É um país pouco crente em mudanças o que se vê ao
espelho na primeira sondagem ICS/ISCTE para o Expresso e a SIC, depois da crise
‘Galamba/SIS’. O trabalho de campo decorreu entre os dias 13 e 28 de maio, ou
seja, começou nove dias depois do Presidente da República ter feito uma
comunicação ao país a arrasar o Governo sem o derrubar, acusando-o de falta de
“confiabilidade, respeitabilidade e autoridade”. E há uma conclusão que salta à
vista. A maioria dos inquiridos acha que a legislatura vai chegar ao fim.
Eis o que nos diz esta sondagem: que António Costa “fez mal” em não ter aceitado a demissão do ministro das Infraestruturas; que Marcelo Rebelo de Sousa “fez bem” ao não usar ‘a bomba atómica’ e ao anunciar que vai estar mais atento e interveniente; que a relação entre o Presidente da República e o primeiro-ministro deverá “ficar na mesma”; e que o Governo durará até ao fim. As duas primeiras perguntas pedem uma avaliação do comportamento do Presidente e do chefe do Governo na gestão desta crise política e aqui Marcelo ganha. Enquanto nas duas últimas se questiona o impacto da crise na relação Belém/São Bento e na durabilidade da legislatura e aqui a maioria alinha pelos desejos de Costa: isto passa.
Saber se uma remodelação alargada do Governo é
vital para que o comboio prossiga sem sobressaltos não consta deste estudo, mas
há um sinal claro para o primeiro-ministro na gestão futura da sua equipa: 64%
dos inquiridos (quase dois terços) consideram que foi um erro António Costa ter
mantido João Galamba, ao não aceitar o pedido de demissão do ministro “em prol
da necessária estabilidade institucional” e ao contrariar o entendimento do
Presidente da República que ia exatamente no mesmo sentido. Apenas 17%
consideram que Costa “fez bem” ao não ceder à pressão de Marcelo e ao não somar
mais uma às 13 demissões que já sofreu na sua equipa em pouco mais de um ano, e
19% dos inquiridos ou não sabe ou não responde. O estudo por grupos mostra que
a opinião de que aqui o primeiro-ministro errou é mais notória entre os que
completaram o ensino superior, que simpatizam com o PSD e que se posicionam ao
centro ou à direita. Mas mesmo entre os inquiridos que simpatizam com o PS, há
42% que dizem que Costa fez mal em manter o ministro. Já o Presidente da
República acertou ao não aproveitar esta crise para deitar o Governo abaixo.
Confrontados com as três hipóteses, 22% dizem que Marcelo devia ter dissolvido
o Parlamento e convocado eleições, 13% preferiam que tivesse demitido o Governo
sem convocar eleições, mas a maioria (53%) alinha com o PR e conclui que este
“fez bem em anunciar que vai estar mais atento e interveniente”.
Aqui, o aplauso à decisão de Marcelo é maior entre
os mais velhos (são 62%, enquanto na faixa etária 18-24 apenas 38% concordam
com o Presidente, percentagem que sobe para 46% na faixa 25-44). E esta
avaliação também oscila com a posição ideológica — 72% dos que acham bem o
Governo não ter sido derrubado são simpatizantes do PS ou assumem-se de
esquerda, e esse número baixa para 49% entre os que se dizem do PSD. Um número
mesmo assim cauteloso, em linha com o discurso de Luís Montenegro, que com o
Chega à perna, problemas no grupo parlamentar e ainda a afinar discurso e
estratégia, não arrisca defender eleições antecipadas, pelo menos para já.
Pelos sinais desta sondagem faz bem — a maioria dos portugueses não aposta em
ruturas no atual ciclo.
Confrontados com a pergunta “As últimas eleições
foram em janeiro de 2022 e em condições normais esta legislatura durará até
2026. Na sua opinião, este Governo vai ou não durar até ao fim?”, 52% dizem que
vai durar, 34% dizem que não e 15% não sabem. E aqui, o estudo por grupos
mostra que apenas o posicionamento ideológico ou partidário provoca oscilações
nas respostas, com 68% dos simpatizantes do PS a apostarem que a legislatura se
cumpre, enquanto só 35% dos que alinham pelo PSD acreditam nisso. Na estratificação
por idade, instrução ou rendimentos, a maioria dos inquiridos aposta que não
haverá eleições antecipadas (apenas a faixa etária dos 18 aos 24 anos e os que
só estudaram até ao 3º ciclo é que ficam abaixo dos 50% nessa convicção).
Globalmente, o slogan da estabilidade parece continuar em alta.
DUPLA FUNCIONAL RESISTE?
Se a aposta na durabilidade da legislatura é,
seguramente, um dos pontos mais sondáveis a partir de Belém, onde o Presidente
da República está longe de ter metido na gaveta a hipótese de ainda surgirem
“más notícias”, que avisou poderem aparecer “o mais tarde possível”, há outra
conclusão deste estudo que espicaça os dois palácios.
É que embora 53% dos inquiridos considerem que o
Presidente fez bem em anunciar que vai estar mais atento e interveniente,
quando lhes perguntam se acham que a partir de agora a relação entre Presidente
e primeiro-ministro vai piorar, ficar na mesma ou melhorar, 56% dizem que “vai
ficar na mesma”, 34% acreditam que piora e ainda há 4% para quem a química Marcelo/Costa
até pode melhorar. Aparentemente, há uma maioria que conta com Marcelo Rebelo
de Sousa para deixar de funcionar como aliado de António Costa, mas nem por
isso essa maioria está a ver que daí resulte um confronto entre os dois.
Maioria não acredita em eleições antecipadas, mas
Marcelo vê Espanha “com atenção”. Cedo para dizer que por cá ‘no pasa nada’?
Pelo contrário, a convicção na funcionalidade da
dupla parece resistir ao rombo que Marcelo não disfarçou em público ter registado
a vermelho após o ‘não’ de Costa à sua pressão para que demitisse João Galamba.
Prova disso é que a opinião de que a relação entre Presidente e
primeiro-ministro irá piorar a partir de agora é minoritária em quase todos os
grupos consultados, sendo apenas maioritária entre os simpatizantes do PSD e
tendo maior expressão entre os inquiridos que completaram o ensino superior.
Uma coisa é certa: para o primeiro-ministro que,
após a comunicação de Marcelo Rebelo de Sousa ao país no dia 4 de maio, se
apressou a dar ordens para dentro do Executivo no sentido de que ninguém devia
responder ou afrontar o Presidente da República, se esta sondagem for uma
profecia é ouro sobre azul. Basta revisitarmos o que explicou por antecipação o
ex-secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, nas declarações que
trocou com a ex-CEO da TAP e que ficarão para a história desta crise, quando disse
que se Marcelo deixasse de ser um aliado, estariam “perdidos”.
PR MANTÉM PRESSÃO E CALENDÁRIO
Do Presidente, o que é que se sabe? Que aumentou a
pressão sobre o Governo — mesmo as leis que promulga vêm com post-it sobre o
que falta fazer; não larga a vertente SIS do caso Galamba — esta semana pôs em
causa a tese de António Costa de que não o teria informado do recurso às ‘secretas’,
mas comunicou que só soube do SIS três dias depois deste serviço ter sido
acionado; repete que continua a pensar exatamente o mesmo que disse no dia 4,
ou seja, que Galamba já não devia ser ministro; e sem negar o óbvio — que há
bons sinais da economia — contrapõe que falta isso chegar aos bolsos dos
portugueses.
A convocação do Conselho de Estado para finais de
julho, para analisar a situação política e económica do país, não será para
antecipar ruturas no ciclo político, mas sim para acumular matéria. Sabe-se da
avaliação hipercrítica que alguns conselheiros, de Cavaco Silva a Luís Marques
Mendes, passando por António Lobo Xavier, fazem deste primeiro ano de maioria
absoluta socialista e também das críticas que conselheiros do PS, como Carlos
César ou Manuel Alegre, têm dirigido a António Costa. Mas também se sabe que o
primeiro-ministro levará para a reunião um plano de viragem de página, com um
PRR reprogramado, mais dinheiro para as empresas, mais investimento público,
melhores perspetivas económicas. E o Presidente, que por estes dias falou de um
“calendário muito cauteloso”, recupera o calendário de sempre.
Até às europeias, só um terramoto provocaria
eleições antecipadas. Depois das europeias, ver-se-á, se houve terramoto ou
não. Marcelo diz que acompanha “com muita atenção” o que se passa em Espanha. É
cedo para concluir que por cá ‘no pasa nada’.
FICHA TÉCNICA
Sondagem cujo trabalho de campo decorreu entre os dias 13 e 28 de maio de 2023. Foi coordenada por uma equipa do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-ULisboa) e do ISCTE — Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), tendo o trabalho de campo sido realizado pela GfK Metris. O universo da sondagem é constituído pelos indivíduos, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos e capacidade eleitoral ativa, residentes em Portugal Continental. Os respondentes foram selecionados através do método de quotas, com base numa matriz que cruza as variáveis Sexo, Idade (4 grupos), Instrução (3 grupos), Região (5 Regiões NUTII) e Habitat/Dimensão dos agregados populacionais (5 grupos). A partir de uma matriz inicial de Região e Habitat, foram selecionados aleatoriamente 128 pontos de amostragem onde foram realizadas as entrevistas, de acordo com as quotas acima referidas. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI, e a intenção de voto em eleições legislativas recolhida recorrendo a simulação de voto em urna. Foram contactados 3894 lares elegíveis (com membros do agregado pertencentes ao universo) e obtidas 1204 entrevistas válidas (taxa de resposta de 31%, taxa de cooperação de 42%). O trabalho de campo foi realizado por 52 entrevistadores, que receberam formação adequada às especificidades do estudo. Todos os resultados foram sujeitos a ponderação por pós-estratificação de acordo com a frequência de prática religiosa e a pertença a sindicatos ou associações profissionais dos cidadãos portugueses com 18 ou mais anos residentes no Continente, a partir dos dados da vaga mais recente do European Social Survey (Ronda 10). A margem de erro máxima associada a uma amostra aleatória simples de 1204 inquiridos é de +/- 2,8%, com um nível de confiança de 95%. Todas as percentagens são arredondadas à unidade, podendo a sua soma ser diferente de 100% (Expresso, texto da jornalista ÂNGELA SILVA)
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