“Ben Bradlee, figura lendária do jornalismo norte-americano e director
do Washington Post durante a celebrada investigação do escândalo Watergate,
morreu terça-feira aos 93 anos, anunciou o jornal que ele ajudou a transformar
numa referência em todo o mundo. “Para Benjamin Bradlee, o jornalismo era mais
do que uma profissão — era um bem público vital para a democracia”, reagiu o
Presidente Barack Obama, que em 2013 lhe concedeu a maior distinção civil dos
Estados Unidos, a Medalha Presidencial da Liberdade. O Post, onde entrou como repórter
policial em 1948, três décadas antes de assumir a direcção, noticiou que
Bradlee morreu na sua casa em Washington, vários anos depois de ter sido
diagnosticado com Alzheimer. O fim de uma vida longa que começou no
Massachusetts, em 1921, o levou a combater no Pacífico durante a II Guerra
Mundial e a Paris, onde foi adido de imprensa e correspondente da Newsweek e,
em 1965, de novo ao Post, onde ficaria até à reforma, em 1991. “O Ben era um
verdadeiro amigo e um líder de génio do jornalismo”, afirmaram num comunicado
conjunto Bob Woodward e Carl Bernstein, os dois jovens jornalistas que, em
1972, começaram a seguir as pistas do assalto a uma sede do Partido Democrata
em Washington e não largaram a investigação até à demissão do Presidente Nixon,
dois anos depois. Inicialmente céptico, Bradlee manteve uma defesa sem quartel
dos dois repórteres ao longo dos mais de 400 artigos que o Post publicaria
sobre o Watergate, sendo o único a quem Woodward e Bernstein revelaram a
identidade do “Garganta Funda”, a fonte não identificada que foi essencial no
desenrolar da investigação.
“Ele foi o melhor director de jornais na América da sua época”, assegura
Donald E. Graham, o último da dinastia Meyer-Graham a deter o Washington Post,
vendido em 2013 a Jeff Bezos, fundador e presidente da Amazon. A sua mãe,
Katharine Graham, liderava o grupo e apoiou Bradlee quando ele, em 1971,
decidiu juntar-se ao New York Times na publicação dos Pentagon Papers, um
conjunto de documentos do Departamento de Defesa que mostravam como a
Administração do então Presidente Lyndon Johnson mentiu sobre o envolvimento
norte-americano na guerra do Vietname. Confrontada com a maior fuga de
informação vista até aí nos EUA, a Casa Branca desencadeou uma batalha legal
que levaria o Supremo Tribunal a reconhecer o direito da imprensa a divulgar
documentos oficiais em nome do interesse público.
A parceria entre Graham e Bradlee voltaria a ser decisiva no caso
Watergate, uma investigação que revolucionou o jornalismo, fez do Post um
modelo e seria reconhecida com um dos mais aclamados Prémios Pulitzer. “Creio
que a grande lição do Watergate foi provavelmente a persistência do Post, o
facto de termos escolhido e de nos termos mantido agarrados ao cavalo certo”,
diria Bradlee anos mais tarde à American Journalism Review. Uma persistência
que “mostrou que este sistema [de imprensa agressiva] funciona e é um óptimo
controlo para governos que não são muito cuidadosos a vigiar-se”, acrescentou o
jornalista, conhecido entre pares pela elegância com que se vestia, a
contrastar com os modos bruscos e a língua solta. “Uma das primeiras coisas que
reparávamos em Ben, tanto na sua escrita como em pessoa, era o seu vocabulário,
o vernáculo, a tendência para as frases curtas e picantes”, escreveu o
jornalista Jeff Himmelman, autor de Yours Truly, a biografia do lendário
director. Um vício que se tornava viciante. “Praguejar com o Ben faz-te sentir
parte do seu clube, um clube que não leva nada demasiado a sério”, acrescentou
o biógrafo. E eram muitos os que queriam pertencer ao seu clube. Bradlee foi
amigo de John F. Kennedy, apesar de assegurar que desconhecia os pecadilhos
pessoais do Presidente, e com a mulher, a antiga jornalista do Post Sally
Quinn, era uma personagem central na vida social da capital federal. Hollywood
deu-lhe papel de destaque no filme Os Homens do Presidente (1976), sobre a saga
do Watergate, numa interpretação que valeu a Jason Robards o Óscar de Melhor
Actor Secundário.
Mas foi no jornalismo que deixou a sua marca. Nos 23 anos que esteve à
frente do Post, o jornal duplicou a redacção para 600 pessoas e o orçamento
anual passou de três para 60 milhões de dólares, um investimento que duplicou
também o número de leitores para mais de 800 mil, recorda a Reuters. De novo
Barack Obama: “Como verdadeiro homem da imprensa, transformou o Washington Post
num dos melhores jornais do país e, com ele ao leme, um exército crescente de
jornalistas publicou os Pentagon Papers, expôs o Watergate e contou histórias
que precisavam de ser contadas — histórias que nos ajudaram a compreender o
nosso mundo e uns aos outros um pouco melhor” (texto da jornalista ANA FONSECA
PEREIRA, do Público, com a devida venia)