"Mercado de trabalho foi severamente atingido, especialmente os trabalhadores com salários mais baixos e os semiqualificados que não têm como opção o teletrabalho", observa o FMI. É o terceiro aviso em apenas uma semana e meia. Os países que dependem muito do turismo vão passar grandes dificuldades económicas nos próximos tempos, eventualmente anos, devido às sequelas causadas pela covid-19 em largas partes das suas economias. Depois de o Banco de Portugal e o Banco Central Europeu (BCE) terem visado diretamente Portugal, ontem foi a vez de o Fundo Monetário Internacional (FMI) hastear a bandeira vermelha: "Países altamente dependentes de setores como turismo, alojamento e viagens deverão sofrer impactos profundos na atividade e por um período prolongado de tempo." Na atualização intercalar do Panorama Económico Mundial (o outlook), o FMI reviu fortemente em baixa as projeções do crescimento económico das maiores economias do mundo. Agora, num grupo de 30 países grandes que representam mais de 83% da economia global, apenas dois não caem em recessão neste ano (China e Egito, com expansões ligeiras de 1% e 2%, respetivamente). No extremo oposto surgem casos graves, todos na Europa. O FMI prevê para Espanha, Itália e França recessões de quase 13% em 2020.
Portugal não surge nestes cálculos atualizados por ser uma economia de pequena dimensão (por regra, os outlooks intercalares não publicam dados sobre as economias mais pequenas), mas inspira cuidados sérios por causa do colapso no turismo e setores associados.
Recuperação completa no mercado de trabalho pode demorar
"À medida que os países reabrem, a retoma da atividade é desigual." Se atividades como comércio e retalho até estão a dar sinais de retoma relativamente sólida, tudo o que está relacionado com o turismo está mais debilitado. "A atividade em setores intensivos em mão-de-obra, como turismo e alojamento, deve permanecer moderada, e uma recuperação completa no mercado de trabalho pode demorar, piorando a desigualdade de rendimentos e aumentando a pobreza", acrescenta o FMI. O estudo diz ainda que durante esta crise, que começou em março, "o mercado de trabalho foi severamente atingido e a um ritmo recorde, especialmente os trabalhadores com salários mais baixos e os semiqualificados que não têm como opção o teletrabalho". Além disso, o FMI avisa que "os riscos negativos, no entanto, continuam a ser significativos" e que, sem haver uma vacina, "os surtos podem ocorrer novamente em locais que parecem ter passado pelo pico de infeção, exigindo a reposição de medidas de contenção".
"Um declínio mais prolongado da atividade pode levar a novas cicatrizes, inclusive a um número mais alargado de falências de empresas." As "empresas sobreviventes vão hesitar em contratar candidatos a emprego que tenham passado por períodos prolongados de desemprego e muitos desempregados podem deixar a população ativa definitivamente", conclui o FMI. No boletim económico, divulgado a 16 de junho, há cerca de uma semana, o Banco de Portugal deixou claro em relação à economia portuguesa que "a recuperação posterior [a 2020] deverá ser muito gradual, num contexto de elevada incerteza e de potenciais alterações nas preferências e nos comportamentos dos consumidores".
"Dado o peso relativamente elevado do turismo nas exportações totais por comparação com outros países, Portugal encontra-se particularmente exposto, projetando-se uma queda desta componente das exportações de mais de 60% em 2020".
Além disso, "tendo em conta a evolução da procura externa, os exportadores portugueses deverão perder quota nos mercados externos em 2020", sendo certo que "esta perda reflete essencialmente um efeito de composição, associado à especialização relativa de Portugal no setor do turismo. A recuperação destas exportações deverá ser também mais lenta, ocorrendo de forma mais expressiva apenas em 2022". Na semana passada, o BCE também bateu na mesma tecla. "Estimamos que os países da zona euro mais expostos ao impacto da pandemia no que toca a exportações líquidas de serviços de viagens sejam Chipre, Malta, Grécia e Portugal."
Défice regressa, Leão promete disciplina
Ontem, o Instituto Nacional de Estatística (INE) revelou que o défice público medido em contabilidade nacional voltou a aparecer, depois de 2019 ter encerrado com o primeiro excedente da história democrática de Portugal. O desequilíbrio, motivado por um aumento súbito e grande nas despesa do Estado para aguentar a economia (empresas e trabalhadores) e os serviços de saúde no combate à pandemia, foi de 1,1% do PIB no primeiro trimestre, mas o quadro vai tender a ser cada vez mais deficitário. O Governo espera que o défice fique numa média de 6,3% neste ano. O gabinete do ministro das Finanças, João Leão, reagiu aos números do INE, dizendo que "reflete já o forte impacto da pandemia de covid-19", mas foi avisando a navegação quanto ao futuro pós-pandemia: "O Governo mantém o compromisso com o rigor e a disciplina das contas públicas." (DN-Lisboa)
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