Quem acha que com a eliminação da sobretaxa do IRS a austeridade imposta nos tempos da troika desapareceu está enganado. A sobretaxa foi de facto eliminada, “mas há que notar que quase 70% dos portugueses não foram sequer afetados pela medida, porque foi aplicada a partir de determinados rendimentos. Ou seja, acabar com este extra também não os beneficiou”, sinaliza Luís León, fiscalista e cofundador da consultora Ilya, lembrando que cerca de metade dos agregados familiares em Portugal não paga IRS porque tem rendimentos baixos. O que quer dizer que se não são afetados pelos aumentos de impostos, também não beneficiam quando a carga fiscal desce, panorama que se antecipa para 2024, como já foi avançado pelo Governo.
Perduram desde a troika as taxas adicionais de solidariedade, a redução dos rendimentos brutos que estão sujeitos a uma taxa máxima de imposto — antes do resgate financeiro só a partir de cerca de €150 mil anuais é que se atingia o último escalão e hoje os atuais 48% aplicam-se a partir dos €78 mil —, a taxa sobre as mais-valias mobiliárias nos 28% (era de 10%), o limite global às deduções à coleta (saúde, habitação ou educação) e desde 2010 que não é mexida a dedução específica do rendimento do trabalho e das pensões, que se mantém nos €4104. A ‘contabilidade’ é feita por Luís Léon, que sobre o desdobramento dos escalões levados a cabo pelos Governos socialistas no pós-troika faz notar que se manteve “sempre a taxa mais alta para o limite superior de rendimentos e só desceram a inferior, o que na prática limita o impacto da redução do IRS”.
Também Serena Cabrita Neto, advogada e docente
universitária na área do direito fiscal, critica o “brincar” dos Governos com
os escalões do IRS, cujo número é reduzido ou aumentado como “um harmónio”, sem
que isso tenha “efeito económico” na carteira das pessoas. “Podem fazer as
manobras que quiserem nas taxas médias, mas sem descerem as taxas marginais o
impacto é reduzido”, explica a especialista.
A taxa adicional de solidariedade é aplicada quando o
rendimento coletável supera os €80 mil, ascendendo a 2,5% entre os €80 mil e os
€250 mil e a 5% acima deste patamar. Segundo as estatísticas da Autoridade
Tributária e Aduaneira, em 2021 este adicional abrangeu 21.848 agregados e
gerou €56,82 milhões. Já o limite global nas deduções à coleta veio impor um
travão ao desconto no IRS via montantes máximos, que variam entre os mil euros
e um máximo de €2500 — só estão livres destes espartilhos os contribuintes com
rendimentos brutos até €7479. “Esta era uma medida temporária que, entretanto,
passou a constar do Código do IRS”, assinala Serena Cabrita Neto.
No que respeita ao congelamento da dedução específica,
o efeito é de que sempre que os salários aumentam e não se atualizam os
escalões do IRS ao valor da inflação (tem acontecido em vários anos, como em
2022, o que terá custado mais de €500 milhões aos contribuintes, segundo o Conselho
das Finanças Públicas), as pessoas perdem rendimento via IRS, porque passam
para o escalão seguinte de tributação e pagam mais imposto.
3,2 MIL MILHÕES EM IRS
O “enorme aumento de impostos” protagonizado pelo
ministro das Finanças do Governo PSD/CDS Vítor Gaspar fez subir a receita de
IRS em mais de €3,2 mil milhões de 2012 para 2013, de acordo com a
Direção-Geral do Orçamento (DGO). Além disso, recorde-se que a eliminação da
sobretaxa do IRS teve como contrapartida a subida do Imposto sobre os Produtos
Petrolíferos, do Imposto do Selo e do Imposto sobre o Tabaco.
Os números mais recentes da DGO dão conta de que as
Administrações Públicas registaram um saldo orçamental de €962 milhões até
abril, numa melhoria de €1657 milhões, fruto do aumento da receita em 9,5%,
superior ao da despesa, que cresceu apenas 3,6%. O contributo da receita fiscal
foram mais €1568 milhões entre janeiro e abril, face aos mesmos quatro meses de
2022, ou seja, um incremento de 10%.
Fernando Medina renovou, esta semana, a promessa de
descida de impostos, numa audição na Comissão de Orçamento e Finanças:
“Mantendo-se esta solidez, traduziremos estes benefícios numa redução de
impostos, como previsto no Programa de Estabilidade”, afirmou o ministro das
Finanças. E concretizou: “Desenvolveremos uma política de desagravamento
fiscal, nomeadamente ao nível do IRS e sobre os rendimentos do trabalho.” Na
apresentação do Programa de Estabilidade, em abril, Medina mencionou o IRS
Jovem.
Serena Cabrita Neto considera que a redução da carga
fiscal deveria estar centrada em dois alvos: os jovens e o talento. A
fiscalista sugere descida de taxas, benefícios fiscais ou mudanças nas deduções
que permitam aliviar estas duas camadas da população. No caso dos profissionais
mais qualificados, menciona que é necessária uma medida para equilibrar o
Programa Regressar — que atribui apoios aos emigrantes para voltarem a Portugal
— e que evite a saída de quadros valiosos, muitos deles jovens.
Já para Luís Léon a possível folga orçamental para este ano deveria ser usada para “abater, o mais rápido possível, a dívida pública”. Porque só “se pagarmos menos juros poderemos baixar os impostos de uma forma sustentada. Caso contrário, vamos andar em exercícios de dá daqui e tira dali” (Expresso, texto da jornalista ANA SOFIA SANTOS)
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