domingo, dezembro 23, 2012

Um Natal de choque: Na Grécia, pais já põem os filhos no orfanato

Segundo o Dinheiro Vivo, “Maria Katri mandou o filho para uma instituição de solidariedade social para rapazes pobres depois do crash da economia da Grécia. Agora, à medida que a Grécia desliza mais profundamente para o abismo, a mãe viúva está tão pobre que a filha adolescente que ainda vive em casa tem "ciúmes por o seu irmão ter uma situação melhor na instituição do que ela", conta Maria. A propagação da crise económica está a desgastar o tecido social da Grécia e a enfraquecer a coesão política, num momento em que o país está a entrar no inverno mais duro da crise da dívida que dura há três anos. Até a muito unida família grega - uma instituição que tem ajudado a população a absorver o colapso do emprego - está sob pressão, pois os rendimentos dos agregados familiares estão a diminuir. Dezenas de milhares de protestantes gregos reuniram-se à frente do Parlamento, a 7 de novembro, enquanto os legisladores debatiam novas medidas de austeridade. A polícia usou gás lacrimogéneo para dispersar os cerca de 500 jovens violentos. Muitas famílias estão a descer os degraus económicos que os seus pais e avós subiram, o que as está a tornar cada vez mais dependentes das reformas, que estão a encolher, dos familiares. As famílias que já são pobres estão a descer a escada para os braços das sobrecarregadas instituições de solidariedade social. Num país com 11 milhões de habitantes, só 3,7 milhões de pessoas têm emprego, em comparação com os 4,6 milhões de há quatro anos. A atividade económica decresceu mais de 20% neste período. A pressão na sociedade está a pôr à prova a estabilidade política do país. Os partidos do sistema estão a desmoronar-se e agarram-se ao poder. Os populistas da esquerda radical aguardam nos bastidores, prometendo restaurar a grandeza do Estado. Os neonazis violentos estão a impulsionar os perfis políticos, explorando o medo pelos imigrantes, crime e desagregação social. Os gregos preocupam-se com o facto de a atual coligação governamental poder colapsar em 2013, reavivando o espetro da falência nacional e da saída do euro. O governo está em apuros e espera que a tranche de ajuda de 34,4 mil milhões de euros que a Europa e o Fundo Monetário Internacional vão emprestar este mês levante o estado de espírito nacional. Mas os gregos estão a preparar-se para o último pacote de austeridade exigido pelos credores do país, que os atingirá em janeiro. Os novos cortes nos salários e pensões e o aumento dos impostos, que totalizam cerca de 5% do produto interno bruto, levarão a mais 4,5% de descida do produto interno bruto em 2013, afirma o governo. Alguns economistas dizem que a descida pode ser maior.
Na falência
No centro de Atenas, os sinais de que a sociedade grega está a viver das reservas estão por todo o lado. Famílias, empresas e organizações sem fins lucrativos estão a ficar sem poupanças e sem energia. Maria Katri tinha poucas poupanças. O marido, um cozinheiro de souvlaki (especialidade grega tipo pita shoarma), morreu de cancro em 2005. Dependia do trabalho precário para o município, como cuidar dos jardins nacionais no centro da cidade, e posteriormente de varrer as ruas. Em 2010, quando a Grécia impôs austeridade como preço pelo programa de resgate, os intervalos entre os empregos temporários foram aumentando. "Percebi a instabilidade de toda a situação", diz a mulher, de 39 anos. "Vi que não conseguia sustentar" os filhos, o rapaz Vaggelis, na altura com 14 anos, e a filha Aggeliki, com 12 . Maria recorreu então à Fundação Hatzikonsta, um antigo orfanato do século XIX transformado em instituição de caridade para rapazes. "Dei muitos passos atrás e percebi que tinha de pôr as necessidades de Vaggelis à frente e a minha própria necessidade de estar com ele para trás", conta. Maria diz que tinha uma ideia "dickensiana" do antigo orfanato como "um local onde as crianças são castigadas." Contudo, conta que a fundação tem sido boa para o seu filho, que quer vir a ser capitão na marinha mercante. Mas a sua filha, que se está a tornar emocionalmente volátil, sente-se frustrada por Vaggelis receber dinheiro para pequenas despesas e roupas novas na fundação, diz Maria. No início deste ano as políticas de austeridade da Grécia forçaram Maria a escolher entre o trabalho temporário em limpezas num hospital e a pensão de viuvez de 600 euros por mês. Ela optou por manter a pensão, que era mais segura e incluía seguro de saúde para a sua filha. Neste outono, o governo cortou a sua pensão para 435 euros. Ela receia agora perdê-la por completo em cortes futuros. Os empregos não existem.
"Já ninguém fala ou ri" no metro. "É como se fosse um cemitério", disse Sotirios Tzovaras, um funcionário público reformado. Antes da crise da dívida, as instituições gregas para crianças como a Fundação Hatzikonsta costumavam lidar sobretudo com problemas sociais como a violência, negligência ou alcoolismo. A economia em dificuldades e o recuo do Estado social sob a austeridade provocou uma onda de pedidos de receção de crianças devido à pobreza extrema. Os pedidos vêm de pais desempregados, cujos subsídios de desemprego acabaram, mães solteiras em dificuldades e famílias numerosas a viver das reformas dos avós. "A procura não tem limites", diz o diretor da Hatzikonsta, Leonidas Dragoumanos. Desde 2011, mais de 700 famílias pediram à filial grega da instituição internacional de solidariedade social SOS Children's Villages para receber crianças por motivos económicos - porque os pais não conseguem trabalho ou assistência social e estão a entrar em pânico. "Esta é uma categoria completamente nova", diz o diretor da SOS na Grécia, George Protopapas.
As organizações sem fins lucrativos também estão sob pressão financeira. Os donativos e os rendimentos de rendas estão a encolher. A Hatzikonsta já usou metade das suas poupanças da época pré-crise, que se esgotarão em 2014, diz Dragoumanos. No bairro de rendas baixas Kipseli em Atenas, a família Kotsolaras é uma das muitas que visitam a SOS para apoio e aconselhamento financeiro. Stamatis Kotsolaras era ourives numa oficina de joalharia que fechou. Agora, guia um táxi 12 horas por dia, sete dias por semana, para trazer para casa 40 euros por dia.
"Tínhamos uma vida digna antes", conta a sua mulher Giota, uma empregada de loja desempregada. "Não tínhamos poupanças na Suíça, mas pelo menos podíamos comprar roupas novas." O casal tornou-se militante do partido da esquerda radical Syriza, mas nem sequer estão seguros de que o Syriza possa mostrar "uma luz ao fundo do túnel", diz Stamatis. Durante uma greve geral no mês passado, ela juntou-se a uma manifestação à frente do Parlamento para protestar contra a mais recente legislação de austeridade. "Senti que precisava de gritar", conta. Para o seu marido, a greve foi uma oportunidade rara para passar tempo com o filho de 4 anos, Constantinos. Foram jogar basquetebol. O rapaz ficou em êxtase.
Sem rede
A maioria dos gregos em dificuldades não se qualifica para ajuda. A família é o seu recurso. O funcionário público reformado Sotirios Tzovaras ficava orgulhoso quando a sua mulher, filhos e respetivos cônjuges e netos se reuniam para o almoço de domingo. Agora a sua reforma sustenta todos os onze, em parte ou por completo. A austeridade cortou-a em um terço, para mil euros por mês. Assim não vai longe numa cidade europeia cara. Continua, no entanto, a estar feliz por ver a sua família numerosa à mesa. "Mas eles comem tanto...", acrescenta. Os seus filhos e cônjuges perderam o emprego ou têm trabalhos irregulares ou por pouco dinheiro. O sr. Tzovaras e a mulher esperavam poderem reformar-se na sua aldeia nas montanhas do Norte da Grécia, mas não podem. Um dos filhos ainda vive com eles. "Não podemos sustentar" as duas gerações seguintes, diz o idoso de 70 anos. "É a nossa mentalidade." O casal tem o apartamento pago há décadas. A tradição generalizada de ter casa própria tem sido outro amortecedor vital do choque. A Grécia possui uma das taxas mais altas de ocupação das casas pelos proprietários na Europa, e as hipotecas pesadas são menos comuns do que em Espanha ou na Irlanda. Mas o governo, desesperado por receitas, está a taxar as propriedades mesmo quando os rendimentos dos agregados familiares estão a decrescer. O bloco de apartamentos onde o casal reside, como a maioria dos edifícios residenciais em Atenas, está dominado pelo desacordo relativamente a comprar ou não combustível para aquecimento central, quando as temperaturas exteriores alcançar níveis extremamente frios. Os novos impostos tornaram o combustível para aquecimento quase tão dispendioso como a gasolina. Metade dos vizinhos dos Tzovaras não o pode pagar e votou para que o aquecimento não fosse ligado. "Vamos usar mais cobertores este inverno", disse Sotirios.
Ele nasceu em 1942, uma época de fome sob ocupação alemã, durante a guerra. "Nessa altura havia fome. Agora é mais depressão", diz. Quando apanha o autocarro ou o metro "já ninguém fala ou ri. É como um cemitério. Todos têm as suas dores. As pessoas, por vezes, falam sozinhas na rua." Filho conservador de um guarda real treinado pelos ingleses, não costumava participar nos frequentes protestos políticos em Atenas. Agora junta-se a muitas manifestações em frente ao Parlamento. Várias vezes foi aí atingido com gás lacrimogéneo quando a polícia lutou contra jovens encapuzados na Praça Syntagma, onde se situa o Parlamento. As consequências políticas das dificuldades são visíveis nos bairros mais pobres de Atenas. Na Praça Attiki, o crescente movimento fascista Golden Dawn estava a oferecer alimentos gratuitos aos residentes numa manhã recente - desde que estes pudessem provar que eram gregos e não imigrantes.
Mais de mil pensionistas e desempregados fizeram fila à volta da praça, enquanto os ativistas musculados e vestidos de preto do Golden Dawn, ostentando o logótipo tipo suástica do partido, distribuíam massa, fruta, legumes, azeite e peixe. O Golden Dawn era um partido marginal até às eleições deste ano, notório por tiradas racistas, violência contra imigrantes, negação do Holocausto e saudações de braço estendido ao estilo nazi. Agora está a tentar minimizar as raízes neonazis e apresentar-se como Robin dos Bosques.
A mulher responsável pelo macarrão era Themis Skordeli, que está a aguardar julgamento por um alegado envolvimento no esfaqueamento de um refugiado afegão. (Ela nega ter ferido alguém.) Um homem de cabeça rapada com blusão de cabedal era Ilias Kasidiaris, que disse num comício recente do partido: "O nosso objetivo é derrubar aqueles que trabalham para os judeus e que fizeram do nosso país um protetorado miserável de potências estrangeiras." Os grupos judeus e de direitos humanos incitaram as autoridades gregas e os principais partidos a adotar uma posição mais firme contra o extremismo do Golden Dawn. Na sua maioria, os que estavam na fila de alimentos não se importavam. "Eles são o único partido que está perto do povo", disse Yannis Mamadakis, um comerciante falido à espera de conseguir algumas sardinhas. "Mais ninguém dá comida", disse. Os ataques aos imigrantes por militantes e apoiantes do partido são "um conto de fadas", acrescentou. "O Golden Dawn apenas responde ao crime mais depressa do que a polícia."
"Veja o que está a acontecer agora", disse Ilias Panagiotaros, um dos 18 legisladores do Golden Dawn eleitos para o Parlamento em junho, apontando para o número de pessoas a aumentar na praça. "Estaremos em primeiro lugar em dois anos", disse, referindo-se ao Parlamento. Essas afirmações são "fantasia", diz Ilias Nikolakopoulos, analista político da Universidade de Atenas. Atualmente, o Golden Dawn tem cerca 12% nas sondagens, comparando com os 7% de votos nas eleições de junho. Poderá atingir os 20% de apoio se a economia continuar a afundar, explicou Nikolakopoulos. "Tudo depende da situação económica", diz o analista. "Se a economia estabilizar, a expansão deste partido será interrompida, senão,…não sabemos o que acontecerá." Tim Ananiadis anseia por estabilização após anos de agitação. Ele é diretor do luxuoso Hotel Grande Bretagne, cuja fachada neoclássica na Praça Syntagma contrasta de forma elegante com os tumultos anti-austeridade exibidos na televisão em todo o mundo desde 2010. Quando a luta nas ruas começa, jovens encapuzados destroem os degraus de mármore branco do hotel e transformam-nos em pedras para atirar à polícia. Reparar os degraus custa milhares de euros de cada vez, mas o dano para a imagem internacional de Atenas é muito superior, diz Ananiadis.
Como acontecia com outros hotéis de luxo, o Grande Bretagne dependia de viajantes a negócio e de conferências, que evitam agora a cidade. Os turistas com dinheiro ainda aparecem e até se mostram curiosos em relação às manifestações no exterior, conta Ananiadis. Mas as receitas desceram quase 50% desde há quatro anos. Se o decréscimo não parar, Ananiadis diz que "ou o dono tem de financiar as perdas ou fecha." Numa noite chuvosa de novembro, o Grande Bretagne fechou as portas e janelas de novo enquanto uma multidão que a polícia estimou em 80 mil pessoas se amontoou na praça para manifestar a sua ira junto do Parlamento, onde os legisladores debatiam o último pacote de austeridade. Vasiliki Tasiouli, uma funcionária de recolha de lixo que sustenta duas filhas desempregadas, disse que não consegue aguentar mais cortes. "Só um governo de esquerda radical poderá pôr termo a esta austeridade cada vez mais profunda. Chegou a hora deles. Já tentámos todos os outros."
Dois capitães-de-mar com bigode, que se identificaram como Gerasimos e Panagiotis, partilhavam um chapéu à medida que a chuva aumentava. São veteranos das tempestades no Atlântico, onde os barcos que perdem potência e se deparam com ondas enormes podem virar. As poupanças da sua geração são o motor que está a manter a Grécia de pé, disseram. "Estamos a sustentar os nossos filhos. Um dia o dinheiro vai acabar", disse Panagiotis. "A Grécia está numa posição de 45 graus para as ondas. Quando atingirmos os 90, estamos arrumados." A luta eclodiu no exterior do Grande Bretagne, quando cerca de 500 jovens atiraram cocktails molotov contra a polícia. A maioria pacífica vaiou e afastou-se das nuvens de gás lacrimogéneo. Os manifestantes reivindicaram a praça para si, colocando pilhas de lixo a arder, mas a forte chuva reprimiu-os. O agente policial Dimosthenis Pakos disse que "nunca tinha visto chuva como esta em Atenas." O pelotão encharcado lutou contra os manifestantes descontrolados, enquanto o Parlamento cortava o salário em mais 15%. Farto da crise e da violência, Dimosthenis sonha voltar à sua aldeia no Norte da Grécia e ser um polícia normal. "A vida lá é mais fácil", conclui”.