sábado, novembro 01, 2008

Lembrar os que partiram

"A morte pode dar ensejo a dois sentimentos opostos: ou fazer pensar que morrer é tornar-se o mais vulnerável dos seres, sem defesa contra o desconhecido; ou que é tornar-se invulnerável e afastado de todos os males possíveis. Em quase todos, esses dois sentimentos existem e alternam-se. Passa-se a vida temendo ou desejando a morte" (Paul Valéry, "Pensamentos Maus e Outros"). Hoje, dia de Todos os Santos, é por regra um dia especial, já que milhares de famílias recordam, hoje e amanhã, os seus mortos, lembrando a saudade que lhes deixam. Pessoalmente, este dia é sempre um dia difícil, por um lado, porque olhando para trás, recordo um percurso de partidas prematuras, de ausências, supridas graças à solidariedade familiar e à disponibilidade de alguns parentes que entretanto já partiram. Fica-me por isso a redobrada felicidade de ter podido continuar muito mais tempo que outros que mereciam muito mais do que eu por cá continuar. A felicidade de acompanhar os meus, de lutar por eles e para eles, até que o nosso dia chegue, porque acredito todos nós termos o nosso dia. Vivamos sem pensar nisso, respeitando e recordando com saudade a memória dos que deixaram de estar ao nosso lado. Porque tal como referiu Michel de Montaigne, "Ensaios", "ninguém morre antes da hora. O que deixais de tempo não era mais vosso do que o tempo que se passou antes do vosso nascimento; e tampouco vos importa, Com efeito, considerai como a eternidade do tempo passado nada é para nós (Lucrécio). Termine a vossa vida quando terminar, ela aí está inteira. A utilidade do viver não está no espaço de tempo, está no uso. Uma pessoa viveu longo tempo e no entanto pouco viveu; atentai para isso enquanto estais aqui. Terdes vivido o bastante depende da vossa vontade, não do número de anos. Pensáveis nunca chegar aonde estáveis indo incessantemente? E no entanto não há caminho que não tenha o seu fim. E, se a companhia vos pode consolar, não vai o mundo no mesmo passo em que ides? Todas as coisas seguir-vos-ão na morte (Lucrécio). Tudo não dança a vossa dança? Há coisa que não envelheça convosco? Mil homens, mil animais e mil outras criaturas morrem nesse mesmo instante em que morreis: Pois nunca a noite sucedeu ao dia, nem a aurora à noite, sem ouvir, mesclados aos vagidos da criança, os gritos de dor que acompanham a morte e os negros funerais".

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