ordem dos 8000 bolívares e uma remuneração regular anda na ordem dos 200 000
bolívares. Aqui está o problema. Não se trata, muitas das vezes, de não haver
bens alimentares nos estabelecimentos comerciais. Eu visitei uma das maiores
cadeias de distribuição da Venezuela, que é aliás liderada por portugueses, e
tirando a parte dos cereais e dos derivados dos cereais, o centro comercial
tinha absolutamente de tudo o que é necessário para a vida das pessoas. Agora,
os custos de vida e os custos dos bens é que efetivamente não são compatíveis
com os níveis de remuneração. É o resultado de uma crise económica que se
abateu sobre os países que vivem das vendas do petróleo e que têm os seus
orçamentos muito alicerçados nisso. Como sabe, o petróleo representava 80% a
90% do orçamento da Venezuela e a queda abrupta dos preços do petróleo fez-se
sentir em vários países da América Latina e de África, nomeadamente, e isso tem
um efeito dominó que foi criando uma situação muito grave do ponto de vista
económico, do ponto de vista social, que depois teve e está a ter também uma
tradução de conflitualidade política.
Nada que não se tenha registado também [a crise do
petróleo] noutros países como Angola, que são também países muito próximos de
Portugal. Só para fazer um sublinhado: quantos são exatamente os portugueses e
lusodescendentes que estão na Venezuela neste momento?
Nós temos inscritos nos serviços consulares 180 000
portugueses...
... mas é um número que está muito distante daquele
que realmente...
Sim. As estimativas, considerando lusodescendentes e
cidadãos que hoje têm nacionalidade venezuelana, são de que existem cerca de
500 000 portugueses e lusodescendentes na Venezuela.
Falava há pouco da resiliência da comunidade
portuguesa na Venezuela, sobretudo de quem lá está há mais anos, esta crise
veio tocar um pouco a forma como a comunidade está organizada ou mantém-se uma
comunidade com estruturas, com instituições de apoio? Existe ainda essa rede de
apoio?
Toca aí num ponto muito relevante desta comunidade
portuguesa na Venezuela. Ela está estruturada não apenas naquilo que são os seus
alicerces económicos e empresariais, dos quais podemos dar alguns dados que são
relevantes: de 7000 padarias que há na Venezuela, 95% são detidas por
portugueses ou lusodescendentes, aliás o presidente da Associação Nacional dos
Industriais de Panificação é precisamente um português. Depois há também uma
parte importante ligada ao setor da distribuição, que também é um alicerce.
Estamos a falar de empresas que nalguns casos têm entre 3000 e 4000
trabalhadores, portanto isto mostra bem o enraizamento do emprego nas
estruturas empresariais dos portugueses. E, depois, há ainda os setores da
restauração e da hotelaria, eu diria que estes são os setores mais relevantes.
Além disso há um conjunto de investimentos em curso que resultam de uma boa
relação de cooperação que houve a partir de 2005-2006, aliás objeto de vários
protocolos de cooperação no âmbito da própria comissão mista, e que são
investimentos que ainda estão em curso.
Visitei o porto de La Guaira, que é uma infraestrutura
portuária que vai operar numa região que é responsável por 10% do comércio
mundial e que vai permitir a inserção da Venezuela nas cadeias de comércio
internacional; e essa operação não só foi um investimento e uma infraestrutura
construída por uma empresa portuguesa, como emprega hoje mais de 300
trabalhadores, e essa empresa portuguesa vai participar em 45% da operação a
partir do porto de La Guaira, numa parceria com a Bolipuertos.
Como é que se faz a ponte entre o Palácio das
Necessidades e essa comunidade que está enraizada na Venezuela?
Há um movimento associativo - nós temos 47 associações
- e é extraordinário conhecer o movimento associativo português na Venezuela.
Não apenas pelo conjunto das atividades que desenvolve, mas pelas
infraestruturas materiais que erigiu ao longo das últimas décadas. Estamos a
falar de centros sociais, culturais, recreativos, comunitários, lares de
idosos, e, vou dar o exemplo de uma associação, que tem 3000 associados e que
movimenta em regra 10 000 portugueses nas suas atividades. Têm equipamentos
desportivos do que há de melhor, equipamentos culturais com o que há de mais
desenvolvido e equipamentos de apoio social. Portanto, respondendo à pergunta
sobre qual é a metodologia de trabalho com as instituições, esse também foi um
dos objetivos da minha visita: validar e verificar se há obstáculos à boa
mobilização dos instrumentos que temos colocado no terreno para manter a
relação bem oleada com as estruturas na Venezuela.
Vem mais, ou menos descansado depois das reuniões que
manteve com as autoridades venezuelanas?
Vim mais tranquilo porque senti efetivamente que as
autoridades venezuelanas estão conscientes das preocupações dos portugueses e
também, ao mesmo tempo, mobilizadas para apoiar as autoridades portuguesas
consulares e diplomáticas e apoiar essas estruturas associativas e
empresariais.
E o governo venezuelano ainda tem condições para dar
essas garantias ou seja, com a instabilidade que se vive no país ainda há
condições para nós, do lado português e da comunidade portuguesa, acreditarmos
que eles têm capacidade para efetivar essas garantias?
Esse é o nosso dever, em primeiro lugar o dever para
com a comunidade portuguesa, porque esta também tem uma noção muito clara de
que as autoridades venezuelanas são os primeiros responsáveis pela salvaguarda
da ordem pública e da segurança de pessoas e bens. Mas também vim consciente de
que é possível, nomeadamente no trabalho com os serviços consulares, no
trabalho com o movimento associativo, aperfeiçoar instrumentos de trabalho,
nomeadamente na capacitação das instituições para uma dinâmica de projeto,
porque as nossas associações, que têm um trabalho de grande qualidade de
décadas, estão pouco vocacionadas para o trabalho de projeto como hoje aqui se
trabalha, por exemplo no país, no movimento associativo. Portanto,
estimulei-os, e nós reforçámos os meios de apoio social no consulado. Temos,
neste momento, dois conselheiros sociais a tempo inteiro a trabalhar com o
movimento associativo não apenas para capacitar o movimento associativo para a
elaboração das candidaturas destinadas a apoiar famílias carenciadas, mas
também para desenvolverem projetos de apoio à comunidade. Por exemplo: nós,
aqui em Portugal, temos desde 1999 o denominado apoio domiciliário que é
desenvolvido pelas IPSS. Ora, na Venezuela não há esta experiência. É possível
desenvolver esta experiência com o apoio do Estado Português para garantir que
as famílias que estão isoladas, nomeadamente as famílias já com idosos, cujos
filhos saíram do país, emigraram do país ou que vivem nos grandes centros
urbanos, recebam o apoio domiciliário que fundamentalmente trata das questões
habitacionais, higiene habitacional, higiene pessoal, prescrição de
medicamentos e também as questões alimentares.
Que tipo de pedidos é que lhe tem chegado às mãos?
Fundamentalmente os pedidos de apoio que chegam às
associações, porque os apoios têm vindo pelas associações e também pelos
serviços consulares, nomeadamente pelos conselheiros sociais, são apoios
ligados à área da saúde. Ou seja, dirigem-se muitas vezes às instituições
sociais para verificarem as condições de obtenção de apoio médico ou de apoio
no domínio da saúde. Depois, também necessidades nomeadamente ao nível do ASIC
e do ASEC. O ASIC é o apoio social para idosos carenciados e o ASEC é o apoio
social para emigrantes carenciados. O primeiro tem um carácter de regularidade
e o segundo tem um carácter de apoio em circunstância de crise pessoal. Este
instrumento é definido e trabalhado pelos serviços consulares, é depois,
posteriormente, enviado para Lisboa e é o Ministério do Trabalho e da Segurança
Social português que efetua a transferência para as respetivas famílias tendo
em vista garantir esse apoio.
E tem tido, da parte do ministro Mário Centeno, apoio
para esse esforço suplementar? Está confortável nesta operação de apoio à
comunidade da Venezuela?
Estou não apenas confortável, como queria aqui
sublinhar o bom espírito de cooperação e de equipa dos vários membros do
governo em relação não só a esta matéria, como a várias outras que têm sido
colocadas pela Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas (SECP). Como
sabe, a SECP, assim como o Ministério dos Negócios Estrangeiros, é um
ministério fundamentalmente de relação, que funciona como pivot na relação com
todas as esferas do governo e, desse ponto de vista, eu queria não só sublinhar
a abertura, a grande abertura, dos membros do governo para garantirmos um apoio
tão célere quanto possível, tão eficaz quanto possível, aos portugueses na
Venezuela. Queria aqui também sublinhar a importância da boa cooperação que
também se tem estabelecido com o Governo Regional da Madeira, aliás fizemos a
viagem conjuntamente, eu e o senhor secretário regional da Madeira, Sérgio
Marques, e essa cooperação tem-se vindo a consolidar ao longo de 2016-2017,
assim como a vontade de integração agora dos esforços de apoio àqueles que
estão a regressar, nomeadamente à Madeira.
Tenho ouvido dizer nos últimos dias que não há dados
concretos que comprovem uma debandada de portugueses da Venezuela em direção a
Portugal e, sobretudo, à Madeira. Ainda assim estamos a falar de uma estimativa
do Governo regional de 3000 a 4000 pessoas que regressaram ao arquipélago. São
portugueses que procuram refazer as vidas ali na Madeira, estão a fugir da
Venezuela. Esse movimento tem sido acompanhado por alguma contestação na ilha,
há comentários xenófobos quer nas redes sociais quer em alguma opinião
publicada em órgãos de comunicação social madeirenses. Preocupam-no esse tipo
de reações?
Eu não conheço essas manifestações. Aquilo que eu
queria sublinhar é o seguinte: recordo, e é muito importante recordarmos alguns
números sobre os emigrantes portugueses, entre 1955 e 1975 chegaram a França
750 000 portugueses. Foram acolhidos, foram integrados, e transformaram vidas
de pobreza e de exclusão em vidas de grande sucesso sob todos os pontos de
vista. Quando os portugueses foram para a Venezuela, aos milhares, também
encontraram um país que os acolheu, que os integrou e que fez desses
portugueses emigrados empresários de grande sucesso, cidadãos de grande sucesso
na vida cívica, na vida cultural, na vida política.
Os portugueses têm uma tradição de também serem
tolerantes e inclusivos e, naturalmente, qualquer mensagem que possa subsistir
ou que possa prevalecer de menor capacidade ou de menor tolerância à integração
apenas pode merecer o nosso repúdio, independentemente dos locais onde ela se
faça.
Esta mensagem é muito importante: Efetivamente, nós
também temos conhecimento de que muitos daqueles que estão na Venezuela e que
estão a vir a Portugal ou à Madeira também estão a fazê-lo numa perspetiva
temporária, ou seja, aguardando que a circunstância social e política melhore
para voltarem de novo à Venezuela porque é lá que têm muito das suas vidas,
muitos dos seus investimentos, os seus filhos e os seus netos. Eu tenho essa
perceção porque conversei mesmo na viagem de avião, quer à ida quer à volta,
com vários portugueses que têm estado na Venezuela, que estavam a dirigir-se a
Portugal, que pretendem passar aqui dois, três meses e, depois, regressarem à
Venezuela. Aquilo que nós desejamos é que, de facto, as circunstâncias sociais,
económicas e políticas permitam que esse movimento se possa voltar a fazer. Mas
queria também deixar claro o seguinte: não há números que permitam afirmar que
há uma saída maciça de portugueses da Venezuela, aliás, aquilo que eu pude
observar foi que a maioria daqueles com quem conversei quer ficar. Muitos
daqueles cujos estabelecimentos foram objeto de destruição já estavam a
desenvolver esforços de reabertura em condições muito provisórias para manter
os estabelecimentos em funcionamento.
No caso da Venezuela, como no caso da África do Sul,
pois são as duas situações de que me estou a lembrar e que faz sentido
comparar, uma parte substancial da comunidade portuguesa tem origens na
Madeira. Neste momento, os números que temos são de 3000 a 4000 pessoas que
regressaram, não sabemos sequer se não será um regresso provisório pelo que
pode não ser um cenário complicado. Há algum cenário de risco para a Madeira
se, de repente, houver um regresso, há alguma preparação para esse cenário, uma
vez que se trata da Madeira e não é propriamente um regresso ao continente, é
um regresso a um local de origem que não comportará todas as pessoas?
O nosso desejo é que um cenário dessa natureza não se
coloque. Caso essa emergência se viesse a verificar e, como digo, ainda estamos
muito longe de se poder admitir que um cenário dessa natureza se possa colocar
mas, como se sabe, as dinâmicas sociais e políticas são sempre precárias em
todos os pontos do mundo, naturalmente que aquilo com que o governo da Madeira
pode contar, como já foi referido por vários responsáveis do governo, é com uma
total solidariedade do governo do país, porque somos o mesmo país e, para nós,
não há portugueses venezuelanos da Madeira e portugueses venezuelanos de
Portugal. Para nós há portugueses e não há portugueses de primeira e
portugueses de segunda, portanto, a solidariedade mobiliza-se para aqueles que
precisam dela.
Já foi solicitado algum tipo de apoio específico pelo
Governo Regional da Madeira?
Por um lado está a ser ativado o Gabinete de Apoio ao
Emigrante da Madeira e ficámos de reunir agora com regularidade, eu próprio
fiquei de participar na primeira reunião desse gabinete, e a partir daí
estabelecer-se-á uma ponte de articulação entre o Gabinete de Apoio ao
Emigrante da Madeira e a nossa estrutura de trabalho com os gabinetes de apoio
ao emigrante que temos estabelecidos em todo o país. Fundamentalmente, julgo
que há uma inquietação, uma preocupação, com aquilo que se possa vir a passar e
isso faz com que aqueles que têm maior capacidade de mobilidade procurem manter
agora uma regularidade de vinda a Portugal, mas numa ótica de regresso, pois,
como digo, não há um português com quem eu tenha conversado que não me tenha
transmitido duas mensagens essenciais: a vontade de ficar no país e a ideia de
que a Venezuela é um país de grandes oportunidades.
Para terminarmos este já longo dossier acerca da
Venezuela, quer deixar aqui a garantia de que qualquer família de portugueses
ou de lusodescendentes que queira fazer esse caminho de regresso a Portugal e
que não tenha meios contará com o apoio do Governo Português?
Sim, queria transmitir às famílias que vão sentindo
necessidades especiais, e as necessidades têm de ser, como é evidente,
demonstradas, porque este é um aspeto muito importante, nem todas as pessoas
que estão a regressar à Madeira são pessoas que têm necessidade de apoio do
Estado. Ou seja, há muitas famílias que regressam e, felizmente, têm meios
próprios, bens pessoais, recursos pessoais, quer do ponto de vista intelectual,
quer do ponto de vista cultural, quer do ponto de vista económico.
Falei da Madeira como um caso específico, porque,
obviamente, a Madeira tem 300 000 habitantes e estamos a falar de uma comunidade
de meio milhão.
A verdade é que 80% a 90% da comunidade é madeirense.
No nosso Consulado-geral de Caracas só dois dos funcionários é que não são de
origem madeirense e, portanto, de facto, a comunidade madeirense na Venezuela é
a grande maioria da comunidade.
Mas queria transmitir uma mensagem importante para as
famílias que de forma objetiva demonstrem a sua necessidade: dirijam-se aos
consulados quer de Caracas quer de Valência ou então aos nossos dez consulados
honorários, dirijam-se ao movimento associativo, porque é por via do movimento
associativo que nós também canalizamos esses apoios, para que, naquilo que são
as vossas necessidades fundamentais, o Estado Português possa garantir esse
apoio. Quero também transmitir a ideia de proximidade, porque foi isso que eu
procurei fazer também com esta visita. Tive uma reunião com cerca de 100
empresários em Valência, estivemos 3 horas em diálogo permanente e ouvi uma a
uma as pessoas que se quiseram pronunciar; dialoguei com as pessoas que estavam
no atendimento público em Valência; em Caracas, onde eram várias dezenas;
dialoguei com os funcionários consulares; dialoguei depois com cerca de 300
portugueses no Centro Português de Caracas numa sessão que também durou cerca
de 3 a 4 horas, aliás há colegas vossos, jornalistas, que assistiram a essa
sessão e, portanto, que não fique sem apoio qualquer português com necessidades
comprovadas.
Viro meia página mantendo-me na América Latina. Não
lhe peço meia resposta, mas peço-lhe uma resposta curta. O Brasil também está a
atravessar uma época de grande instabilidade política, mas também, obviamente,
com reflexos sociais. Não estou a comparar as situações, mas pergunto-lhe se na
forma como os portugueses no Brasil estão a usar os serviços consulares há
algum tipo de sinal como consequência dessa instabilidade?
Não. Não há um recrudescimento dos pedidos de apoio
nos serviços consulares de Portugal. Eu estive há muito pouco tempo no Brasil,
voltarei lá agora no quadro das comemorações do dia 10 de junho e ficarei
durante mais alguns dias para visitar alguns postos consulares que ainda não
tinha visitado ou que ainda não pude visitar, mas, fundamentalmente, diria que
nós temos 670 000 inscritos nos serviços consulares do Brasil e que tem havido
uma procura crescente da nacionalidade portuguesa, ou seja, netos de
portugueses que procuram obter a nacionalidade portuguesa. O fluxo de
brasileiros para Portugal é, como sabe, cada vez maior: de 2015 para 2016 foram
500 000 brasileiros que vieram a Portugal, para conhecer, para investir e eu
diria que - numa afirmação que é, digamos, vulgar, mas que eu julgo que reflete
aquilo que é o sentimento generalizado -, o Brasil é um grande país, com
imensos recursos, como aliás também acontece com a Venezuela, e quem vive
nestes países, Brasil, Venezuela, países da América Central e da América do
Sul, tem vivido também momentos difíceis ao longo da história recente destes
países e tem, também já, uma capacidade de adaptação às circunstâncias
sociopolíticas e também económicas. Estou convencido de que o Brasil voltará a
muito curto prazo a ter um papel relevante no âmbito dos denominados BRIC, que
são um conjunto de países que tem sido, no caso do Brasil, uma voz muito
importante em defesa de uma ordem internacional económica e de uma ordem
internacional política mais favoráveis a um desenvolvimento sustentado de
países e de regiões e, desse ponto de vista também, um desenvolvimento mais
equilibrado do ponto de vista da ordem global.
O Brasil teve e tem esse papel e é indispensável que,
tão breve quanto possível, as circunstâncias políticas se estabilizem para que
o Brasil possa a vir de novo a ter essa voz na vida internacional, porque ele
faz falta à comunidade dos países de língua portuguesa. Ele é essencial na
afirmação da língua e da cultura portuguesa no mundo, é essencial ao próprio
modelo de desenvolvimento em termos internacionais.
Há seis meses, aqui neste estúdio, dizia que o PS
arriscava-se a perder legitimidade política se não apresentasse um candidato
próprio à Câmara do Porto e foi o que acabou por acontecer. Chegou a falar
nessa altura de risco de desvinculação entre os eleitores portuenses e o
partido. Tem dons divinatórios, conseguiu perceber há seis meses que era isto
que ia acontecer, que a história ia acabar assim?
Eu quero concentrar-me fundamentalmente naquilo que
são as minhas responsabilidades, e são muitas como se pode ver pela conversa
que estivemos a ter, estou absolutamente concentrado nessa responsabilidade das
comunidades portuguesas que carecem de uma presença muito forte. Aquilo que eu
desejo, e procurarei também dar o meu contributo para que isso aconteça, é que
o Partido Socialista tenha um bom resultado nas eleições autárquicas. Eu estou
convencido que o irá ter e farei tudo quanto puder fazer para que isso
aconteça, porque tenho a firme expectativa e a firme convicção - e, numa altura
em que o Partido Socialista no governo tem a que eu diria que é a proposta mais
ambiciosa que até hoje se apresentou do ponto de vista da descentralização, e
que vai convocar o poder local e os poderes regionais para essa nova
reorganização político-administrativa do país, com novas responsabilidades dos
poderes locais - de que a nova geração de políticas destinadas ao poder local
vai precisar muito de autarcas imbuídos do mesmo espírito do governo e dos
mesmos valores do Partido Socialista.
Estamos a falar consigo de autárquicas, e para as
pessoas perceberem, porque teve responsabilidades particulares no Porto. Foi
autarca em Baião durante muitos anos e, portanto, é uma temática à qual está
muito habituado e a sua opinião obviamente conta. Tendo dito que vai lutar para
que o Partido Socialista tenha o melhor resultado no Porto, acha que Manuel
Pizarro é uma boa escolha?
Não me quero pronunciar, porque julgo que já disse o
que tinha que dizer sobre esse assunto. Como digo, a minha firme expectativa e
o meu desejo é de que o Partido Socialista tenha bons resultados nas
autárquicas...
... O que é um bom resultado no Porto é uma maioria do
PS ou é evitar uma maioria absoluta de Rui Moreira?
Espero que compreendam que não queria desviar-me
daquilo que é hoje a minha responsabilidade essencial. Já tive essas
responsabilidades, nomeadamente autárquicas, fui o líder dos autarcas
socialistas no país; estive no Comité de Regiões dez anos; participei
ativamente e ajudei a construir, aliás juntamente com o Dr. António Costa, hoje
nosso primeiro-ministro, na altura presidente da Câmara de Lisboa, alguns dos
conceitos que hoje orientam as políticas comunitárias em relação aos poderes
locais. Como já disse e reitero, o meu desejo é que o Partido Socialista,
também no Porto, naturalmente, onde eu tenho especiais responsabilidades - fui
eleito deputado pelo distrito do Porto -, tenha bons resultados. O que quero
dizer é que a minha disponibilidade é total, tirando naturalmente a minha
primeira responsabilidade que é para com as funções de responsabilidade das
comunidades portuguesas, mas queria transmitir esta minha disponibilidade para
apoiar as candidaturas autárquicas.
Mas acredita ou não que o PS pode ter uma candidatura
vencedora no Porto?
Julgo que o facto de ter uma candidatura do Partido
Socialista é em si mesmo muito significativo e muito representativo para os
militantes e para os simpatizantes do PS.
Tem saudades dos seus tempos de autarca?
Eu diria que a função autárquica é a função mais
completa do ponto de vista político, porque ela tem uma dimensão...
... Pergunto isto porque o ouvia sempre falar com
grande paixão da função que desempenhava.
Sim, devo dizer que embora sentindo-me naturalmente
muito honrado com esta importante função de proximidade e de responsabilidade
para com os portugueses que estão fora do país, é uma responsabilidade muito
importante e que me honra muito, mas naturalmente a função autárquica é uma
função muito completa. Já fui deputado, já fui chefe de gabinete de um grupo
parlamentar, já fui assessor de um membro do governo em 1999 e 2000, portanto
já tinha passado por várias esferas do poder do Estado e devo reconhecer que a
função autárquica é talvez uma das funções mais completas para um político.
Desse ponto de vista, devo dizer que sinto em alguns momentos saudades das
funções autárquicas.
Admite um regresso e que esta passagem pelo governo
tenha sido uma comissão de serviço?
Não. Quero referir que sinto-me muito honrado e que
estou muito empenhado e entusiasmado nas funções que estou a desempenhar e
quero também mais uma vez que referir que tenho-me sentido muito apoiado, não
apenas pelo primeiro-ministro, mas também pelo senhor ministro dos Negócios
Estrangeiros e pelos meus colegas do governo que têm sido essenciais para que a
SECP, num ano e meio, tenha correspondido a objetivos historicamente
constituídos como acontece com o recenseamento automático e, naturalmente,
desejo que essa vontade do recenseamento automático seja também sufragada pelo
Parlamento. Queria dizer que é muito importante a forma como o
primeiro-ministro, o senhor presidente da República, o senhor ministro dos
Negócios Estrangeiros se envolveram na área das comunidades portuguesas. E esta
orientação do governo de que não há deslocação ao estrangeiro de qualquer
membro do governo que não tenha um momento para as comunidades portuguesas deu
naturalmente uma força política às comunidades portuguesas que é essencial para
corresponder às preocupações, às inquietações e manifestações, nalguns casos de
preocupação acrescida como aquelas que referimos aqui, relativamente aos
portugueses que vivem, que trabalham e que investem no mundo e que são a nossa
maior força de inserção na vida global.
Como o senhor não quer falar de política autárquica,
já agora tenho de lhe fazer mais uma pergunta: Numa fase recente foram muitos
os portugueses que abandonaram o país. Queria perceber como é que evoluiu esse
movimento, ou seja, continua a haver muitos portugueses nesta altura a saírem
do país ou esse movimento foi de alguma forma estancado?
Os dados que temos do Observatório da Emigração
mostram que os números estabilizaram nas 110 000 saídas no fim de 2015, em
dezembro de 2015. Esta é, digamos, uma primeira conclusão.
Segunda conclusão e muito relevante: das 500 000
saídas que ocorreram entre 2011 e 2015 há um universo de cerca de 300 000 que
regressaram ao país em períodos inferiores a um ano, o que significa também que
se está a consolidar um mercado europeu e global de trabalho, ou seja, a
tendência para que tenhamos cada vez mais, no futuro, pessoas em mobilidade por
razões laborais e daí também uma necessidade futura, e cada vez mais premente,
de termos políticas, nomeadamente no quadro da União Europeia que tenham que
ver com esta regulação e com esta proteção social ao trabalho e às empresas que
estão em mobilidade.
Terceira conclusão: os fluxos têm, de facto, vindo a
consolidar-se para o quadro da União Europeia e os fluxos hoje para fora do
quadro europeu já são pouco expressivos no conjunto da emigração portuguesa.
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