Numa altura em que Madeira e Açores
iniciaram a discussão (esta semana) sobre uma eventual alteração da Lei de
Finanças Regionais - eventual, na medida em que alteração depende de entendimentos
partidários na Assembleia da República a quem cabo aprovar a nova eventual
legislação e a mais nenhuma outra entidade política ou legislativa - recordo
que estamos a falar de um documento legislativo que foi alterado, na sua versão
original, pelo governo de José Sócrates, alterações que alegadamente
penalizaram a Madeira originando uma forte contestação na Região culminada com
uma crise política consubstanciada na demissão do Governo Regional de Alberto
João Jardim, numa jogada política - lembro-me que na altura, ainda antes dessa
decisão ter sido tomada, advoguei-a e defendi-a sem restrições, em textos de
opinião então publicados. Uma demissão que inviabilizava no quadro parlamentar
regional então existente, qualquer outra solução de governo, o que abriu portas,
inevitavelmente, a eleições antecipadas, realizadas em 2007, e que reforçaram
com mais de 90 mil votos a representação eleitoral e parlamentar do
PSD-Madeira.
Recordo esses resultados, de 2007, ano em que entrou em vigor a nova leio eleitoral regional que impôs a eleição de deputados através de um círculo único:
· Votantes – 140.721 (137.693 em 2004)
· Abstenção – 39,5% (39,4%)
· PSD – 90.339 votos, 33 deputados (73.904, 44 deputados)
· PS – 21.679, 7 deputados (37.808, 19 deputados)
· CDS – 7.512, 2 deputados (9.675, 2 deputados)
· PCP – 7.659, 2 deputados (7.593, 2 deputados)
· BLOCO – 4.186, 1 deputado (4.897, 1 deputado em 2004)
Como se constata, o PS-Madeira foi
fortemente penalizado pelo processo de imposição à Madeira de alterações à lei
de finanças regionais.
Nos anos seguintes assistimos a uma pressão crescente visando a introdução de alterações na versão de 2007 da Lei de Finanças Regionais, pretexto para repetidos "combates" políticos entre a Região e a República até que em 2010 foram aprovadas pela Assembleia da República as principais alterações, se bem que não na dimensão inicialmente imaginada.
Esse foi o pretexto para uma ameaça de
crise política nacional, devido ao radicalismo do então ministro das Finanças,
Teixeira dos Santos, que considerou inconcebível que em apenas 3 anos o
parlamento tenha aprovado alterações a uma lei que no plano financeiro e das
relações Estado-Regiões, o ministro e José Sócrates consideravam essenciais.
Curiosamente na Assembleia da República a oposição reuniu-se contra o governo de José Sócrates e a aprovação da Lei de Finanças Regionais de 2010, com as alterações pretendidas pela oposição, mas rejeitadas por Sócrates e Teixeira dos Santos, colocaram Portugal sob a ameaça de uma crise política.
Aprovada a Lei das Finanças Regionais de Sócrates e Teixeira dos Santos
No dia 5 outubro de 2006 o governo de
Lisboa, liderado por José Sócrates, aprovou a proposta de lei das Finanças das
Regiões Autónomas, diploma que previa um corte máximo de 3,2% em 2007 na transferência
global de verbas do OE para os Açores e Madeira.
Nesse dia o ministro de Estado e das
Finanças, Teixeira dos Santos, mostrou-se pouco receptivo à possibilidade de
admitir alterações à proposta durante o debate na especialidade, no Parlamento:
"A Assembleia da República é soberana, mas o Governo fez o seu trabalho e
esta é a sua proposta final", declarou.
O ex-ministro garantiu que o processo de
elaboração do diploma "foi desde o início acompanhado por representantes
das regiões autónomas" e que o Governo central inclusivamente tinha
"incorporado já várias sugestões".
"Este processo não foi autista e não
foi feito à revelia dos representantes das regiões autónomas", acentuou Teixeira
dos Santos. A polémica estava ainda para surgir.
Contudo, a Assembleia Regional da Madeira
recusou dar parecer à proposta de Lei das Finanças Regionais porque o pedido
partiu do Governo central e não da Assembleia da República, como prevê a lei.
Alberto João Jardim contestou a nova legislação, chegando ao ponto de
"retaliar" assinando um despacho a determinar que os serviços do
Estado paguem renda à região.
De acordo com as estimativas do ministro
das Finanças, as regiões autónomas da madeira e dos Açores iam receber sem IVA
em 2006, por custos de insularidade e fundo de coesão, 465 milhões de euros.
"Em 2007, sem IVA, por custos de insularidade e fundo de coesão, as duas
regiões vão receber 390,9 milhões de euros, o que representa uma redução de
5,9%", apontou então o governante.
No entanto, "se o IVA for incorporado - e estimando que será igual ao montante de 2006 (uma perspectiva conservadora) -, então as duas regiões vão receber em 2007 948 milhões de euros, menos 3,2% do que em 200", sustentou Teixeira dos Santos.
Uma amaça de “crise”, apenas isso
Recordo que o ministro das Finanças,
Teixeira dos Santos, ameaçou demitir-se em Fevereiro de 2010, caso os deputados
socialistas continuassem as negociações com a oposição para alterar a Lei das
Finanças Regionais. Segundo o Público, “durante um encontro informal com
deputados do PS, o ministro argumentou que com uma lei que fomenta a despesa,
como a oposição, nomeadamente o PSD, defende, não teria condições para
continuar no Governo. A ameaça terá causado mal-estar entre os socialistas e
reforça os receios de mais uma coligação negativa entre os partidos da
oposição, que podem aprovar a lei” o que veio a ocorrer. Segundo o deputado
açoriano do PS, Vítor Baptista, a proposta que estava em cima da mesa, somados
os efeitos do endividamento, custaria ao Estado 880 milhões de euros.
As alterações acabaram por ser aprovadas
num processo que envolveu negociações entre partidos e governos, o recurso para
o Tribunal Constitucional, as dúvidas sobre o então Presidente da República,
Cavaco Silva, sobre este processo, etc. De facto, Cavaco Silva resolveu
convocar em Fevereiro de 2010 uma reunião do Conselho de Estado, decisão tomada
depois da insistência no cenário de demissão do Governo por causa da Lei das
Finanças Regionais. Uma reunião de 5 horas, com comunicado final, e que apelou
ao entendimento entre as partes.
Depois surgiu o escândalo da crise
orçamental e financeira portuguesa de 2011, com o governo de Sócrates a falir o
país e a ser obrigado a implorar a vinda da troika para intervir em Portugal,
facto que acabou por causar problemas à Madeira, nomeadamente à sua política
orçamental, num processo que culminou, depois das eleições de 2011 e da vitória
do PSD de Passos Coelho, com a elaboração e imposição à Madeira do PAEF.
Como já referi, a versão da Lei de Finanças
Regionais aprovada e imposta por Sócrates/Teixeira dos Santos (com o silêncio
habitual e cúmplice do PS-Madeira e da sua liderança) em 2007 viria a ser alvo
de repetidas investidas por parte do PSD para que alguns constrangimentos
constantes do articulado, segundo os social-democratas, viessem a ser
alterados. Recordo que tínhamos tido eleições legislativas nacionais em 2009,
nas quais o PS, apesar de ter sido o mais votado, não obteve a maioria dos
mandatos: socialistas com 97 lugares, PSD com 81, CDS com 21, Bloco de Esquerda
com 16 e PCP com 15 deputados. Estávamos, 2009, em vésperas do escândalo da
falência do país, protagonizada por um primeiro-ministro e um ministro das
finanças, absurdo dos absurdos, que ao mesmo tempo que promoveram uma
"guerra" política sem quartel por causa da lei de finanças regionais
e a Madeira, se revelaram incompetentes (ou não?) incapazes para perceberem que
estavam a afundar Portugal para a inevitável falência e o regresso da troika ao
país. O que aconteceu em 2011.
Nas eleições de 2011 - depois do escândalo
da falência do país e já com as alterações à lei de finanças regionais
aprovadas em 2010 - o PSD de Passos Coelho seria o mais votado, mas sem maioria
de mandatos: PSD com 108 lugares, PS com 74, CDS com 24, PCP com 16 e Bloco com
8.
Até 2015 - a coligação PSD-CDS é a mais votada mas sem maioria dos mandatos - foi o tempo da crise financeira, das restrições, da troika, da "perseguição" orçamental de Lisboa ao Funchal, devido as caso das alegada "dívida oculta" da Madeira, tempo este que culminou com a aprovação do PAEF. As eleições de 2015 - 107 deputados para PSD e CDS, 86 do PSD, 19 do Bloco, 17 do PCP e 1 do PAN - acabaram por levar o PS ao poder e ao governo central, a reboque do acordo parlamentar de esquerda que ficou conhecido pela "geringonça" entretanto extinta.
O que esta em causa?
Esta semana Madeira e Açores analisaram o
tema num encontro ocorrido no Funchal, mas isso pouco ou nada significa, até
porque haverá um grupo de trabalho com o envolvimento de Eduardo Paz Ferreira,
reconhecido especialista nesta temática - presumo que o objectivo seja o de
desencadear daqui a alguns meses um processo legislativo em São Bento que para
ter sucesso, o que não é garantido pelo menos com a actual configuração das
Assembleia da República, implica muitas negociações num quadro
político-orçamental que não me parece ser, actualmente, muito favorável ao
tema.
E quando digo que estas diligências pouco
ou nada significam, digo-o por dois motivos: o primeiro porque o Ministro das
Finanças segue uma rota orçamental que não permite antecipar qualquer cedência
a reivindicações da Madeira e dos Açores neste domínio. O segundo item a
considerar é que a Lei de Finanças regionais é aprovada apenas pela/na
Assembleia da República. Acresce que admito que, caso as eleições regionais na
Madeira, como tudo parece indicar, não corram ao PS-M da forma que este quer,
que a "vendetta" socialista em Lisboa vai apenas confirmar a recusa
em alterar a actual versão da LFR remetendo o tema para 2025 ou depois disso.
Ainda não sabemos, concretamente o que querem Madeira e Açores com a lei de finanças regionais, que alterações querem ver aceites, que critérios querem ver aplicados na definição das transferências anuais do OE - desconfio que quererão também contemplar o financiamento total ou parcial do Estado dos encargos regionais com sectores essenciais, regionalizados em 1976 mas que ao longo dos anos passaram a absorver cada vez mais recursos orçamentais regionais, casos da saúde e da educação, realidade financeira/orçamental que a febre autonomista e estatutária de 1976, a par de alguma imaturidade, esqueceu, desvalorizou ou recusou. Pessoalmente tenho muitas dúvidas que o Estado, quase 50 anos depois da autonomia regional consagrada em 1976, ceda neste domínio. Veremos.
LFR: algumas datas
- · Lei nº 13/98 de 24 de Fevereiro - Assembleia da República - Lei de Finanças das Regiões Autónomas - Dispõe sobre as finanças das Regiões Autónomas, definindo os meios de que as mesmas dispõem para a concretização da autonomia financeira. Prevê que a articulação entre as finanças das Regiões Autónomas e do Estado seja assegurada por um Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras, remetendo para despacho conjunto posterior a sua composição e funcionamento.
- · Lei Orgânica nº 2/2013 de 2 de setembro - Assembleia da República - Aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas, revogando a Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de fevereiro, que tinha sido alterada pelas Leis Orgânicas nº 1/2010, de 29 de março, e 2/2010, de 16 de junho, e pela Lei n.º 64/2012, de 20 de dezembro. Revogado o artigo 20.º da Lei Orgânica n.º 2/2010, de 16 de junho.
- · 1999-08-02 - Portaria 585/99 - Ministério das Finanças - Define as regras e os procedimentos a adoptar relativamente às transferências para os orçamentos das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira das verbas do Orçamento do Estado destinadas ao Fundo de Coesão para as regiões ultraperiféricas previsto no artigo 31.º da Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro.
- · 2002-06-29 - Lei Orgânica 1/2002 - Assembleia da República - Altera a Lei n.º 13/98, de 24 de Fevereiro, denominada Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
- · 2002-08-28 - Lei Orgânica nº 2/2002 - Assembleia da República - Aprova a lei da Estabilidade orçamental. Alterada a Lei de Enquadramento Orçamental, a Lei de Finanças Locais e a Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
- · 2007-02-19 - Lei Orgânica 1/2007 - Assembleia da República - Aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
- · 2008-05-21 - Acórdão nº 238/2008 - Tribunal Constitucional - Não declara a ilegalidade das normas contidas nos artigos 2.º, 3.º, 7.º, n.º 5, 19.º, n.º 1, 35.º, 36.º, 37.º, nº 2 a 7, 38.º, nº 2 e 3, 57.º, 62.º, n.º 1, e 66.º da Lei Orgânica n.º 1/2007, de 19 de Fevereiro (Lei das Finanças das Regiões Autónomas)
- · 2008-11-17 - Acórdão nº 499/2008 - Tribunal Constitucional - Não conhece do pedido de declaração de ilegalidade fundado na violação do artigo 16.º da Lei das Finanças das Regiões Autónomas; não declara a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 19.º, n.º 1, alínea c), 20.º e 59.º da Lei n.º 2/2007, de 15 de Janeiro, na sua aplicação aos municípios da Região Autónoma da Madeira; não conhece do pedido de declaração de ilegalidade fundado na violação do artigo 112.º, n.º 1, do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira
- · 2010-03-29 - Lei Orgânica 1/2010 - Assembleia da República - Altera (primeira alteração) a Lei Orgânica 1/2007, de 19 de Fevereiro, que aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, e procede à sua republicação.
- · 2012-02-13 - Resolução 8/2012 - Presidência do Conselho de Ministros - Conselho de Ministros - Cria o grupo de trabalho para a revisão da Lei de Finanças das Regiões Autónomas e da Lei das Finanças Locais.
- · 2013-09-02 - Lei Orgânica 2/2013 - Assembleia da República - Aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
- · 2014-07-17 - Acórdão nº 467/2014 - Tribunal Constitucional - Decide não declarar a a ilegalidade da norma do artigo 59.º, n.º 2, da Lei Orgânica n.º 2/2013, de 2 de setembro, que aprova a Lei das Finanças das Regiões Autónomas.
5 mil milhões entre 211 e 2020
Em Fevereiro de 2022, o Dinheiro Vivo
garantia, num texto do jornalista Luis Reis Ribeiro, que as regiões autónomas
receberam 5 mil milhões do Orçamento nos últimos 10 anos (2011 a 2020). "O
desequilíbrio orçamental dos Açores chegou a 8,7% do PIB regional e o défice da
Madeira reapareceu e ficou em 2,8% em 2020, segundo o Conselho das Finanças
Públicas.
As duas regiões autónomas portuguesas -
Açores e Madeira - receberam cerca de cinco mil milhões de euros nos últimos
dez anos (de 2011 a 2020) em transferências do Orçamento do Estado (OE) da
República, ao abrigo da Lei das Finanças das Regiões Autónomas, indicam dados
novos do Conselho das Finanças Públicas (CFP). A Região Autónoma dos Açores
(RAA) foi a mais beneficiada, com 2,8 mil milhões de euros, pois é a região
mais pobre e necessitada, segundo os critérios observados pela referida lei. A
Madeira obteve 2,2 mil milhões de euros em apoios do Estado central.
Segundo a lei das finanças regionais, estas
transferências acontecem ao abrigo do "princípio da solidariedade nacional
visa promover a eliminação das desigualdades resultantes da situação de
insularidade e de ultraperiferia e a realização da convergência económica das
regiões autónomas com o restante território nacional e com a União
Europeia".
"A solidariedade nacional para com as
regiões autónomas traduz-se em transferências do Orçamento do Estado" que
visam também responder a "situações imprevistas resultantes de catástrofes
naturais", diz a lei.
Garantia o jornalista do Dinheiro Vivo autor
da peça que venho citando, que o apoio financeiro do OE se reveste de
importância relevante para ambas as regiões. No caso da Madeira, o apoio
significou uma injeção média anual de fundos do OE na ordem dos 4,8% do produto
madeirense, revelam dados do CFP.
Segundo o jornalista do Dinheiro Vivo,
"o saldo das contas públicas da Região Autónoma dos Açores (RAA) sofreu
uma deterioração muito mais acentuada no ano da pandemia, em termos relativos
(medido em proporção do produto interno bruto ou PIB), quando comparado com o
da Madeira ou mesmo o saldo nacional português. Ou seja, o défice dos Açores
afundou muito mais em 2020 (face a 2019), mostra o estudo do Conselho das
Finanças Públicas (CFP)"
"No entanto, o fardo da dívida (também
em percentagem do PIB) subiu muito mais na Madeira do que nos Açores ou em
Portugal como um todo. Enquanto o défice do país (em contas nacionais, as que
valem para Bruxelas e para os investidores estrangeiros em dívida pública) foi
de 5,7% do PIB português em 2020, segundo as contas do CFP", escreve.
Concretamente foi revelado que o
desequilíbrio orçamental da região dos Açores aumentou para 8,7% do PIB
açoriano nesse ano de 2020 enquanto na Madeira, a diferença entre receitas e
despesas foi de -2,8% do PIB desta região no primeiro ano da pandemia.
Dívida sobe mais na Madeira
Escrevia o Dinheiro Vivo que "o ano da
pandemia também foi marcado, é óbvio, pela subida do peso da dívida pública nos
vários PIB considerados. A resposta à pandemia requereu recursos avultados e
isso reflete-se na herança do endividamento. Aqui, a situação degradou-se mais,
em termos relativos, na Madeira, que já tinha um histórico muito negativo das
contas regionais do tempo da troika.
O programa de resgate obrigou ao reconhecimento
de inúmeras e avultadas dívidas e prejuízos públicos por parte do governo
regional, na altura liderado por Alberto João Jardim. Assim, a dívida da RAM
atingiu um pico de 112,9% do PIB regional em 2015"
"Em 16 de setembro de 2011, o INE e o Banco de Portugal comunicaram que a RAM tinha procedido a vários Acordos de Regularização de Dívidas entre 2008 e 2011 respeitantes a despesas realizadas em anos anteriores e não reportadas às autoridades estatísticas, o que suscitou uma correção à despesa e dívida da RAM", recorda o CFP. As subidas foram muito expressivas. Mas desde 2015 que a dívida tem vindo a descer, fixando-se em 91% em 2019, um dos valores mais baixos dos últimos anos. Mas com a pandemia, o rácio voltou a dar um salto, desta feita para 114,5% em 2020, indica o CFP"
Conselho de Finanças Públicas opina…
Num texto intitulado "Evolução das
Finanças das Regiões Autónomas no período 2011-2020" o Conselho das
Finanças Públicas escreveu: "Num período marcado pela aplicação do
Programa de Assistência Económica e Financeira (PAEF) a Portugal entre 2011 e
2014 e mais recentemente pelos efeitos económicos e sociais desencadeados pela
crise pandémica, a situação orçamental e financeira das Regiões Autónomas
alterou-se, refletindo trajetórias distintas de evolução das suas finanças, com
implicações na sua sustentabilidade futura" (...)
"A Região Autónoma da Madeira (RAM),
após ter atingido em 2010 o défice em contas nacionais mais elevado da sua
história (26,9% do PIB da RAM) e de um défice de 15,9% do PIB da região em
2011, alcançou uma posição orçamental excedentária a partir de 2013, o que
permitiu sustentar uma trajetória de recuperação das contas públicas até 2019.
A superação das metas anuais para o saldo em contas nacionais estabelecido no
PAEF-RAM permitiu obter até ao final do programa (2015) uma trajetória de
excedentes orçamentais sustentada por saldos primários positivos que se
prolongaram até 2019.
Fruto da redução do défice orçamental, a
dívida global da RAM iniciou a partir de 2016 uma trajetória descendente até à
eclosão da crise pandémica. A regularização dos valores em dívida e a redução
dos encargos de despesa atrasada foram determinantes para iniciar a redução da
dívida. Em termos do PIB da região, a dívida da RAM, na ótica de Maastricht,
registou uma diminuição de 112,9% em 2015 para 91% em 2019, uma evolução
essencialmente determinada por excedentes primários que nesse período
totalizaram 17,1 p.p. do PIB da região.
Em 2020, a RAM apresentou um défice
orçamental de 2,8% do PIB da região (na ótica da contabilidade nacional) e a
dívida na ótica de Maastricht elevou-se para 114,5% do PIB da região, um
agravamento de 23,6 p.p. do PIB face a 2019.
No que se refere à observância da
conformidade das regras orçamentais e do limite à divida estabelecida na Lei de
Finanças das Regiões Autónomas (LFRA) de 2013, a informação existente aponta
para o incumprimento da regra de equilíbrio orçamental e do limite da dívida em
ambas as Regiões Autónomas em 2018 e 2019, não obstante naqueles dois anos a
RAM ter registado uma redução do excesso de dívida".
E conclui o CFP: "A aplicação das novas regras de disciplina orçamental introduzidas pela LFRA suscitou problemas diversos na sua operacionalização, em particular quanto ao cálculo dos indicadores, que apenas foram resolvidos quatro anos após a entrada em vigor da lei, com a aprovação de um documento metodológico em 2018".
Propostas do CFP?
Em Fevereiro de 2022 foi noticiado que o
Conselho das Finanças Públicas reclamava que as regiões autónomas cumprissem as
regras orçamentais nacionais no pós-pandemia. Ou seja, segundo o CFP,
"dada a disparidade de regras orçamentais entre as regiões autónomas e o
conjunto das Administrações Públicas, o Conselho das Finanças Públicas defende
uma aproximação. Entre outras regras, Açores e Madeira devem ter um limite à
dívida em linha com o PIB de cada região autónoma".
O Conselho das Finanças Públicas (CFP) quer
que Açores e Madeira alinhem pelas regras orçamentais nacionais no
pós-pandemia, introduzindo um limite à dívida em linha com o PIB regional,
entre outras.
Segundo um trabalho da presidente do CFP, Nazaré da Costa Cabral, e do vogal não-executivo Carlos Marinheiro "as regras orçamentais aplicáveis às regiões são substancialmente diferentes" das exigidas ao conjunto das Administrações Públicas. Por isso, depois da crise pandémica, que alterou radicalmente a situação económica nacional e regional e "inviabilizou, por ora, a continuidade ou o regresso ao reforço da sustentabilidade das finanças regionais", os autores defendem que "importaria alinhar as regras aplicáveis às regiões autónomas com as aplicáveis ao conjunto das Administrações Públicas".
Notas finais
Recomendo, aos interessados no tema, a
leitura do documento do Conselho de Finanças Públicas intitulado "Regras
de disciplina orçamental previstas na Lei de Finanças das Regiões
Autónomas" porque ajuda a perceber alguns itens relacionados com esta
temática.
Finalmente ilustrei este texto com cinco quadros sobre as transferências para as duas Regiões Autónomas, que elaborei tendo por base os dados oficiais constantes das propostas de Orçamento do Estado apresentadas pelos sucessivos governos centrais na Assembleia da República (LFM, texto publicado no Tribuna da Madeira de 21.7.2023)
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