segunda-feira, julho 13, 2020

PS-Madeira: Os trabalhos de Cafofo e outras teorias (minhas)

Paulo Cafofo será, ao que tudo parece, o único candidato à liderança do PS-Madeira no epílogo normal de um processo iniciado no penúltimo Congresso regional dos socialistas madeirenses, quando Emanuel Câmara ganhou as directas socialistas, afastou Carlos Pereira da liderança e anunciou que toda a estratégia socialista para as regionais de 2019 seria montada em torno da figura de Cafofo como uma espécie de âncora do PS-Madeira para chegar ao poder. Câmara não hesitou em assumir-se como uma espécie de “barriga de aluguer” de um candidato que nem filiado no PS era e que não desistiu nunca de construir o seu próprio espaço e de escolher a sua própria gente de confiança.
Hoje, e não vou ser mais pormenorizado, é indesmentível que há muita gente que desempenha cargos e funções públicas de alguma visibilidade, tudo isto no pós-regionais de 2019, porque isso resultou de negociações internas no PS-M e, nalguns casos, de cedências a pressões e /ou pessoas ou, se quiserem, uma maneira de calar potenciais reivindicações mais agressivas e correntes internas oposicionistas, que podiam colocar em causa a unidade que Cafofo precisa. Ele, mais do que ninguém, cedo percebeu que o seu envolvimento no PS-M estava longe de ser consensual e que ainda menos consensual ficou quando o PS-M foi derrotado nas eleições regionais, nas quais os socialistas tudo apostaram.
Sucede que Cafofo, que nem militante socialista era, acabou por ser um trunfo falhado, na medida em que o PS-M não ganhou, como queria, as eleições regionais de 2019 apesar de ter tido então condições sociais e políticas para o fazer, e que provavelmente não terá mais no imediato. Beneficiando também e muito da imagem do governo socialista nacional e de Costa que frequentemente se deslocou à Madeira num ano que também foi eleitoral para ele (Costa)
As derrotas do não líder…
Ao perder as eleições regionais, e sem ter sido eleito líder do PS-M – apesar da lista dos deputados regionais eleitos ter tido muito da sua intervenção para além de ganhos associados a grupos internos do partido – Cafofo ficou algo fragilizado, sobretudo quando recusou a vice-presidência do parlamento regional, lugar que diziam ser de “prateleira” e por lhe retirar protagonismo político que precisava.
Duas outras situações estranhas a reter neste processo: não ter sido eleito líder parlamentar, quando supostamente o seria – mas depois li algures que dificilmente o seria por limitações estatutárias do próprio PS-M, por não ser ainda militante e por não ter um período mínimo de militância partidária e integrar órgãos partidários.
Vemos hoje um Cafofo relegado para um discreto lugar no parlamento, sem se assumir ainda como líder do PS-M, criticado por não ter discurso político mobilizador, agreste q.b., assente em pilares consistentes passíveis de marcar a diferença e a alternativa – os seus discursos, dizem, são demasiados “certinhos” e banais – deixando para deputados da sua confiança pessoal (Iglésias em primeiro plano) o combate político mais duro e partidarizado que alguns temem não seja a praia de Cafofo.
Duas outras histórias, verdadeiras e muito mal contadas, fragilizaram muito Cafofo, a começar pelo PS-M porque há sectores do partido que não sabem dar explicações plausíveis para ambas as situações. Eu recordo-as.
A primeira teve a ver com as movimentações pós-regionais – legitimas quando o PSD, vencedor do acto eleitoral, ficou privado pela primeira vez de maioria absoluta parlamentar, o que implicaria o recurso a coligação, com o CDS a ser o parceiro natural dos social-democratas. O problema é que Cafofo terá pressionado dirigentes do CDS (e não só…) para uma coligação – que teria sempre de envolver acordos com mais alguém – e oferecido lugares, no governo e no parlamento, que terão surpreendido o próprio PS-M. Ou seja, Cafofo expôs-se demasiado sem ter conseguido, pelo menos até agora, qualquer resultado concreto com aquilo que continua a sonhar. No fundo foi uma tentativa de transformar a derrota nas urnas numa vitória legítima “na secretaria”, repetindo o que o PS nacional e Costa fizeram em 2015 na Assembleia da República.
O estranho boicote não assumido…
Pior, até porque se trata de uma história que garanto ser verdadeira, foi o facto de Cafofo – que não sei se terá tido conhecimento, duvido, de tudo que se passou – ter sido literalmente afastado de qualquer lugar no governo de Costa - falou-se de ser secretário de estado adjunto para as autarquias locais ou mesmo de secretário de estado para as comunidades portuguesas - devido a pressões partidárias, pressões com origem no Funchal, que não me explicaram em todos os seus contornos, mas que levaram o próprio Costa a recusar a escolha.
O candidato à liderança do PS-M, que precisava, na óptica de alguns socialistas próximos de Costa, de protagonismo político que não tinha, apesar de quase dois mandatos na edilidade funchalense, viu assim gorada a possibilidade de um protagonismo mediático importante e que a inclusão no governo central inegavelmente lhe asseguraria. Embora pudesse em termos estratégicos, dificultar frequentemente a conciliação entre esse seu estatuto e liderança do PS-M, na lógica dos conflitos políticos e institucionais que inevitavelmente surgiriam. E o pior que poderia acontecer em termos eleitorais era o PS-M ter um líder regional mais próximo e cúmplice de Lisboa e das teses de Costa, no que à Madeira diz respeito, do que ter um líder com capacidade de ter o seu próprio espaço e de manter uma posição suficientemente equidistante, colocando o partido no lugar que deve ocupar, para não cometer os erros do passado histórico dos socialistas locais, com particular destaque para o que se passou em 2007 com a lei de finanças regionais.
Agora o pesadelo de Cafofo, segundo me garantiram, tem a ver com o receio, num universo de militantes-eleitores no PS-M sempre muito baixo, de ser eleito com uma insignificante votação, algo que suscitaria de imediato interrogações e críticas sobre a sua capacidade de mobilizar o partido, porque uma realidade é o PS-M e a sua base militante, outra é a realidade eleitoral regional do PS-M e outra ainda foi o que aconteceu excepcionalmente com o PS-M nas regionais de 2019. Três realidades diferentes que muitos gostam de misturar e confundir.
Jardim de fora
Muito sinceramente acho que Carlos Jardim nunca foi um candidato convictamente assumido à liderança do PS-M, embora tivesse gostado de ter condições para concorrer às directas, marcando o seu espaço e tentando ganhar posição de maior relevo no seio do partido.
Por isso, estranha - ou talvez não - foi a desistência de Carlos Jardim, que pelos vistos tentou aguentar até ao fim. As dificuldades que ele pode hoje dar como justificação, são rigorosamente as mesmas que existiam quando anunciou a candidatura. Portanto, nada mudou no PS-Madeira que, mesmo que esteja algo desiludido com Cafofo, continua a não perspectivar alternativas fortes e credíveis. E mobilizadoras, com um discurso forte, o que não significa que Cafofo corresponda a estas exigências. Mas é o único interessado no lugar que já está lá e tem a máquina a jogar a seu favor.
Uma desistência (de Jardim) duas depois de ter concedido uma longa entrevista ao Económico-Madeira o que obviamente questiona a seriedade e a ética política. Se a intenção era na altura, e sei que era, de desistir, essa entrevista nunca deveria ter sido dada assente numa lógica partidária que não se concretizaria, porque o pior que pode acontecer é a noção de persistência de alguma falta de rigor e de seriedade na política.
Admito, mas isso é a minha opinião, que a gestão que Jardim fez deste processo o penalizará por algum tempo.

Acresce que as pessoas mais ligadas ao PS-M sabem que Carlos Pereira, hoje "escondido" em Lisboa - para onde foi estrategicamente enviado por conveniência partidária regional - continua a querer ajustar contas com aqueles que o escorraçaram da liderança do PS-M por via de umas directas que desde o primeiro momento foram claramente montadas a favor de Cafofo. O peso de dois peões naquele xadrez era demasiado forte para que qualquer rei ousasse sequer pensar que ganharia aquele jogo...
Se é um facto que Cafofo, nos últimos dois anos, foi o líder do PS-M, mesmo sem o ser institucionalmente - lembro que ainda não foi eleito - continuamos sem perceber qual o papel que Emanuel Câmara vai aceitar ter nesse PS-M que serás finalmente liderado por quem Câmara andou a promover mas que falhou o principal objectivo, as regionais de 2019.
O processo autárquico...
Li hoje na comunicação social que Cafofo, mesmo sem ser líder de facto dos socialistas locais, andará a coordenar o processo de preparação das autárquicas, no fundo tal como ele fez nas regionais de 2019. Nada de novo. Fiquei foi sem perceber se essa coordenação se refere à definição das linhas políticas gerais - porque a realidade social, política e eleitoral muda de concelho para concelho - se à estratégia política do partido, se à escolha de pessoas.
E percebe-se. As autárquicas de 2021 serão o segundo teste de Cafofo - depois das regionais de 2019 - pelo que um eventual desaire poderá questionar a sua própria liderança, retirando ao PS-M a disponibilidade para esperar pelas regionais e pelas legislativas de 2023 e ser premiado com dois novos desaires eleitorais.
Garante-me uma pessoa próxima de Cafofo - acreditem se quiserem - e da sua confiança, que as mudanças serão feitas pelo futuro líder eleito. E que inclusivamente na composição dos órgãos partidários regionais, as pessoas perceberam essa vontade de mudança e de acabar com "estatutos" e "lugares cativos". Cafofo vai querer chamar novos quadros - obviamente precisam de ser filiados no PS para poderem ascender aos seus órgãos dirigentes - mas quer também limpar algum resquício de outros tempos que marcaram negativamente o PS regional, sobretudo em termos políticos e eleitorais. Fiquei sem perceber, embora tenha as minhas teorias, quem serão os visados dessa mudança. Um partido não tem que mudar por mudar, tem que mudar mas escolhendo pessoas com perfil para a política, que nada tenham a ver com algum cinzentismo ideológico que cada vez mais abunda - algo que os cépticos de Cafofo dizem existir, a começar pelo actual grupo parlamentar, que acusam de falta de garra, de um discurso político de combate, de falta de preparação e de acutilância política e de uma excessiva dependência de tiques locais quando o deputado eleito é regional e não representante deste ou daquele concelho ou freguesia. Confesso que nunca tinha valorizado esta questão que acho interessante.
A coligação do medo?
Parece ser óbvio que PSD e CDS ensaiarão coligações em Santa Cruz, Machico, Funchal, Porto Moniz e Ponta do Sol (aqui ainda uma incerteza), mas que esse processo terá que ser muito bem gerido para que não tenha um impacto exactamente oposto ao desejado, ou seja, o de retirar ao PSD-M, claramente em queda eleitoral, ainda mais votos, algo que poderia ter consequências a um outro nível partidário interno. Se São Vicente e Ribeira Brava poderão ser dois concelhos estrategicamente "abandonados" por PSD e CDS - em termos de apresentação de candidaturas próprias - a favor dos actuais autarcas, fica a convicção de que o CDS acha que uma colagem ao PSD, em coligação, pode originar em Santana uma desaire, até porque não há a certeza de que eleitoralmente o actual Presidente centrista - que  substituiu o secretário regional Teófilo Cunha - tenha o mesmo estofo de ganhador nas urnas que o antecessor, algo que ele vai ter que provar.
O mesmo se passa na Ponta do Sol onde o PSD quererá recuperar a sua influência, perdida em 2017 devido a uma sucessão de asneiradas cometidas no Funchal no processo das autárquicas de 2017, apesar de todos os avisos feitos.
Além disso, duvido que na Calheta, Câmara de Lobos e Porto Santo as estruturas locais do PSD aceitem qualquer coligação eleitoral com o CDS - porque isso teria efeitos devastadores nos resultados eleitorais - dadas as especificidades dos eleitores social-democratas em ambos os concelhos. E fragilizaria demasiado a coligação regional PSD-CDS no poder que precisa de mais-valias e não de oportunistas ou pregos na urna. Como se verifica há muita pedra a ser partida. Uma alternativa seria o recuo estratégico - como foi feito em São Vicente e na Ribeira Brava, entre outros - de uns e detrimento dos outros, deixando de apresentar candidatos próprios e cedendo a presença no terreno ao parceiro (da coligação) mais forte. Duvido, contudo, que isso ocorra porque não acredito que o PSD se afaste de "campo" em Santana tal como não creio que o CDS na Calheta ou na Ponta do Sol "desapareça" do cenário eleitoral. Se assim for, então ficará tudo como antes...
Acredito que PSD e CDS farão coligações onde são oposição e onde podem ter à partida maiores dificuldades de sucesso (casos de Funchal, Machico e Santa Cruz e não incluo Porto Moniz porque a realidade eleitoral do CDS é insignificante), que na Calheta, Câmara de Lobos, Santana e Ponta do Sol cada um jogará com os seus meios e que Ribeira Brava e São Vicente ficarão "fora" a favor dos actuais autarcas eleitos em 2017 em listas de cidadãos embora apoiados também por alguns partidos.
Mudanças (poucas) no PS
No caso do PS-M, Cafofo não deverá arriscar a fazer muitas mudanças. Prevejo que aposte forte em Santa Cruz, lado a lado com a coligação PSD-CDS, o que colocará problemas reforçados a quem lá é hoje poder - e que deixará de ter o predomínio de lugares que hoje tem - no Porto Santo. Não vejo grandes alterações - por não haver limitações de mandatos - em Machico e Ponta do Sol.
Fica o Funchal, onde Cafofo tem de resolver de uma vez por todas o assunto e evitar o crescendo de suspeições e dúvidas. Por exemplo, de que as suas relações com Miguel Gouveia, seu sucessor na CMF, se degradaram devido a mudanças naturalmente feitas pelo actual autarca na estrutura de pessoas deixada por Cafofo em lugares-chave, que há no PS-M quem conteste a candidatura de Gouveia por temerem a aposta do PSD-CDS num nome politicamente forte, outros por entenderem que o PS-M não pode apostar em independentes não filiados (desconheço se Miguel Gouveia entretanto já é militante do PS-M ou não) desvalorizando a "prata-da-casa". Há também quem defenda Gouveia, sobretudo os autarcas socialistas (e outros nomeados) no Funchal, e que estão dispostos a dar luta forte a todas as eventuais tentativas de impedir a sua candidatura que dizem ser natural e passível de derrotar qualquer candidatura de uma pretensa coligação PSD-CDS no Funchal. Algo que reconhecidamente concordo por não ver o PS-M com outro candidato preparado para a corrida eleitoral no Funchal.
Resta a Cafofo, finalmente, resolver o "problema" Emanuel Câmara. Vai o ainda Presidente do PS-M querer continuar no Porto Moniz, como autarca (e candidato) para enfrentar a coligação PSD-CDS? Ou vai entender que o seu tempo no norte terminou, podendo assumir o seu lugar de deputado regional para ter mais protagonismo e, quem sabe, pensar noutras soluções políticas futuras? Há quem especule que depois das regionais as entre Câmara e Cafofo se deterioraram, com o líder socialista a desabafar nalguns círculos pessoais que foi deliberadamente colocado à margem do processo de decisão e de escolha dos futuros dirigentes socialistas agora em curso. Isto promete, paras todos os lados... (LFM)

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