segunda-feira, junho 19, 2023

Bancos sem incentivos para subir juros nos depósitos com crédito a cair

Os bancos têm conseguido ganhar com as taxas dos depósitos junto do Banco Central Europeu (BCE), hoje em dia nos 3,25%, e remunerar os seus depositantes com valores bem mais baixos, numa média de 1,03% em abril. Uma significativa diferença num sector que não tem necessidade de pagar mais para atrair aplicações, porque tem liquidez em excesso face ao crédito que concede. Os gestores da banca têm recusado que seja responsabilidade social subir os juros dos depósitos; ao invés, têm defendido que precisam de estabilizar a rentabilidade dos acionistas, que estiveram mais de uma década sem ver remunerado convenientemente o seu capital.

Com as taxas de juro do BCE a subir (taxa diretora em 3,75%), a procura por crédito tem caído, uma vez que está a tornar-se mais caro: por exemplo, a taxa de juro nos novos empréstimos à habitação estava em 3,98% em abril. E, com a carteira de crédito a recuar, não há uma necessidade de captar depósitos adicionais.

A diferença entre depósitos e crédito num banco chama-se rácio de transformação — que mostra qual a capacidade de transformar os depósitos em crédito à economia. No fim do ano passado, a média do sistema estava em 78,2%, que é bastante baixa para o histórico em Portugal e mostra que nem todo o dinheiro aplicado consegue ser utilizado para financiar empresas ou particulares. Subir os depósitos, ainda para mais num contexto de crédito a recuar, vai tornar ainda mais desequilibrado este rácio de transformação. Recorde-se que, há mais de uma década, a troika impôs o corte deste rácio pelos motivos contrários: estava acima dos 160%, com crédito muito superior ao montante de depósitos.

Rácio de transformação da banca estava em 78% no fim de dezembro. Problema atual é o inverso do período anterior à troika, com excesso de crédito

Agora, com liquidez em excesso, até porque há uma parte de financiamento que são obrigados a ter para se protegerem em situações de stresse, os bancos não têm incentivos comerciais para elevar os depósitos, a não ser pela manutenção dos clientes. A remuneração até tem aumentado, mas ligeiramente, e faz parte do negócio conseguir uma margem financeira com a diferença face aos juros nos créditos; mas qual a dimensão dessa margem tem sido a questão.

Se comercialmente não veem interesse, os bancos também têm dito não ver na subida de depósitos qualquer responsabilidade social do negócio; defendem que os depósitos aplicados pertencem a clientes com perfil financeiro elevado, pelo que aumentar juros seria remunerar os mais ricos; mas a verdade é que, geralmente, os poucos depósitos com taxas mais elevadas obrigam a um mínimo de constituição de poucos milhares de euros.

Neste contexto, houve portugueses à procura dos Certificados de Aforro, que são menos arriscados do que outros produtos, como fundos de investimento ou seguros, e que só exigem €100 de mínimo de constituição. O Governo quis comprometer as instituições bancárias ao abrir as portas à comercialização daquele produto não bancário. Só que a Associação Portuguesa de Bancos (APB) já veio dizer que não foi contactada para saber do interesse do sector, nem tão-pouco os poucos bancos que comentaram (BCP e Novo Banco) esse tema; as restantes instituições recusaram fazer comentários, não só sobre as remunerações dos seus depósitos como sobre a decisão do Governo relativamente aos certificados.

Neste momento, nem sequer há ainda condições definidas, mas coloca-se a questão de os bancos poderem ganhar comissões (como acontece com os CTT) por comercializar produtos mais atrativos do que aqueles que suportam nos seus balanços (depósitos). A APB garante que não haverá uma posição definida: “Conhecidas que forem as condições para esse envolvimento, cada banco procederá à sua análise e decidirá por si.”

O diploma do Governo — que tal como o Banco de Portugal acredita que os bancos ainda vão ter de subir mais os juros e que diz que devem “acompanhar” a Europa — abre a comercialização dos certificados não só às instituições bancárias como também a “instituições de pagamento”, como a Payshop. Um alargamento da base de venda elegível, quando o Executivo baixou a remuneração para os tornar menos atrativos (Expresso, texto do jornalista Diogo Cavaleiro)

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