Desde que deu a conhecer o seu plano de intervenção para apoiar as empresas afetadas pela crise da covid-19, o Governo jogou todas as fichas no lay-off simplificado. A medida foi apresentada como uma espécie de antídoto para a escalada certa do desemprego perante uma crise global, mas poderá não ter passado de placebo. Adiou a doença sem a tratar. À medida que se aproxima o fim do lay-off simplificado, os escritórios de advogados estão a ser “inundados” com dezenas de pedidos de apoio por parte de empresas que querem agora avançar para despedimento coletivo. Há também quem já prepare a insolvência. Decisão das empresas aumentou depois de conhecidas as medidas do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) para a retoma da economia, que é visto pelos empresários como insuficiente e desadequado. O Expresso falou com cinco advogados, representantes de algumas das maiores sociedades nacionais, que confirmam o aumento destes processos e antecipam um final de ano “negro” em reestruturações, com um aumento exponencial do desemprego no país.
As contas deixam pouca margem para dúvidas. O aumento do desemprego registado, que já abrange 408.934 indivíduos (ver infografia), deverá agravar-se significativamente no último trimestre, e uma importante parcela do desemprego real ainda permanece oculta nas estatísticas.
O Governo empurrou para o final de julho o fim do lay-off simplificado, que nos últimos meses permitiu a mais de 110 mil empresas beneficiar do apoio da Segurança Social na suspensão de contratos ou redução de horário de mais de 850 mil trabalhadores, salvaguardando-os do desemprego. Sem esta rede de proteção, com as empresas longe de recuperar a faturação pré-crise e poucas certezas em relação à retoma da economia, aumenta o número de empresas para quem o despedimento coletivo será inevitável.
Nos principais escritórios de advogados já se preparam os processos, que deverão avançar depois de cumprida a norma travão que impede as empresas que tenham estado em lay-off de despedir até 60 dias após a sua cessação. Contas feitas, admite Nuno Ferreira Morgado, co-coordenador da área Laboral da sociedade PLMJ, “com o que já temos em mãos, vamos assistir a um último trimestre do ano negro, com grandes processos de reestruturação, de empresas de grande dimensão, com forte impacto no emprego”.
O advogado confirma o aumento “exponencial” de pedidos de consulta por parte de empresas tendo como objetivo conduzir processos de despedimento coletivo após o lay-off. Carmo Sousa Machado, presidente da Abreu Advogados, confirma: “As empresas com alguma capacidade e que conseguem aguentar os custos destes processos estão já a preparar-se para reestruturar e despedir.” Os processos, admite, “são para colocar em marcha no primeiro dia útil em que o possam fazer”. Outras há, realça, “que estão a avançar diretamente para a insolvência”.
GRANDES EMPRESAS LIDERAM PROCESSOS
Na sociedade Antas da Cunha, Pedro da Quitéria Faria lida com o mesmo. São dezenas de empresas. “Fomos surpreendidos com este ‘deitar da toalha ao chão’ a partir de junho, depois de conhecidas as medidas do PEES”, diz.
Na sociedade Vieira de Almeida, Américo Oliveira Fragoso diz que o movimento se iniciou logo em março. “As empresas começaram a preparar os seus planos nessa altura. Muitas já não renovaram contratos antes de avançar para lay-off.” O que agora se assiste nos escritórios é a uma “procura por soluções para a redução significativa de custos que passará por despedimentos coletivos em larga escala, mas também insolvências e outros mecanismos”.
Na Kennedy’s, o sócio Nuno Maldonado Sousa diz que são maioritariamente “as grandes empresas com alguma capacidade financeira a avançarem com estes planos de reestruturação, mas há também pequenas e médias empresas”. Os sectores onde terá maior incidência são aqueles onde o desemprego mais tem crescido.
Os números ilustram a tendência. Os dados fornecidos ao Expresso pelo Ministério do Trabalho dão conta de um aumento dos trabalhadores abrangidos por despedimento coletivo em junho (ver infografia). Apesar do número de empresas que comunicaram despedimentos durante este mês (44) ser inferior ao registado em maio, a percentagem de grandes empresas aumentou. Quatro grandes empresas respondem por 46% dos 798 trabalhadores a despedir no âmbito de despedimento coletivo em junho.
PEES É “DESADEQUADO”
De forma transversal, os advogados relacionam a decisão das empresas com a divulgação dos apoios incluídos no PEES. “O plano do Governo não é vantajoso. Os apoios à retoma aumentam o encargo das empresas com os trabalhadores e exigem às empresas um reforço do maior compromisso de não despedir”, explica Nuno Ferreira Morgado. O advogado da PLMJ recorda que “as empresas vinham de um cenário de crescimento, em que o objetivo era contratar para crescer e hoje fazem contas à semana”. Apoios como estes, diz, “exigem a manutenção de emprego por longos períodos de tempo, quando as empresas já sabem que não conseguirão, nem fará sentido com as quebras de negócios atuais, mantê-los”.
Uma visão corroborada pelo presidente da Confederação Empresarial de Portugal, António Saraiva, que confirma o aumento dos despedimentos coletivos e antecipa outro, “mais grave do que esse”, o das escaladas das insolvências com impacto para milhares de trabalhadores. O Expresso sabe que entre as empresas que preparam uma reestruturação com redução de efetivos já a partir de setembro estão grandes empresas, algumas cotadas em bolsa, com impacto expressivo nas contas do emprego. “Com a atual redução de atividade e faturação, não há condições para as empresas manterem a sua estrutura de custos”, reforça Saraiva.
O presidente da CIP garante que alertou o Governo para os riscos do fim do lay-off simplificado e diz não compreender “como é que numa altura em que não há certezas em relação à retoma nem alternativas, e em que o quadro económico não mudou, o Governo aumenta o ónus sobre as empresas”. Saraiva não estranha por isso que os empresários prefiram reduzir custos imediatamente a avançar para “apoios que as fragilizam mais do que ajudam”.
“O PIOR SERÃO AS INSOLVÊNCIAS”
O mês de maio fechou com uma redução da faturação de 50% para três quartos das empresas nacionais. O futuro, garante António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), não se avizinha melhor. Em sectores como a Indústria ou Serviços, onde a carteira de encomendas permite antecipar a faturação futura, é já possível perceber que nos próximos meses as reduções de faturação irão manter-se. Um cenário que empurrará centenas de empresas para a insolvência. “A retoma não acontece por decreto”, diz o presidente da CIP. E é por isso que apesar de estar “preocupado” com o aumento exponencial que se antecipa nos despedimentos coletivos, António Saraiva diz-se “muito preocupado com o aumento das insolvências, e despedimento maciço de trabalhadores, que já se antecipa para os próximos meses”. Os advogados ouvidos pelo Expresso confirmam. Além das dezenas de processos de despedimento coletivo que já têm em mãos, aumentam também os pedidos de apoio para processos de insolvência. E os números oficiais já o traduzem. As últimas estatísticas da Crédito y Caución dão conta de um aumento de 16% nos processos de insolvência em maio. Um cenário que também para a Associação Portuguesa de Direito da Insolvência e Recuperação (APDIR) se agravará nos próximos meses. Até porque para a APDIR, o PEES apresentado pelo Governo poderá não ser suficientemente amplo ou célere para chegar às empresas em tempo útil e evitar milhares de despedimentos (Expresso, um trabalho da jornalista CÁTIA MATEUS)
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