sábado, julho 24, 2010

Opinião: "O tropeção do PSD"

"Em Portugal, há dois queixumes muito habituais e que são um dos sinais de que o país sofre de esquizofrenia aguda. É frequente ouvir-se dizer que ninguém discute aquilo que é realmente importante. Mas, quando alguém decide avançar com uma proposta que, pelo caminho, desencadeia polémica, surgem as críticas sobre a inoportunidade da iniciativa, sob o argumento de que existem coisas mais relevantes para discutir. A actual direcção do PSD foi a mais recente entidade a passar por esta experiência sobre a tendência psicótica do debate público no país. Elaborou um projecto de revisão da Constituição que comete o pecado de mexer nas cordas sensíveis de diferentes sectores políticos e acabou por ver o seu trabalho ser rapidamente arrumado na prateleira onde, a avaliar por algumas reacções, se arquivam as sugestões estapafúrdias. A verdade é que, a bem da discussão sobre a situação actual e futura do país, os temas em que o PSD propôs alterações não podem, nem devem, fazer parte de uma qualquer discussão susceptível de ser considerada inoportuna ou desvalorizada por haver quaisquer outros temas mais relevantes. E as razões para que não se dê por enterrada a iniciativa social-democrata são fáceis de identificar. Portugal tem problemas graves nas finanças públicas e não pode continuar a resolvê-los com agravamentos sucessivos na carga fiscal sobre as famílias e as empresas. Tem, também, dificuldades já diagnosticadas até à exaustão em matéria de competitividade, crescimento e criação de emprego. A solução destes problemas, que persistem e não podem ser resolvidos com discursos ou boas intenções, passa pela necessidade de discussão sobre o modelo social e o papel do Estado, o que este tem condições para dar e o que já não pode suportar sem colocar em risco a saúde do conjunto da economia. Isto significa, como sugere a proposta do PSD, a necessidade de debater, por exemplo, o financiamento da saúde e da educação. São dois sectores que pesam nas contas do Estado e no bolso dos contribuintes e o envelhecimento da população, a par do aumento da esperança de vida, deviam justificar mais seriedade na abordagem das soluções possíveis para superar as tensões que provocam. Defender a manutenção, no texto constitucional, de palavras bonitas como "universalidade" e "gratuitidade" mas que, na prática, são torpedeadas por manifesta escassez de recursos para lhes dar outro estatuto que não seja o de letra moribunda e vazia, é tão legítimo como qualquer outra opinião. Mas argumentar e fazer demonstração sobre a respectiva exequibilidade nos tempos que correm é mais interessante para o debate público do que cavar uma trincheira e acenar com meia dúzia de chavões ideológicos que revelam pobreza intelectual.
Ainda assim, as hostes laranja têm de se lamentar de si próprias. Se a proposta de revisão constitucional do PSD suscitou mais gritaria do que troca de ideias, os dirigentes sociais-democratas têm as principais culpas. O projecto devia ter sido tratado com a dignidade de uma proposta de contrato social que o partido propunha ao país. Mas não foi isso que sucedeu.
As mudanças sugeridas foram deixadas cair para a opinião pública, às pinguinhas, sem explicações, nem sombra de sustentação. O caso mais evidente foi o da substituição da proibição dos despedimentos "sem justa causa" pelo impedimento das rescisões de contratos de trabalho sem "razão atendível", mas sem que alguém se tenha dado ao trabalho de clarificar o que significava uma expressão tão equívoca. Só por tremenda inabilidade política ninguém no partido terá percebido que isto era muito pouco para dar consistência a tanta, e aparente, ambição de mudança. Mais do que nunca, é preciso confrontar soluções para corrigir o percurso de decadência e estagnação em que Portugal está mergulhado há uma década. É por isto que o PSD não falhou na oportunidade mas falhou uma oportunidade"
(por
João Cândido da Silva, o Jornal de Negócios)

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