Para quem não consegue conter a alegria por o Estado ter conseguido voltar a controlar a TAP aconselho prudência porque é muito provável que esse sorriso se transforme em todos os possíveis tons de amarelo. Ao ministro que bate com orgulho no peito por ter conseguido correr com o perigoso capitalista americano aconselho calma para que o choque ao perceber que o alegado vilão sai afinal feliz e aliviado não o deixe atrapalhado.
A vontade de David Neeleman em sair da TAP não era de agora. A possibilidade de venda à Lufthansa há cerca de seis meses foi real e muitos se devem hoje arrepender por esse negócio não ter sido concretizado. Para aquele empresário americano a TAP já só era um saco de problemas. Além da relação difícil com o acionista Estado e de um conselho de administração fraco mas bélico, a crise pandémica atirou o sector para um buraco que parece não ter fundo. E quem carrega mais peso cai mais rápido. Nessa vertigem, a TAP pesava toneladas. Aumentar rotas, comprar novos aviões e contratar mais pessoal custa dinheiro. Para crescer nos últimos cinco anos a empresa teve de se endividar. Era bastante transparente que Neeleman queria engordar o porco para depois o vender. E o porco está de facto gordinho e reluzente mas na altura errada, pois nos próximos tempos ninguém pensa em comprar um avião que seja, quanto mais uma companhia inteira.
A ideia de que o homem foi corrido de Portugal não podia ser mais enganadora. Na realidade leva consigo €55 milhões, a garantia de que a dívida da TAP à sua outra empresa, a Azul, vai ser paga e, mais importante, livra-se de todos os problemas que só agora iam começar.
A estratégia da TAP de renovação da frota e a aposta em novos mercados, como o norte-americano, dependia do acionista estratégico. A sua saída deixa a TAP sozinha, sem gestão capaz, a lutar contra as maiores companhias mundiais. Um peixinho vermelho a nadar com tubarões. Com a agravante de a empresa continuar parada, com trabalhadores em lay-off e aviões no chão à espera dos milhões do Estado. Por todo o mundo, em especial na Europa, as outras companhias já receberam injeções de dinheiros públicos e estão preparadas para o regresso no qual vão ‘comer’ quem se atrasou. As perspetivas são más.
Os €1200 milhões não vão ser suficientes. A nacionalização da empresa significa que o Estado comprou também a dívida, que não é pequena e que precisa de ser paga. O sector está a preparar-se para cinco anos de crise. São mais cinco anos a perder dinheiro, só que desta vez quem tem de o pôr não são os privados, somos nós, os contribuintes. E de cada vez que precisar de o fazer terá a Comissão Europeia a dizer que é preciso reestruturar a companhia. Ou seja, torná-la mais pequena.
A entrada de dinheiro virá com condições que nunca serão tão graves como as que poderíamos esperar perante uma nacionalização formal, mas mesmo assim será necessário reestruturar. Isso significa despedir e ter de deixar de pagar dívidas, nomeadamente, a obrigacionistas. Algo que me parece difícil justificar nas atuas condições políticas. A TAP vendeu recentemente dívida a pequenos investidores que para já não têm garantia de que esse dinheiro vá ser pago. O Governo dificilmente deixará que existam ‘lesados’ da TAP, como não deixou que existissem lesados do GES. Muito menos permitirá uma onda de despedimentos, a não ser na gestão.
Isso leva-nos a um outro ponto crucial. Quem vai gerir a TAP com salário de gestor público? O objetivo do Governo é contratar alguém no mercado internacional para que possa no futuro gerir a empresa, um gestor com experiência no sector. Talvez tenham de encontrar um que já seja milionário e que esteja disponível a trabalhar quase de ‘borla’, porque parece-me politicamente impossível pagar-lhe um salário que neste sector ultrapassa facilmente um milhão de euros por ano. Isto quando o mesmo Governo achou inaceitável que fossem pagos prémios de €1,17 milhões a distribuir por 180 trabalhadores.
A TAP, tal como outras empresas que foram privatizadas, assim devia permanecer para proteger o erário público. Os interesses do Estado devem ser acautelados, mas neste caso não me parece que tenham sido, muito pelo contrário. A ânsia de ter de fazer alguma coisa vai-nos deixar com uma conta muito elevada para pagar. A quem a mandamos? (Expresso, texto de opinião de João Vieira Pereira)
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