segunda-feira, dezembro 29, 2008

Uma derrota e um aviso

Diga o que disser Cavaco Silva, faça o que fizer o Presidente (e o PSD), a promulgação do Estatuto dos Açores, depois de um processo de divergências, avanços e recuos, que se arrasta desde o verão, foi derrotado. O PS passa a ter, daqui para a frente, um problema complicado para gerir, porque deliberadamente afrontou Cavaco Silva - um Presidente eleito sem o apoio dos socialistas - pelo que são inevitáveis consequências daí resultantes, até pela leitura atenta do violento discurso ontem lido por Cavaco. Mas o PR foi derrotado em toda a linha, quando se vê obrigado a promulgar contra sua vontade um diploma. Cavaco Silva teve ainda o demérito, aliás perigoso para a autonomia regional, de ter sido capaz de congregar à sua volta e das suas ideias, correntes, ódios, frustrações e personagens, incluindo algumas conhecidas sinistras figuras que há 30 anos combatem a autonomia, e que desta vez encontraram um denominador comum que as uniu numa cavalgada anti-autonomista: a de não tolerarem a ousadia dos Açores mesmo que isso significasse, como era o caso, um desrespeito pela vontade dos representantes dos eleitores açorianos legitimamente eleitos pelo voto democrático do povo. Neste contexto acho que a Madeira deveria fazer uma reflexão séria e aberta, a tudo o que se passou, porque desconfio que este “caso” acabou por deixar marcas políticas que poderão ter, futuramente, evoluções que podem condicionar a iniciativa anunciada pelo PSD da Madeira, de propor a revisão constitucional.
Desconheço, por exemplo, qual será a posição do PS dos Açores – e isso será importante - relativamente à proposta dos social-democratas madeirenses, na medida em que é bem possível que, a partir do momento que os Açores ficam servidos por um estatuto que parece servir unanimemente toda a partidária local, isso pode determinar duas opções: ou a maioria socialista subscreve a proposta de revisão, que as duas regiões teriam que negociar previamente, ou, inclusivamente mediante ordens expressas do Lago do Reato, distancia-se da proposta madeirense, fazendo com que ela chegue a Lisboa sem a força política que teria se fosse apoiada por Madeira e Açores, eventualmente condenada ao fracasso.
Cavaco fomentou um estardalhaço em torno de dois artigos do Estatuto dos Açores, mas nunca o ouvi dizer fosse o que fosse, quando nos últimos anos num mundo globalizado e numa Europa federalizada, Portugal perdeu competências em muitos domínios – há mesmo quem diga que Portugal perdeu parte da sua soberania - a favor de uma eurocracia de pança cheia e bem instalada em Bruxelas, e que graças à sua incompetência não é capaz de resolver os problemas que mergulham os europeus numa angustiante desilusão.
Finalmente, e num cenário político marcado por uma eventual vitória eleitoral dos socialistas em 2009 – mesmo sem maioria absoluta – penso que os socialistas teriam de compensa Cavaco Silva pelo desaire político e pela derrota pessoal enxovalhadora agora sofrida. Neste quadro, a proposta de revisão constitucional do PSD da Madeira, seria um instrumento convidativo a essa negociação, até porque mais do que não ver – e não vejo – um PSD com uma dinâmica mobilizadora e empenhado na construção de uma alternativa ganhadora, o perigo seria um mais do que provável PSD agachado aos desejos de Belém, capaz, como agora fez, de defender posições diferentes nos Açores e em Lisboa sobre uma mesma temática. Eu não sei o que pensa oficialmente o meu partido sobre este assunto, não sei sequer o que pensar o líder do meu partido sobre estes assuntos. Mas tenho a absoluta convicção de que o processo de aprovação do novo Estatuto Político dos Açores – já agora, o que não teria acontecido, o que não teriam dito e escrito, se, em vez dos Açores, fosse a Madeira o epicentro desta polémica e deste braço de ferro com a Presidência da República?!... – coloca desafios novos e não pode ser encarado como uma questão menor, sem influência no processo de revisão constitucional.
Acho tristes e lamentáveis algumas referências de Cavaco no discurso de hoje à noite, sobretudo quando fala em “ter feito tudo em defesa dos superiores interesses do pais”, como se por causa da porcaria de dois artigos – que mais depressa incomodariam a rainha de Inglaterra que um presidente republicano eleito – os Açores colocassem em causa hoje, e porventura amanhã a Madeira, esses alegados “superiores interesses do país” que não podem transformar-se num conceito arbitrariamente usado por Belém em função das circunstâncias com as quais se vai confrontando.

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