segunda-feira, outubro 21, 2013

Opinião: "Eu sei o que fizeram em 2011"

"A reconstrução do caminho político em 2011 até ao resgate é um bom exercício agora que dele tentamos sair. A única coisa boa a tirar do regresso estudado de José Sócrates é que serve para reavivar a fraca memória colectiva. Como se sente Sócrates sobre o passado não é importante, a não ser para ele próprio e para os seguidores incondicionais. Já a reconstrução do caminho político que culminou em 2011 na escolha forçada da pior hipótese no menu, um pedido tardio de resgate financeiro oficial, é o exercício ideal numa altura em que o país se aproxima de um momento importante: o final do primeiro programa da troika.
O que se passou em Março de 2011 foi, de facto, uma infâmia ("Um dia de infâmia", escrevi no jornal "i" a 24 de Março, dia do chumbo parlamentar do PECIV). Duvido que os contornos do jogo político entre PS e PSD - bem descritos no livro "Resgatados", de David Dinis e Hugo Filipe Coelho (quanto mais tempo passa sobre os acontecimentos mais vale a pena ler o livro) - venham a figurar em livros de história. A história fará, como sempre, uma interpretação mais global, facilmente retirável da leitura de "Resgatados": num momento crítico de uma crise estrutural na Europa, que ameaçava Portugal, o então Governo, os principais partidos políticos e o Presidente da República conseguiram levar o país à pior solução.
A responsabilidade, ao contrário do que sustentam uns e outros numa linguagem preocupantemente extremada, não é apenas de alguém em particular. É de todos. Num mundo que não tinha de ser o ideal, teria sido possível que o país pelo menos tentasse um PEC IV (que, no fundo, tentava garantir uma linha de seguro estendida pela Europa, grosso modo como a que buscamos hoje) antes de prescindir por completo do acesso ao mercado de dívida de médio e longo prazo, do rating acima de "lixo" e de uma réstia mínima de autonomia face aos credores soberanos. Num mundo que não tinha de ser o ideal, teria havido um entendimento político sobre a necessidade de tentar cumprir tal programa conseguido na Europa, marcando eleições mais à frente (depois da campanha de 2009, Sócrates em 2011 não tinha mandato para aquela política).
A leveza com que outro caminho foi escolhido em 2011 ainda hoje assusta. É rever as imagens do debate parlamentar que chumbou o PECIV. Em Portugal a instabilidade mais penalizadora não vem da rua. São as instituições, fechadas sobre si mesmas, o maior foco de instabilidade. Vimos isto em 2011, como vimos em Julho e Agosto de 2013 (com a crise no Governo e um inacreditável chumbo do TC). Há dias, numa conversa que tive com analistas de uma agência de rating a propósito da solidez da situação política actual, foi recordado por todos este facto: a política à portuguesa foi capaz de deitar pela janela a solução menos má que tinha em 2011. Convém não subestimar o "bom aluno".
Surgem estas linhas numa altura em que o desgastado país se aproxima do final do programa da troika - e em que, ironicamente, tenta agora um apoio ligado a um programa de austeridade mais discreto e menos mau. Terão os partidos do arco da governação aprendido alguma coisa? E o Presidente da República? Será que veremos alguém preferir o sacrifício da sua posição ao do bem comum do país? (Estarei a ser demasiado inocente)? Será possível em 2014 repetir o tipo de entendimento político já visto no país décadas antes? Será viável continuar, no actual quadro constitucional, sem esse entendimento?
São perguntas, por enquanto, sem resposta certa. Certeza, só uma: se a política nem sequer tentar aquilo que é da política, um consenso trabalhado e realista na defesa da solução menos desfavorável, uma vez mais seremos nós a pagar. É mau para nós? Sem dúvida. Mas é mais perigoso, a prazo, para a política" (texto de Bruno Faria Lopes, Económico, com a devida vénia)