Diz o Expresso que "Portugal foi um dos países onde a contribuição das famílias para o financiamento do ensino superior mais aumentou nos últimos anos. Se a existência de professores a mais ou a menos no básico e secundário é passível de discussão, a questão dificilmente se coloca no ensino superior. “Há vários anos que estamos aquém dos limites em vigor” e que definem um determinado rá- cio professor/aluno, lembra Luísa Cerdeira, pró-reitora da Universidade de Lisboa e especialista em financiamento.
“Um dos principais dramas do ensino superior é precisamente a saída de professores para a reforma, muitas vezes an- tes do tempo, sem que sejam contratados docentes e investigadores que deem continuidade ao seu trabalho e investigação. Era fundamental rejuvenescer o corpo docente”, defende Luísa Cerdeira. As limitações orçamentais têm-se senti- do nas transferências do Estado e, só no caso do sistema universitário, houve uma diminuição real do financiamento próxi- ma dos 200 milhões de euros, entre 2005 e 2013, segundo as contas do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas. Os politécnicos também não têm escapado aos cortes e as contas têm sido equili- bradas por uma maior captação de receitas próprias pelas instituições e pelo aumento da contribuição das famílias. Os números são claros e mostram aquilo que Luísa Cerdeira diz ser uma “privatização muito rápida do ensino superior público”. De acordo com os dados da OC- DE, em 2000, o financiamento do ensino superior português era feito em 92,5% por fundos públicos e apenas 7,5% vinham de privados. Na UE a 21, a contri- buição dos particulares atingia o dobro. Em 2009, a situação inverteu-se por completo. O financiamento privado, na sua maioria saído do orçamento das famílias, passou de 7,5% para 29,1%, E Portugal ultrapassou a média europeia.
Ao aumento das propinas (fixadas hoje num máximo de 1037 euros) juntam-se os outros custos da educação e que, em Portugal, pesam de “forma desproporcionada” nos orçamentos das famílias, diz Luísa Cerdeira. O risco de tornar o ensino superior público “elitista” é real, “porque grande parte da população deixa de ter acesso a ele”, avisa. E é por isso que rejeita a única proposta feita pelo FMI para este sector: o aumento das propinas, embora acompanhado por mais apoios.
Também para José Ferreira Machado, diretor da Nova School of Business and Economics (NBSE), a medida fundamental a tomar não passa pelas propinas mas por acabar com o numerus clausus, que “só existe para proteger escolas que de outro modo fechariam”, afirma.
“Ao fixar numerus clausus (imposição de um limite de vagas), o Estado impede os alunos de ir para escolas boas — que estavam dispostas a recebê-los — e força-os a ir para outras, de menor qualidade, mas onde há vagas”, explica Ferreira Machado. Ou seja, continua, há aqui uma irracionalidade na despesa. “O Estado gasta o mesmo dinheiro com os alunos mas proporciona uma educação de menor qualidade a alguns”. No limite, admite, a aplicação do princípio de que deve ser o dinheiro a seguir o aluno implicaria a redução de pessoal e o fecho dos cursos menos procurados, que não iam sobreviver. Mas os cortes seriam uma consequência mais racional porque visavam a eficiência do sistema — e nunca um ponto de partida. “Tenho dificuldade em olhar para a reforma do Estado como cortes na despesa. Cortes é o que temos vindo a fazer até aqui sem pensar que funções deve o Estado ter.”
A questão é que parte significativa dos cursos com menos procura, pelo menos no concurso nacional de acesso, situa-se em instituições do interior. Nalguns casos, lembra Luísa Cerdeira, essas escolas são “os únicos dinamizadores” da região e têm um impacto importante no desen- volvimento local. “Podem-se estabelecer consórcios entre universidades e politéc- nicos e ter um curso a funcionar num la- do e acabar noutro. Mas isso não se faz num mês”, ressalva. A receita não é consensual. “Não é papel do ensino superior promover a diminuição das desigualdades regionais. Há outros instrumentos para o fazer e não pode ser à custa de privar os estudantes de terem uma melhor educação. A menos que se queira assumir esse custo”, defende o diretor da NBS".