“Bem… sinto-me triste, porque
tive um papel em tudo isso. E penso como podíamos ter feito as coisas de forma
diferente“. Em tom confessional, o ex-ministro das Finanças da Alemanha,
outrora o “todo-poderoso” Wolfgang Schäuble, deu uma entrevista ao Financial
Times onde mostra algum arrependimento pela forma como a crise da dívida
europeia foi gerida e pela pressão que foi colocada sobre os países mais
endividados, sobretudo a Grécia. Diferente como? Schäuble não terá dito muito
mais, mas assegurou continua a defender que “maior despesa pública não equivale
automaticamente a um maior contentamento” entre as pessoas. Schäuble, ministro
de Angela Merkel entre 2009 e 2017, reconhece esse sentimento de “tristeza” e
essa dúvida sobre como os líderes europeus — entre os quais, o próprio —
procuraram resolver a crise da dívida.
Contudo, recusa que a austeridade esteja
na raiz do populismo que hoje se verifica em vários governos europeus. O
problema, para Schäuble, está na imigração em massa, que criou muitos receios
entre a população. Mesmo os países mais ricos também estão a sofrer com o
populismo, o que, diz o deputado alemão, é prova de que a política de
austeridade não está na origem da vaga populista: “qual é o país europeu que
não tem este problema? Até a Suécia, que é o país quase sinónimo da abertura e
da disponibilidade para ajudar“. Na entrevista ao Financial Times, o
responsável recordou a decisão polémica de Angela Merkel de abrir as fronteiras
no auge da crise dos refugiados. O ex-ministro de Merkel diz que a decisão foi
correta mas devia ter sido tratada como uma “exceção”, ou seja, as fronteiras
não deviam ter ficado abertas nos meses seguintes, levando à entrada de
centenas de milhares de pessoas.
Não conseguimos evitar, com
essa primeira decisão, sermos mal-interpretados por todo o mundo como estando a
criar uma grande oportunidade de negócio para quem se dedica ao tráfego humano.
Esse foi o grande drama”. Essa decisão, e a forma como foi gerida, foi decisiva
para a subida de partidos populistas como o AfD (Alternativa para a Alemanha) —
que já é o principal partido da oposição no parlamento alemão e nos vários
parlamentos estaduais. “Eles atingiram um dado patamar, em que agora será mais
difícil do que antes mantê-los afastados“, lamentou Wolfgang Schäuble. De um
ponto de vista mais geral, o ex-ministro diz que muitos dos problemas da zona
euro advêm da forma como o projeto europeu foi construído. O “pecado original”
foi tentar criar uma moeda comum “sem que exista uma política económica, social
e laboral comum” para todos os estados-membros. Mas, defende o alemão, os
“pais-fundadores” quiseram avançar com a união monetária porque se estivessem à
espera de maior união política nunca mais avançariam com nada.
O problema, agora, é que “a
construção da União Europeia provou ser algo questionável”, “devíamos ter
tomados mais passos no sentido da integração, mais cedo, porque agora não
conseguimos convencer os estados-membros a dar esses passos, é impossível”. O
caso mais paradigmático foi o da Grécia, um país que Schäuble continua a dizer
que nunca deveria ter tido abertura para se juntar à zona euro. No auge da
crise, e designadamente no tema quente que era a permanência da Grécia na zona
euro, Schäuble revela que chegou a ter momentos em que esteve prestes a bater
com a porta. Quando se decidiu que a Grécia iria ter novo pacote de resgate e
ia continuar na zona euro, nessa manhã o ministro esteve “muito perto” de
abandonar o cargo. Esse momento fez Schäuble recordar a altura em que foi
convidado por Merkel para ser ministro das Finanças, em 2009 — o agora
ex-ministro terá, revelou nesta entrevista, avisado Merkel que trabalhar com
ele não seria tão “confortável” quanto era trabalhar com o anterior ministro
(Peer Steinbrück) e que Schäuble prometia ser sempre “leal”, mas nunca
“submisso”. “Sou muito teimoso”, terá dito à chanceler alemã (Observador)
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