segunda-feira, maio 19, 2014

Coisas sobre os efeitos da troika em Portugal



O lado negro do ajustamento 
"Governo e troika subestimaram o impacto das medidas de austeridade sobre o mercado de trabalho. A taxa de desemprego superou todas as previsões. O desemprego deve ter sido dos indicadores que mais dores de cabeça deu às autoridades. A ‘troika’ e o Governo subestimaram os efeitos das medidas na economia e sobrestimaram a capacidade das medidas aplicadas no mercado de trabalho para travarem a destruição de emprego. O resultado salta à vista. Nas estimativas iniciais, o desemprego nunca chegaria aos 13% e, ao longo do programa, a taxa não aumentaria mais de dois pontos percentuais, tendo como base o valor estimado para 2010. O resultado final foi um aumento da taxa de desemprego até aos 16,5%. Vítor Gaspar dizia que as contas saíram ao lado na taxa de desemprego, mas a dimensão do desvio foi maior que a esperada. Na verdade, a taxa só começou a parecer mais positiva porque, a certa altura, se esperava que o pico máximo da taxa de desemprego se situasse nos 18,5%, em 2013. Com a melhoria das perspetivas económicas, veio também uma melhoria do cenário em relação à taxa de desemprego, que se espera agora que aconteça em 2014 e que desça para os 15,7%. É verdade que a economia está a criar emprego, mas o desaparecimento de boa parte da população ativa que serve de base ao cálculo desta percentagem, nomeadamente através do aumento da emigração, tem ajudado nas contas" (fonte: Observador)
Metas furadas 
“No acordo inicial, a dívida pública seria superior a 108,6%. No final de 2013, estava em 129% do produto interno bruto. As metas para a dívida pública estiveram sempre a mudar e, como em quase todos os indicadores sobre contas públicas, o sentido foi sempre o contrário ao esperado. O que a ‘troika’ e o Governo acreditavam no início do programa que iria acontecer e o que aconteceu são duas realidades distintas. Por exemplo, no acordo inicial a dívida pública nunca, entre 2010 e 2015, seria superior a 108,6% e o valor máximo deveria acontecer apenas em 2013. A realidade foi que logo em 2011, primeiro ano do programa, a dívida atingiu 108,3% do produto. Mas o que veio a seguir demonstrou, ainda mais, o fosso face às projeções das autoridades: a diferença entre o valor mais alto previsto inicialmente e o que se verificou foi de mais de 20 pontos percentuais do PIB, o que, usando como base o valor do produto de 2013, resultou numa diferença de quase 33,5 mil milhões de euros. A ‘troika’ e o Governo esperam, mais uma vez, que a dívida comece a descer no ano em curso, mas as necessidades de financiamento das empresas públicas e as novas regras das contas nacionais, que obrigarão a incluir na dívida muitas empresas que estão fora do perímetro nesta altura e que serão publicas em setembro pelo Eurostat, preparam-se para trocar as voltas ao Governo. Para já, fica o registo do final de 2013: 129% do PIB" (fonte: Observador)
Um equilíbrio frágil 
"Equilibrar as contas externas foi o objetivo em que o Governo obteve melhores resultados. Mas o sucesso pode assentar em alicerces frágeis. Este terá sido o indicador em que Portugal melhor se saiu. Depois de desequilíbrios elevados – défice de 14,4% em 2010 – Portugal conseguiu equilibrar a balança comercial mais cedo do que o esperado e ter um excedente da sua balança comercial, algo que não acontecia desde a ditadura salazarista. Os resultados positivos explicam-se através de fatores positivos, mas também negativos. Uma parte das empresas portuguesas conseguiu adaptar-se e conseguir exportar mais e para novos destinos. Com os países da União Europeia no mesmo sentido de consolidação orçamental, mercados novos foram abertos pelas empresas e, nestes anos, foi mesmo possível ganhar quota de mercado.Por outro lado, em muito contribuiu para este equilíbrio uma forte desaceleração das importações. Nos últimos anos por força da perda de rendimento dos portugueses, que cortaram, e muito, no consumo. A dúvida para o futuro, numa altura em que a economia já cresce e os portugueses começaram a recuperar uma parte do seu rendimento, é a de saber se este equilíbrio é sustentável, ou, à imagem e semelhança do que aconteceu após as intervenções passadas do FMI na economia portuguesa, vão voltar a acontecer. A melhoria começa a perder força por via do aumento das importações, que já se nota, e da procura interna. Falta saber o que pesa mais nestas contas: se o consumo, se o investimento" (fonte:Observador) 
Recessão foi mais profunda 
"O Governo e a troika esperavam apenas dois anos de recessão. Mas foram três e com uma contração mais profunda do que aquela que foi projetada. Uma das maiores controvérsias em torno das projeções vai para o crescimento da economia. É impossível fazer uma projeção exata, mas o desencontro entre o que se esperava e o que aconteceu foi considerável. O Governo e a ‘troika’ esperavam, para o período do resgate, dois anos de recessão e dois anos de crescimento. Portugal recuperaria quase toda a riqueza destruída nos dois primeiros anos do programa, na segunda metade do resgate. O que aconteceu foi diferente. A economia sofreu três anos de recessão, em 2011, 2012 e 2013, com a ‘troika’ em Portugal, ao registar variações negativas na evolução do PIB de 1,6% em 2011, 3,2% em 2012 e 1,4% em 2013. O crescimento previsto para este ano, embora melhorado face a algumas previsões entretanto feitas pelas autoridades, é de apenas 1,2%, quando o esperado inicialmente era mais do dobro: 2,5%" (fonte: Observador)
Preços subiram com agravamento dos impostos 
“As medidas de agravamento da carga fiscal nos impostos sobre a despesa fizeram subir os preços. No final do programa, a inflação acabou por abrandar, tal como sucedeu na zona euro. As taxas de inflação previstas no início do programa eram, de alguma forma, estáveis, com exceção de 2011, em se previa que os preços crescessem acima de 2%. A estabilidade retomaria logo em 2012 e, daí em diante, até 2014. No entanto, a realidade desta vez chocou com as medidas de austeridade aplicadas pelo Governo, em especial na área dos impostos, que acabaram por criar uma subida de preços administrativa que teve um grande efeito nos anos restantes do programa. Em 2011, esperava-se que a taxa de inflação fosse de 2,3% mas acabou por terminar o ano nos 3,6%, em parte influenciada pela subida dos preços da eletricidade e gás natural decretados por Vítor Gaspar para tentar corrigir as contas desse ano. Em 2012, o Governo decidiu fazer substanciais mudanças nas taxas do IVA e muitas categorias de produtos que se encontravam sujeitos às taxas reduzida (6%) e intermédia (13%) passaram para a taxa normal (23%), criando um aumento considerável dos preços, sendo o mais polémico deles o caso da restauração, que passou de 13% para 23%. O resultado foi um desvio para mais do dobro da inflação prevista desse ano. Em vez dos 1,3% previstos, terminou o ano nos 2,8 Em 2013 e 2014, o efeito é o inverso. Por via, em grande parte, deste aumento de base nos dois primeiros anos em que a ‘troika’ esteve em Portugal, mas também de um clima de baixa inflação na zona euro, o crescimento de preços ficou muito aquém do estimado. Os preços deviam crescer 1,5% em 2013 e em 2014, mas só cresceram 0,4% em 2013 e espera-se que fiquem pelos 0,7%, este ano" (fonte: Observador)
De revisão em revisão 
“O objetivo inicial do programa de ajustamento para o défice público era o de o reduzir para 3% em 2013. Os desvios começaram logo no ano em que o acordo com a troika foi assinado. Um dos principais objetivos do programa era o de reduzir o défice orçamental para menos de 3% do Produto Interno Bruto (PIB). Quando a ‘troika’ negociou o acordo inicial com o Governo de José Sócrates – assinado também pelo PSD e pelo CSD-PP, agora no Governo – até exigiu metas menos exigentes. No acordo de 17 de maio de 2011, ficou acordado que Portugal deveria reduzir o défice orçamental para 5,9% em 2011, para 4,5% em 2012, chegar finalmente aos 3% em 2013 e então reduzir para 2,3% em 2014. Este cenário era considerado mais realista que o traçado por Sócrates e Fernando Teixeira dos Santos no chamado PEC IV. No entanto, os resultados foram piores que o imaginado.
2011, O PRIMEIRO REVÉS
O plano da ‘troika’ para as contas públicas sofreu um revés logo no início. Um buraco considerável nas contas públicas, por alegada desorçamentação do Governo de José Sócrates, levou a que, pouco depois de chegar ao poder, o Governo antecipasse o aumento do IVA na eletricidade e gás natural de 6% para 23% e cortasse metade do valor do subsídio de Natal a todos os trabalhadores, através da aplicação de uma sobretaxa no IRS. Ainda assim, não chegou. E o Governo teve de recorrer a uma das mais antigas manobras contabilísticas: absorver fundos de pensões privados para baixar o défice. Com todas estas medidas, o défice acabaria por ficar abaixo da meta, mas, sem elas, Portugal violaria, logo no primeiro ano, o acordo com a ‘troika’.
2012, A SUSPENSÃO DOS SUBSÍDIOS
O lote era vasto e o mais polémico foi logo a violação de uma das grandes promessas eleitorais do PSD, com o Governo a decidir ‘suspender’ os subsídios de férias e Natal de todos os funcionários públicos e das empresas públicas. Mas um chumbo do Tribunal Constitucional à suspensão destes subsídios trocou as contas ao Governo. Depois de muitas voltas, o Executivo tentou compensar o “buraco” com a venda da concessão da ANA – Aeroportos de Portugal e outras poupanças, para além de consumir todas as reservas orçamentais de que dispunha. A meta do défice orçamental era de 4,5%, mas a ‘troika’ acabou por ceder e flexibilizou-a para 5%. Ainda assim, não resultou e o “buraco” não foi pequeno. O Eurostat não aceitou que a venda da concessão da ANA abatesse ao défice, e o saldo negativo as contas públicas, em vez de ficar abaixo de 5%, cresceu até 6,4%.
2013, O “ENORME” AUMENTO DE IMPOSTOS
Aquele que deveria ser o ano do sucesso ficará na história como o ano do “enorme aumento de impostos”. Vítor Gaspar disse-o em voz alta e o resultado não ficou aquém da expetativa. A sobretaxa de IRS que, em 2011, cortou metade dos subsídios no valor que excedia o salário mínimo, passou para todo o ano. Os escalões de IRS foram cortados de oito para cinco, o que levou a mais um aumento dos impostos pagos pelos trabalhadores, todos os meses. O Governo cortou subsídios de desemprego e por doença mas, no final do ano, ainda sentiu necessidade de promover um perdão fiscal que rendeu aos cofres do Estado mais de 1,2 mil milhões de euros. O objetivo foi alcançado, mas não o de baixar o défice para menos de 3%, porque, na quinta revisão do programa de ajustamento, a meta foi mudada para 4,5% do PIB e ainda foi novamente flexibilizada para 5,5% do PIB na sétima revisão. A economia a crescer deu uma mãozinha e o resultado foi melhor do que o esperado, em relação às estimativas mais recentes: o défice ficou em 4,9% do PIB.
2014, CORTES AGRAVADOS NOS SALÁRIOS
Com a economia a crescer, o último ano da ‘troika’, que se esperava ser o primeiro já com um défice orçamental abaixo de 3%, foi, na verdade, um ano de novos e grandes cortes.Os cortes salariais dos funcionários públicos, que já vinham da era de José Sócrates, foram substancialmente agravados. Em vez de começarem nos 1.500 euros, começaram nos 675 euros. Esta seria a compensação do descongelamento dos subsídios de férias e Natal dos funcionários públicos, mas a mesma ideia se aplicou nas pensões, com um corte mais profundo. Também neste ano, a lista de medidas é vasta, e o resultado ainda incerto, mas as obrigações foram substancialmente melhoradas. O acordo inicial previa que o défice fosse inferior a 2,3% do PIB. Na quinta revisão, foi ligeiramente flexibilizado para 2,5% e na sétima para 4%" (fonte: Observador)