quarta-feira, junho 05, 2024

Nota: Situação política também é desafio ao JPP e ao Chega

Hoje - limitando-me a fazer uma análise sem qualquer outra intenção subjacente - vou abordar o posicionamento e os desafios que são colocados quer ao JPP quer ao Chega, no actual contexto da política regional, ressalvando obviamente  o facto de se tratem de partidos que se encontram, nos antípodas da política.

Desde logo divido esta apreciação preliminar em duas partes:

a) uma primeira, a mais imediata, que reconhece a necessidade de dotar a RAM de um orçamento, ainda este ano de 2024, algo que só será possível com um governo regional devidamente autorizado para esse efeito e não atirado para mais uma situação de impotência institucional, porque atirado para a gestão corrente, por um período de seis ou mais meses. Esse governo  só será possível por via da aprovação do seu programa no parlamento regional. Não há voltas a dar. Reafirmo que eu acho, sempre achei, que os programas de governo são uma espécie de carta de intenções que transporta para o texto final as promessas eleitorais, muitas vezes não limitadas apenas ao partido mais votado nas eleições. Por isso valem o que valem no imediato. Os orçamentos e os planos de investimento, posteriormente, é que são as verdadeiras "bíblias" da governação e das suas prioridades, pretexto óbvio para o confronto entre poder e a oposição assente, ou não, num processo negocial que nem sempre é fácil. Não acredito que os partidos queiram atirar a RAM para  uma crise política, prolongando a agonia institucional em que se encontra desde Fevereiro, submetendo-a a um novo período de gestão governativa, sem orçamento, funcionando em regime de duodécimos, com tudo o que de negativo isso implica. Por uma razão muito simples: se o governo de Albuquerque cair, depois de ter andado entre Fevereiro e Junho deste ano em gestão institucional, e não havendo uma alternativa plausível, isso significa que teremos eleições regionais seis meses depois das anteriores. Ora como não acredito que convoquem eleições em Dezembro, época natalícia, com muita tradição na Madeira - embora as eleições sejam possíveis a partir de 26 de Novembro - teríamos a Região mergulhada, de novo, numa indefinição até meados de Janeiro do próximo ano, sem orçamento para 2024 e, pior do que isso, apenas podendo contar com o orçamento de 2025 lá para Março ou Abril do próximo ano, considerando a eventualidade de um contexto de crise como o descrito.

Portanto há hoje enormes desafios que se colocam, a todos os partidos, com particular referência ao JPP e Chega - partidos que obviamente estão nos antípodas a todos os níveis mas que se cruzam porque reconhecidamente beneficiaram de transferências de eleitores do PSD, sem que isso signifique, longe disso a conquista em definitivo desse eleitorado.

b) a segunda parte deste enquadramento preliminar parte do pressuposto de um programa de governo aprovado - e nem é preciso votar a favor - sobretudo por via da abstenção que parece ser, para a oposição regional não radicalizada nem ressabiada, a atitude que nesta altura me parece a mais recomendável, abrindo assim  caminho a um orçamento para os últimos meses de 2024, algo que apenas acontecerá, em situações normais, lá para Julho. O foco, é sabido, vai centrar-se obviamente em Novembro, quando o governo regional tiver que apresentar ao parlamento regional o plano de investimentos e proposta de orçamento para 2025. Aqui reside o primeiro grande desafio, a todos, ao poder e à oposição, naquele que poderá ser, provavelmente, um dos mais complexos processos de negociação político-parlamentar regional que, por exemplo, e ressalvando as diferenças, foi possível nos Açores onde um orçamento regional para este ano foi aprovado apenas com o voto contra do Bloco de Esquerda, apesar de existir um governo minoritário e termos partidos que olham com desconfiança para o executivo de Bolieiro. Funcionou o pragmatismo numa região também saída de eleições regionais antecipadas recentes.

**

Feita esta introdução, e deixando o PS de lado - porque insiste em reclamar para si o estatuto de alternativa ao PSD, só por ser a segunda força mais votada, mas que não consegue construir nada de concreto sem ir a reboque de terceiros (insisto que nem Paulo Cafofo nem os socialistas, no desespero, perceberam devidamente que aquela proposta de alegada alternativa política, apresentada pelo PS e subscrita pelo JPP, e entretanto desfeita, não garantia a liderança desse projecto aos socialistas e a Cafofo, mas um dia Elvio Sousa vai certamente clarificar, de uma vez por toda, essa "dúvida"...) - acho que seria importante "provocar" o JPP e o Chega a repensarem, neste quadro e neste  contexto, o seu posicionamento para que não construam junto do eleitorado uma imagem de que são partidos de protesto vocacionados para o bloqueio da Madeira, eventualmente sendo responsabilizados, caso se chegue  a essa situação extrema, por uma eventual crise institucional e governativa.

Julgo que ninguém quer que o JPP e o Chega, até porque são dois partidos da oposição, diferentes entre si, votem a favor da solução governativa saída das urnas - portanto legitimada pelo voto popular - liderada pelo PSD e apoiada também pelo CDS. Obviamente que sendo partidos de oposição ninguém ousará "aproximá-los" do poder mesmo que, por opção meramente cautelar e pontual, venham a optar por uma votação que não signifique o derrube seja do que for.

O relacionamento com o PSD e com MA

Tenho que ressalvar que, no caso destes dois partidos, e pelo menos um deles já o referiu, a lógica política assenta hoje numa desconfiança distante em relação a Miguel Albuquerque, o que não significa fechar as portas face ao PSD. Aliás, tenho como adquirido que tanto o JPP como o Chega, ao longo da sua ainda curta actividade parlamentar, já assumiram posições de voto no parlamento regional que não podem ser consideradas de hostilidade para com o  PSD, partido político que, com todos os seus defeitos e virtudes, tem obviamente as suas dificuldades internas e uma reduzida manobra para a tomada de decisões que poderiam facilitar eventuais votações.

Julgamentos?

Verdade seja dita que sendo Miguel Albuquerque o adversário, quase comum, a estes dois partidos - e não só - é um facto que a presença do líder do PSD regional na política activa não constitui crime, não atropela nenhum impedimento institucional e constitucional e decorre da legitimidade do voto. Não vamos discutir outras nuances que eventualmente poderiam ser colocadas em cima da mesa, fora deste contexto político-eleitoral presente.

O indigitado Presidente do Governo e membro do Conselho de Estado, foi constituído arguido - confesso que não percebi ainda se a seu pedido se por determinação judicial - na sequência de investigações que alegadamente estarão a ser realizadas pela máquina de investigação do MP, mas cujo conteúdo e contornos desconheço em absoluto. Aliás acho que ninguém pode garantir do que falamos, salvo a existência de duas denúncias, não anónimas, a que não são estranhas motivações políticas dos seus autores.

O que é facto é que o indigitado Presidente do Governo - outra atitude já teria sido tomada ou forçada se a situação fosse diferente - não está formalmente acusado de nada em concreto, não foi ouvido por entidades judiciais competentes, não foi remetido para julgamento, nem foi julgado, condenado ou declarado inocente. O problema é que não podemos julgar na praça pública ninguém, político ou não, porque não temos o direito de o fazer, não por causa do respeito da presunção de inocência que a todos é obrigatoriamente devido, mas porque não são as redes sociais nem as suposições populares ou partidárias, muitas vezes resultantes de manipulações ou sugestionamentos organizados com intenções mais do que óbvias (sei como isso se faz...), ou ainda quaisquer conveniências partidárias, que têm legitimidade para acusar seja quem for e de julgar quem pisar o risco vermelho da nossa tolerância colectiva. Quanto a isso não hesito nem tenho dúvidas: quem cometeu crime deve ser acusado e julgado, quem pisar a linha vermelha deve ser acusado e julgado, quem se envolver ou fomentar a corrupção deve ser afastado da política e denunciado, formalmente acusado e julgado por causa disso. A corrupção é uma bandalhice inaceitável, um flagelo transversal nas sociedades modernas, que mina e destrói a política, os seus protagonistas e a sua credibilidade. Por isso, o pior que se pode fazer é ignorar ou fazer de conta que nada de passa.

Estatuto de arguido

Quanto ao estatuto de arguido, e reafirmando que desconheço em absoluto as suas causas próximas, lembro-me que eu próprio, por motivos profissionais, fui constituído arguido 4 vezes, mas nunca coloquei em causa a minha dignidade e a minha seriedade profissional que nada tem a ver com as minhas escolhas ou formas der pensar. Foram situações resultantes de notícias divulgadas, em processos abertos envolvendo dezenas de jornalistas, e de um texto de opinião publicado. Apenas num caso fui submetido, com mais de uma dezena de jornalistas, da Madeira e do Continente, a julgamento e fomos declarados inocentes pelo Tribunal. Tratou-se de um processo sobre contrabando de armas portuguesas para Angola. Outros dois casos foram arquivados por decisão judicial que recusou motivos para julgamento e apenas num deles foi negociado um acordo, por decisão livre de todas as partes, dado o melindre do caso que não interessava fosse mantido na praça pública, em claro prejuízo de uma das partes. Também neste caso estamos a falar de cerca de 30 jornalistas e empresas madeirenses e continentais constituídas arguidos. Foi na sequência deste caso que deixei de acreditar na seriedade de "fontes de informação" e deixei de publicar notícias assentes no "diz-se" sem que tivesse em meu poder, de forma cautelar, um  depoimento gravado ou escrito e assinado que nunca seria utilizado, e algumas vezes, não utilizei mesmo, apesar do incómodo causado. Estas situações nunca colocaram em causa a minha  dignidade e a minha competência profissional e, sobretudo, a minha isenção e o respeito pelas pessoas e pela verdade na informação.

Alguns números

Finalmente alguns números apenas para recordar que os partidos nunca podem considerar os votos obtidos, pontualmente ou não, como "propriedade" sua e que muitas vezes há factores externos, pressionantes ou não para os partidos e suas lideranças, que acabam por ter efeitos.

O Bloco de Esquerda, no passado recente, chegou aos quase 14 mil votos e com isso elegeu um deputado à Assembleia da República. Lembram-se o que sucedeu agora ao Bloco de Esquerda nas regionais (1.912 votos, sem deputados regionais), fruto em certa medida de uma "dança" do eleitorado flutuante que vota à esquerda e que não tendo votado no PS - que subiu apenas 137 votos! - preferiu dar o voto nestas eleições ao JPP (recordo que até o PAN perdeu votos, cerca de 515) porque nem sequer beneficiou outros pequenos partidos de esquerda (Livre com mais 53 votos, PTP com menos 147, PCP com menos 1.460 e Bloco com menos 1.124 votos).

Também o CDS nas eleições regionais de 2011 obteve quase 26 mil votos, 17,6% e elegeu 9 deputados. Em 2015 baixou para 17.500 votos, 13,7% e 7 deputados. Em 2019 baixa novamente para os 8.200 votos, 3 deputados e depois das coligações com o PSD-Madeira, regressou este ano às urnas, sozinho, obtendo quase 5.400 votos, 4% e 2 deputados.

Mas regionais de 2024 o Chega aumentou pouco mais de 500 votos o que lhe valeu manter os mesmos 4 deputados que tinha elegido em 2023. Já o JPP subiu entre 2023 e 2024 cerca de 8 mil votos que lhe valeram passar de 5 para 9 deputados.

Já quanto à coligação PSD-CDS, que foi a mais votada em 2023 com 58.399 votos, 43,1% e 23 deputados eleitos, em 2024 a sua base eleitoral dividiu-se entre os 49.103 votos, 36,1% e 19 deputados do PSD e os 5.384 votos, 4% e 2 deputados do CDS. Juntos, estes dois partidos perderam 2 deputados face aos resultados de 2023 e baixaram 3.912 votos (54.487 votos juntos em 2024). Mas se considerarmos os resultados de 2019 e compará-los com os de 2024, constata-se que o PSD perdeu 7.345 votos e 2 deputados, descendo de 39,4% para 36,1%. Já o CDS perdeu 2.862 votos, 1 deputado e baixou de 5,8% em 2019 para 4% em 2024. Falo nestes resultados porque se a oscilação eleitoral e de mandatos que "apanhou" o PSD e o CDS, por razões sociais e políticas diversas, pode ter igual impacto no Chega e no JPP, tudo dependendo da reacção de uma Madeira e do seu eleitorado fartos de eleições (desde Setembro de 2023 serão 4 contando com as europeias, uma eleição de 2 em 2 meses!). Acresce que a abstenção entre 2023 e 2024 subiu apenas 161 eleitores!

Em resumo, qualquer decisão de voto do Chega e do JPP que não seja o voto contra, pode ser entendida como um "apoio" ao novo governo e muito menos se confundir com qualquer forma de anuência, quando a RAM precisa urgentemente de um orçamento até final do ano, algo só possível, com um governo dotado de um programa não recusado no parlamento.

Claro que é de prever que o PS, na sua frustração e no desespero de ter falhado e ter sido o maior derrotado em 26 de Maio - numa teve a seu favor uma situação social, política e eleitoral como a que aconteceu este ano por motivos de todos conhecidos - vá esbracejar. Mas isso vale zero. No fundo estamos a falar de um partido que desde 2019 ataca o CDS, enxovalhando o partido que agora tentou "aliciar" fazendo o mesmo ao PAN e JPP, sobretudo o primeiro, que desde Setembro de 2023 foi o alvo preferencial dos ataques socialistas mas que agora Cafofo queria arrebanhar para viabilizar uma maioria PS-JPP-IL-PAN-CDS (24 deputados) contra o PSD (19) e prescindindo do Chega (4). E que nem seria ele a liderar... Ou não foi assim? Finalmente, não menos importante, ninguém sabe o que dirá o eleitorado, sobretudo o eleitorado que não sendo do JPP votou útil neste partido - e que eu estimo totalize os 7 a 8 mil votos - porque a tal alternativa política montada por Cafofo na noite da derrota - e essa dúvida fica - mas que nunca teve condições de ser viabilizada, seria uma alternativa real ao PSD ou um salto em frente desesperado para resolver a frustração e a derrota do PS-M e da sua liderança (LFM)

Sem comentários: