domingo, março 06, 2016

Madeira: o Tribunal de Contas e a concessão da Zona Franca da Madeira

Pelo DL n.º 500/80, de 20 de Outubro, foi autorizada a criação, na RAM, de uma zona franca de natureza industrial, consubstanciada numa área de livre importação e exportação de mercadorias, cujo regime jurídico-fiscal, natureza, âmbito territorial, características e condições de exercício das atividades a desenvolver foram definidas no Decreto Regulamentar n.º 53/82, de 23 de agosto (Define a zona franca como um “enclave territorial onde as mercadorias que nele se encontrem são consideradas como não estando no território aduaneiro para efeito da aplicação de direitos aduaneiros, de restrições quantitativas e de demais imposições ou medidas de efeito equivalente” e, designadamente, estabelece que toda a construção de imóveis na zona franca carece de autorização prévia do Governo Regional).


Na sequência, o Governo Regional, tendo em conta que a implantação da Zona Franca “implica a delimitação, de uma área e consequente infraestrutura portuária, além de outras, as quais constituirão a área sujeita a tratamento fiscal específico” e “considerando as áreas, que são pertença da RAM na freguesia do Caniçal” deliberou que “ a Zona Franca se iria situar no Caniçal”, conforme consta da Resolução n.º 677/80, de 16 de outubro (Publicada no JORAM, I Série, n.º 39, de 23 de outubro. Mais tarde, em 30 de Junho de 1983, foi declarada a utilidade pública da expropriação de diversos terrenos sitos no Caniçal, e integrados na parcela territorial destinada à implantação da zona franca da Madeira, definindo-se, na relação e na planta anexas, a área correspondente aos imóveis a expropriar, num total de 982 920 m2, de acordo com a Resolução n.º 594/83, de 30 de junho de 1983, publicada no JORAM, II série, n.º 176, de 2/8)
Releva também que, em 2 de Outubro de 1986, foi publicado o DLR n.º 22/86/M, que estabeleceu o regime de adjudicação da administração e exploração da zona franca da Madeira e autorizou o Governo Regional a proceder à regulamentação das condições de exercício das atividades na zona franca. Assim, e por força desse diploma, o executivo regional ficou habilitado a adjudicar a administração e exploração da zona franca da Madeira a uma entidade privada nacional ou estrangeira, na qual a RAM participe ou se associe, em regime de concessão, com dispensa da realização de concurso (art.º 1.º), dada a “ vantagem” em se “obter a satisfação dos invocados fins [a promoção e a implementação céleres e eficazes da zona franca] em tempo útil que viabilize a boa execução do projeto da zona franca da Madeira” (cfr. o preâmbulo do DLR n.º 22/86/M, de 2/10). O mesmo diploma fixou que a concessão da zona franca seria realizada em regime de serviço público, pelo prazo de 30 anos, salvaguardando, no entanto, a sua eventual renovação ou prorrogação (art.º 3.º). Em linha com o estatuído naquele diploma, o Conselho de Governo, através da Resolução n.º 399/87, de 26 de março adjudicou, em regime de concessão de serviço público, à sociedade SDM-Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, Lda., após a sua transformação em sociedade anónima (Através da Resolução n.º 398/87, de 26 de março, publicada no JORAM, I Série, n.º 11, de 2 de Abril de 1987, foi autorizada a transformação da SDM-Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, Lda., em sociedade anónima e aprovado o projeto do contrato de sociedade, integrado (à data) pela RAM, para além dos seguintes sócios: Madeira Investment Company, Dionísio Fernandes Pestana, Francisco Manuel de Oliveira Costa e M. & J.- Sociedade de Turismo, S.A.), a administração e exploração da Zona Franca da Madeira, pelo prazo de 30 anos (contado nos termos contratualmente estipulados), e aprovou a minuta do contrato (Pelo DRR n.º 21/87/M, de 5 de setembro, foi aprovado o regulamento das atividades industriais, comerciais e de serviços integradas no âmbito institucional da Zona Franca da Madeira. Segundo informação constante do contrato, a respetiva minuta foi visada pela comissão de contas em 1/4/1987) estabelecendo o correspetivo título contratual (outorgado em 8/4/1987) que a contagem daquele prazo será feita “a contar da data da entrada em exploração da zona franca a qual não poderá ir além de 18 meses após o visto no contrato” (cláusula 12.ª, n.º 1).
Intervindo “na qualidade de Secretário Regional das Finanças e da Administração Pública e de ex-Diretor Regional do Tesouro, da então Secretaria Regional do Plano e Finanças” disse que “o prazo de concessão previsto na cláusula 12.ª do contrato de concessão será de 30 anos a contar da entrada em exploração da Zona Franca a qual não poderá ir além dos 18 meses após o visto da Comissão de Contas”, acrescentando que “ao Governo Regional caberia diligenciar pela identificação da data de entrada em exploração da Zona Franca para determinar a data do termo do prazo da concessão”. Tendo sido “Por esta razão, em prudência, [que] a SRF informou a SRMTC [na preparação da auditoria] que a data do termo da concessão seria considerada contados 30 anos da data da assinatura do referido contrato [2017]”. Contrariando, no entanto, a sua exposição, concluiu que “o prazo de concessão ocorrerá findos os 30 anos após a data de entrada em exploração da Zona Franca”, sem especificar o momento em que se verificou a “entrada em exploração da Zona Franca”, facto este determinante para o efeito da contagem do prazo de vigência do contrato. Mantém-se, por conseguinte, a dúvida suscitada na auditoria sobre a incerteza quanto ao momento em que ocorrerá o termo do prazo de vigência do contrato, que o contraditório não logrou esclarecer (Na auditoria, foram questionados os representantes do Gabinete da Zona Franca acerca da data da “entrada em exploração da Zona Franca”, os quais não esclareceram a questão controvertida, remetendo a resposta para a informação elaborada pelo referido Gabinete conexa com este assunto, que se encontrava a aguardar despacho do Secretário Regional). A relação contratual estabelecida entre a RAM, através da então Secretaria Regional do Plano, e a sociedade SDM-Sociedade de Desenvolvimento da Madeira, S.A. configura uma concessão de serviço público (de administração e exploração da zona franca da Madeira enquanto instrumento de desenvolvimento económico-social da Região) tendo associada uma concessão de exploração do domínio público (na medida em que absorve o uso privativo da parcela territorial destinada à implantação da zona franca, sendo esta um bem do domínio público), que se reconduz à categoria dos chamados “contratos administrativos de colaboração”. Entre os contratos públicos de “colaboração” cuja formação se encontra submetida às regras procedimentais previstas na parte II do CCP figura o contrato de concessão de serviços públicos que o legislador define como “o contrato pelo qual o co-contratante se obriga a gerir, em nome próprio e sob sua responsabilidade, uma atividade de serviço público, durante um determinado período, sendo remunerado pelos resultados financeiros dessa gestão ou, diretamente, pelo contraente público” (art.º 407º) e estabelece o seu próprio regime substantivo nos art.ºs 409º e seguintes.
À luz da normação contida no CCP (especificamente do seu art.º 31.º), a atividade pré-contratual das concessões de serviços públicos, qualquer que seja o seu valor, está sujeita a um dos seguintes procedimentos: concurso público, concurso limitado por prévia qualificação ou procedimento de negociação (n.º 1), mesmo quando o contrato não implique o pagamento de um preço pela entidade adjudicante ou seja um contratos sem valor (n.º 2). Em alternativa, o CCP prevê o recurso ao ajuste direto “Quando razões de interesse público relevante o justifiquem” (n.º 3 do referido preceito). Estabelece-se ainda que “ (…) o prazo de vigência do contrato é fixado em função do período de tempo necessário para amortização e remuneração, em normais condições de rendibilidade da exploração, do capital investido pelo concessionário”, e, ”na falta de estipulação contratual, o prazo a que se refere o número anterior é de 30 anos, nele se incluindo a duração de qualquer prorrogação contratualmente prevista” (art.º 410.º).
O Código alinhado com as obrigações comunitárias positivadas nas diretivas sobre a coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos não se ficou pela mera transposição e concretização das regras constantes das diretivas nº 2004/17/CE e 2004/18/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de março, para o direito nacional, optando por consagrar, pela primeira vez, a disciplina geral sobre as concessões de obras públicas e de serviços públicos, cujo regime é subsidiariamente aplicável aos contratos de concessão de exploração de bens do domínio público (A Diretiva 2004/17/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos nos sectores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais) e a Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços. Em 2014, foram publicadas as diretivas relativa aos contratos públicos (Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho (que revoga a Diretiva 2004/18/CE) e a Diretiva 2014/25/UE, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, energia, dos transportes e dos serviços postais (que revoga a Diretiva 2004/17/CE), e a nova Diretiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à adjudicação de contratos de concessão, encontrando-se a decorrer o prazo de transposição para o direito nacional). É consabido que, hoje, o procedimento administrativo conducente à formação de contratos para a prossecução de tarefas públicas escora-se no direito da União Europeia afirmado nos tratados e nas diretivas comunitárias sobre a coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos e que encontra expressão na legislação nacional que deflui do Código, e reclama observância pelas entidades adjudicantes em todas as suas etapas. Isto é, no domínio da contratação pública, a par do corpo de regras jurídicas aplicáveis nas fases de formação e execução dos contratos públicos, de cariz comunitário e nacional, imperam ainda os chamados “princípios fundamentais da contratação pública”, que constituem elementos essenciais que “servem de base autónoma de deveres, direitos ou faculdades dos sujeitos dos procedimentos adjudicatórios”.
A origem e a força de tais princípios radica nas quatro “liberdades fundamentais” (livre circulação de mercadorias, pessoas, serviços e capitais) indispensáveis à criação do “mercado comum” proclamado nos tratados europeus (Na versão consolidada adveniente do Tratado de Lisboa, o art.º 3.º, n.º 3, refere que a União Europeia estabelece um “mercado interno” assente numa “economia social de mercado altamente competitiva”. Ao tempo da celebração do contrato de concessão em análise (1987), o Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia (ou Tratado CEE), no art.º 2.º, afirmava que: "A Comunidade tem como missão, através da criação de um mercado comum e da aproximação progressiva das políticas dos Estados-Membros, promover, em toda a Comunidade, um desenvolvimento harmonioso das actividades económicas, uma expansão contínua e equilibrada, uma maior estabilidade, um rápido aumento do nível de vida e relações mais estreitas entre os Estados que a integram"), de onde emerge a obrigatoriedade de os Estados Membros da União Europeia legislarem e agirem de modo a assegurarem a mais ampla concorrência possível e prevenirem quaisquer favorecimentos. Entre os princípios tutelados pelo direito comunitário, e cuja aplicação se impõe, por conseguinte, à formação dos contratos públicos, sobressaem os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação em razão da nacionalidade, os quais comportam uma obrigação de transparência que se consubstancia no dever de assegurar “ a favor dos potenciais concorrentes, um grau de publicidade adequado para garantir a abertura do mercado dos contratos de serviços à concorrência, bem como o controlo da imparcialidade dos processos de adjudicação” (Cfr. o Acórdão Parking Brixen (Processo C-458/03) e o Acórdão Telaustria (Processo C- 324/98), ambos do TJUE).
Só o respeito pelos princípios em causa, e, muito em particular, pelo princípio da concorrência, garante aos operadores económicos o mais amplo acesso aos procedimentos, através da transparência e da publicidade adequadas, sendo esta a via que assegura a proteção dos interesses financeiros públicos. Com efeito, só em concorrência se formam as propostas competitivas, e só neste âmbito a entidade adjudicante pode escolher aquela que melhor satisfaça o interesse público. Ademais, a tutela da livre e sã concorrência impõe que a proposta escolhida como a melhor no confronto com as restantes, e que esteve na base do contrato, não seja, posteriormente, subvertida através da sua modificação (No respeitante às modificações contratuais situadas na fase de execução do contrato, a jurisprudência do TJUE tem defendido que a modificação dos contratos não pode permitir a sua “reconstrução” em termos de eles deixarem de corresponder às condições fundamentais ou essenciais que estiveram na base do procedimento de escolha. Como sustentou, no Acórdão Pressetext: “[c]om vista a assegurar a transparência dos processos e a igualdade de tratamento dos proponentes, as alterações introduzidas nas disposições de um contrato público durante a sua vigência constituem uma nova adjudicação do contrato, na acepção da Directiva n.º 92/50, quando apresentem características substancialmente diferentes das do contrato inicial e sejam, consequentemente, susceptíveis de demonstrar a vontade das partes de renegociar os termos essenciais do contrato (…)”. Cfr., a propósito, os art.ºs 311.º e seguintes do Código. Como reflexo do princípio da concorrência, temos: a exigência de comparabilidade (em igualdade de circunstâncias) das propostas; a intangibilidade (ou imutabilidade) das propostas até à adjudicação; e a estabilidade das regras concursais (que impede qualquer alteração das regras do procedimento após o termo do prazo para a apresentação das propostas). A dimensão “principialista” preconizada pelo direito comunitário manifesta-se também em variados preceitos do Código, entre as quais se destaca o art.º 1.º, n.º 4, que refere que “à contratação pública são especialmente aplicáveis os princípios da transparência, da igualdade e da concorrência”, e conforma-se ainda com os princípios gerais da atividade administrativa, previstos no art.º 266.º, n.º 2, da CRP, segundo o qual “os órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa-fé”, e nos art.ºs 3.º a 19.º do atual CPA, aprovado pelo DL n.º 4/2015, de 7 de janeiro.
Releva que a importância dos princípios jurídicos não se esgota no domínio estrito dos procedimentos ou dos contratos públicos sujeitos pelo seu valor ou pelo seu objeto ao regime das diretivas sobre a coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos. Tais princípios valem, igualmente, para os contratos cujo objeto não se subsuma no respetivo âmbito de aplicação – como é o caso das concessões de serviços públicos- ou cujo valor não ultrapasse o limiar previsto naquelas diretivas comunitárias (Cfr. o Acórdão Telaustria (Processo C- 324/98), onde o TJUE sustentou que, mesmo nos contratos excluídos do âmbito de aplicação das diretivas – como é o caso da concessão de serviços – não deixam de se fazer sentir e cumprir as vinculações decorrentes das regras fundamentais do Tratado). Embora, no plano comunitário, a formação dos contratos de concessão de serviços públicos não se encontre regulamentada pela chamada “hard law” (diretivas ou regulamentos), existem, no entanto, vários atos de “soft law” da Comissão Europeia que, apesar de desprovidos de efeitos juridicamente vinculativos, tornam-se particularmente importantes, na medida em que revelam o entendimento da Comissão sobre o direito comunitário, para além de constituírem fonte de inspiração da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia. É o caso da Comunicação Interpretativa da Comissão sobre Concessões em Direito Comunitário de 24/2/1999 (JOUE 2000/C 121/02) que reconhece que “embora não exista, em sede de Direito Comunitário, um conjunto de regras gerais que disciplinem, quer as fases pré- contratual, quer de execução, de uma concessão de serviço público, terão sempre que ser respeitados os Princípios e Regras do Tratado, na medida em que são adjudicadas através de actos imputáveis ao Estado e têm por objecto a prestação de actividades económicas”.
Também, segundo a mesma Comunicação, “quando uma concessão chega ao seu termo, a sua renovação equivale a uma nova concessão e, portanto, estará coberta pela presente comunicação” (Ou ainda da Comunicação Interpretativa da Comissão sobre as Concessões em Direito Comunitário (JOUE C/121/02, de 29/4/2000), do Livro Verde sobre as Parcerias Público-Privadas e o Direito Comunitário em Matéria de Contratos Públicos e Concessões (COM, de 30/4/2004), da Comunicação Interpretativa da Comissão sobre a aplicação do direito comunitário em matéria de contratos públicos e de concessões às parcerias público-privadas institucionalizadas (JOUE C/91/02, de 12/4/2008) e da Comunicação Interpretativa da Comissão sobre o direito comunitário aplicável à adjudicação de contratos não abrangidos, ou apenas parcialmente, pelas diretivas comunitárias relativas aos contratos públicos (JOUE C 179/02, de 1/8/2006). Por seu lado, o TJUE, através do Acórdão Teleaustria, de 7/12/2000 (processo n.º C-324/98), versando sobre um contrato de concessão, pronunciou-se no sentido de que, embora as concessões de serviço público não estejam sujeitas ao regime jurídico das diretivas da contratação pública, as entidades públicas contratantes devem cumprir as regras e os princípios fundamentais do Tratado, designadamente os que respeitam à não discriminação em função da nacionalidade, à igualdade de tratamento, à transparência, ao reconhecimento mútuo, à proporcionalidade, e à salvaguarda da concorrência no mercado interno. E que, no termo de uma concessão, se o respetivo prazo for estendido sem que haja a possibilidade de outros operadores económicos apresentarem propostas para a prestação do mesmo serviço, pode ficar em causa o exercício de liberdades comunitárias, tais como a liberdade de prestação de serviços e a liberdade de estabelecimento (Acórdão ASM Brescia/Comune de Rodengo Siano, de 17/07/2008, proc. C-347/06). Neste contexto, a incompatibilidade da solução acolhida na cláusula 12.ª do contrato de concessão, segundo a qual “Até um ano antes do termo do prazo da concessão poderá a RAM acordar com a concessionária o estabelecimento de um novo regime de exploração mediante novo contrato por um ou mais períodos de cinco anos” (n.º 4) (Que acolhe o instituto da renovação contratual, também presente na cláusula 13.ª, n.ºs 1 e 2, quando (em ambos os casos) adota a expressão “suas renovações”), com as atuais condicionantes de índole legal e principialista sobre a proteção da concorrência, perspetivado como um novo e autónomo critério de limitação da modificação dos contratos, que foi, de resto, admitida pelo SRF e pelo ex-DRT da (então) SRPF, no contraditório, ao afirmar “ É indiscutível que o atual quadro normativo dos contratos de concessão é substancialmente diferente e exigente do que à data de celebração do contrato de concessão da ZFM” será resolvida pela “SRF [que] tudo fará – como é aliás nosso apanágio – para cumprir, de forma escrupulosa, com a legislação aplicável no momento em que cada decisão é tomada”. Outrossim, no que respeita à conformidade do direito de preferência, constante do n.º 5 da mesma cláusula (12.ª), que estabelece o seguinte “Finda a concessão por qualquer motivo que não seja a rescisão, a administração e exploração da zona franca só poderão ser adjudicadas a outra entidade privada nacional ou estrangeira se a atual concessionária não exercer o direito de preferência no prazo de 30 dias, contados da data da notificação que deverá ser feita para esse efeito”, com as apertadas e exigentes regras e princípios jurídicos que regem a atividade pré-contratual da administração pública e que resultam quer do direito nacional e do direito comunitário, esgrimiu-se, no contraditório, “que o seu eventual exercício terá de ser sempre efetuado em igualdade de circunstâncias com os demais interessados que, com observância de todos os princípios e normas legais, eventualmente se apresentem no processo, e em cumprimento do quadro legal aplicável”.
RENDAS DA CONCESSÃO
Relativamente à remuneração da concessão dispõe o respetivo contrato, na sua cláusula 11.ª, o seguinte:
1 - A concessionária pagará à RAM a percentagem de 10% sobre:
“a) Todas as taxas cobradas nos termos do presente contrato e dos regulamentos aplicáveis;
b) Outras receitas da concessionária”.
2 - “As percentagens sobre as taxas referidas na alínea a) do número um serão pagas à RAM no mês seguinte ao do seu vencimento, sendo as referidas na alínea b) no mês imediato ao do encerramento das contas das sociedades utentes ou da concessionária”.
No que se refere aos períodos de cobrança das rendas, atendendo ao disposto na primeira parte do n.º 2 da cláusula acima transcrita e à distribuição da faturação ao longo do ano, seria de supor a ocorrência de pagamentos mensais das rendas por parte do concessionário. Todavia o que se verifica é que os pagamentos não têm uma periodicidade certa (Em 2013 ocorreram três pagamentos, em 2012 cinco, em 2011 quatro e em 2010 quatro), tendo no ano económico de 2014 ocorrido cinco pagamentos, conforme resulta do quadro seguinte.
Questionados sobre falta de regularidade dos pagamentos da concessionária os responsáveis da atual DROT169 revelaram nunca ter questionado esse aspeto. Já quanto à fórmula de apuramento das rendas, revelaram que a SDM calcula o seu valor com base no valor das vendas e prestações de serviços, ao qual abate o montante referente a clientes de cobrança duvidosa reconhecido no exercício. No que respeita aos controlos implementados pela DRT verificou-se que:
a) O único procedimento de confirmação dos montantes devidos consiste na comparação do valor pago pela SDM em cada ano, com a soma de 10% do montante dos recebimentos de clientes (DFC) com 10% do saldo da conta 72 – Prestações de serviços (balancete), para concluir, invariavelmente, que existem diferenças. Note-se que aquele procedimento, além de ser de execução recente (Apenas ocorre a partir de 2012, embora não exista nos documentos em causa qualquer elemento que permita reconduzi- los ao período a que se reportam. Por outro lado, no documento relativo a 2012 a comparação em causa nem faz sentido porque o valor das rendas consideradas não inclui o mês de dezembro), é perfeitamente inconsequente, não só porque a DRT se limita a constatar as diferenças mas, principalmente, porque o mesmo, não constitui mais do que uma aproximação grosseira ao valor das rendas.
b) As demais ações (Salvaguarda-se aqui o facto de ser elaborado um relatório de análise da prestação de contas da SDM (cfr. a Inf. n.º 23, da DSCPAF, de 04/04/2014, que incidiu sobre as contas de 2013, sendo que o documento equivalente relativo a 2014 não se encontrava disponível à data dos trabalhos de campo), pese embora a sua elaboração vise o acompanhamento da posição de acionista, não se debruçando naturalmente sobre a questão do apuramento das rendas) resumem-se à receção dos cheques remetidos pelo concessionário (acompanhados de uma carta que indica o período a que se reporta o apuramento), à emissão e contabilização das respetivas Guias de Receita e à remessa do duplicado destas ao concessionário.
A análise efetuada leva a concluir que a DRT não procede à confirmação da correção dos cálculos subjacentes ao apuramento da renda a entregar ao Governo Regional limitando-se, no essencial, a receber e contabilizar receita. Em contraditório, o SRF, também na qualidade de Ex-Diretor Regional do Tesouro, veio alegar que “efetivamente os valores não são entregues com cadência mensal, mas trimestral, tendo sido já solicitado à concessionária para cumprir com o estipulado no contrato de concessão no que se refere a esta matéria”. Já quanto à falta de conferência dos valores, aquele responsável salientou que “serão tomadas medidas conducentes a uma validação precisa de todos os valores que sejam entregues à Região, sendo que neste aspeto em particular a SRF diligenciará não só para que a concessionária proceda à entrega mensal das quantias advindas da cobrança das taxas, como também para que apresente uma nota detalhada com o apuramento dos valores, que possibilite aos serviços da DROT controlar os valores recebidos e aferir do seu correto apuramento”. O quadro seguinte, baseado na informação fornecida pela SDM (cfr. o mapa anexo III), evidencia o resultado dos cálculos da renda efetuada pelo Tribunal e pelo concessionário em 2014, apurando-se uma diferença, em desfavor da RAM de € 32.106,40:
Aqueles dados evidenciam que ao valor da faturação (líquido de Notas de Crédito), o concessionário abate o montante líquido das perdas por imparidade reconhecidas no exercício (valor das perdas abatido das reversões), para chegar à renda da concessão, procedimento que se considera incorreto por carecer de fundamento, quer à luz dos princípios gerais que definem a relação entre concedente e concessionário, quer face às disposições do contrato de concessão. Na prática aquela atuação resulta na imputação à concedente de 10% do risco de cobrança de clientes.
Inserindo-se a gestão das cobranças aos clientes na gestão corrente da entidade, constituindo uma prerrogativa do seu foro interno, considera-se não haver fundamento (inclusive contratual) para a concedente partilhar os resultados de uma política sobre a qual não intervém (Anote-se que, enquanto acionista, a RAM pode de algum modo intervir na definição dessa política, e aí ira logicamente compartilhar dos seus efeitos (através dos dividendos e do valor dos seus ativos). Contudo o papel de acionista não se pode confundir com a função de concedente). Por outro lado, ainda que se pretendesse, em abstrato, admitir a hipótese de tal partilha, teria a mesma de estar expressamente prevista no contrato de concessão o que não ocorre. Antes pelo contrário, o que a cláusula 11ª, n.º 2, dispõe é que as percentagens sobre as taxas em causa “serão pagas à RAM no mês seguinte ao do seu vencimento” (sublinhado nosso). Observa-se assim que, entre o leque de diferentes momentos passíveis de referência no processo de cobrança das taxas, as partes acordaram que o momento relevante, para efeito do cálculo da percentagem devida à concedente, era o do vencimento dessas mesmas taxas, sem quaisquer deduções ou acertos. Não restam dúvidas que as partes pretenderam claramente afastar da esfera da concedente quaisquer vicissitudes posteriores ao vencimento das taxas, deixando tais eventualidades na esfera da concessionária, que, diga-se, é onde naturalmente as mesmas se encaixam, pois é ela que as deve gerir.
Em suma, quer no plano económico, quer no plano jurídico formal do contrato, não faz sentido que a concedente compartilhe o risco de cobrança de clientes com o concessionário, já que esse risco, e a respetiva gestão, só àquele último diz respeito.
Conforme evidenciado no quadro acima (coluna 3) o recálculo da renda da concessão expurgado das ditas imparidades de clientes resulta num acréscimo de renda devida à RAM no valor de € 32.106,40, relativamente ao exercício de 2014 (coluna 4). Registe-se que a situação em apreço assume particular relevo na medida em que se verifica que as contas da concessionária evidenciam um elevado volume de dívidas de clientes, em especial as dívidas consideradas incobráveis. Constata-se aliás que o volume de dívidas de clientes constituiu motivo de uma reserva por parte do ROC relativamente às contas de 2014 (A reserva formulada refere-se ao facto de o saldo de clientes (2.947.283 euros) representar cerca de 34% das prestações de serviços do ano e à existência de valores por receber com antiguidade superior a um ano no montante de 822.442 euros, afirmando o revisor não dispor de informação analítica suficiente para determinar o ajustamento eventualmente necessário constituir sobre os saldos com antiguidade superior a um ano), e que idêntica reserva já havia sido formulada relativamente às contas de 2013. Os elementos contabilísticos da SDM permitem assim antever a necessidade de proceder ao referido recálculo das rendas relativamente aos anos anteriores. A título exemplificativo, em 2012 e em 2013 (Os elementos contabilísticos obtidos referem-se aos anos de 2014 e 2013), face à variação líquida das imparidades de clientes (511.425 euros em 2013 e 210.965 euros em 2012), haveria retificações a efetuar, a favor da RAM, nos montantes de € 51.142,50 e € 21.096,50 que traduzem um dano significativo para o interesse público. Os montantes em causa constituem um crédito da Região à luz do disposto na CRP [art.º 227.º, n.º 1, al. h] (Que dispõe o seguinte: “As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes (n.º 1) Administrar e dispor do seu património e celebrar os actos e contratos em que tenham interesse (al. h)”) e no EPARAM (art.º 143.º) (A Região Autónoma da Madeira dispõe de património próprio e de autonomia patrimonial. (n.º 1) e “A Região tem activo e passivo próprios, competindo-lhe administrar e dispor do seu património”), e que a SRPF, através da DRT, em razão das suas atribuições definidas no respetivo estatuto orgânico, aprovado pelo DRR n.º 5/2008/M, de 26 de março (Em cujo art.º 2.º, n.º 2, se estabelece o seguinte “Acompanhar e produzir relatórios, de índole financeira, sobre as participações da RAM em sociedades, sobre as concessões e sobre as parcerias público -privadas, que permitam que sejam tomadas as medidas necessárias para zelar pelos activos e pela função accionista da RAM e para garantir a sua sustentabilidade (“Propor medidas de acompanhamento, controlo e aperfeiçoamento do sistema de liquidação, cobrança e arrecadação das receitas da Região, com vista à sua maximização” (al. o). O diploma citado no texto foi revogado, em 2015, através do DRR n.º 12/2015/M, de 17 de agosto, o qual continuou, no entanto, a cometer as referidas atribuições à atual DROT, através do art.º 3.º, al. v), e do art.º 11.º, n.º 2), tinha o dever de os cobrar e entregar no cofre da Região. Não o tendo feito, desrespeitou-se ainda os princípios fundamentais que norteiam a atividade da administração pública, concretamente o princípio da legalidade e o princípio da prossecução do interesse público consagrados, respetivamente, nos art.ºs 3.º e 4.º do CPA (na versão anterior e atual). No exercício do contraditório, o Ex-Diretor Regional do Tesouro, veio defender que “o contrato de concessão refere apenas que a concessionária pagará à RAM, a título de remuneração da concessão, a percentagem de 10% das taxas cobradas, isto é recebidas, e não sobre todas as taxas que tenham sido liquidadas, conceito diferente de cobrado (recebido)”, ao que acrescenta, “[p]oder-se-á sempre dizer que o mais correto seria que os 10% deveriam incidir sobre a totalidade das taxas devidas, independentemente de terem sido cobrados (recebidas) ou não, mas essa interpretação, por si só, já extravasaria o âmbito da cláusula 11.ª do contrato de concessão, estando a Região obrigada a fazer cumprir e a respeitar os termos desse contrato, independentemente do facto de daí resultar uma situação mais favorável ou menos favorável para a Região”. No mesmo sentido se pronunciou o Ex-SRPF, referindo, em síntese, que “entende e após informação da DROT que o apuramento da renda e conforme o estabelecido no contrato de concessão e na legislação aplicável, tem por base o valor das taxas efectivamente cobradas que é diferente do valor das vendas e prestações de serviços”. Em complemento, remete ainda para as alegações apresentadas pela SRF. Observa-se que tais alegações laboram numa leitura exclusiva do n.º 1 da cláusula 11.ª do contrato de concessão (que, refere que a concessionária pagará à RAM a percentagem de 10% sobre “todas as taxas cobradas nos termos do presente contrato e dos regulamentos aplicáveis), para defender que a expressão “taxas cobradas” é equivalente a “taxas recebidas”. Ora, conforme decorre do que já se disse sobre a matéria, não se acompanha esse entendimento essencialmente por duas ordens de razões:
a) A primeira – que poderemos chamar de natureza económica – vai no sentido de que, a admitir-se que o que estaria em causa seriam as “taxas recebidas” estaríamos necessariamente a admitir como obrigação da concedente a partilha de um risco de gestão da concessionária (risco de cobrança de clientes). Hipótese que a considerar, em abstrato, só seria possível se essa partilha de risco estivesse expressamente prevista no contrato de concessão, o que não ocorre.
b) A segunda – de natureza jurídico formal – remete-nos para a interpretação dos termos da cláusula 11.ª do contrato de concessão. Assim, embora admitindo que o n.º 1, lido isoladamente, possa sustentar a interpretação que aquelas alegações vêm defender, considera-se que o n.º 2 daquela cláusula é suficiente para dissipar eventuais dúvidas, já que, ao fixar o momento para a execução do pagamento à Região, refere que “[a]s percentagens sobre as taxas referidas na alínea a) do número um serão pagas à RAM no mês seguinte ao do seu vencimento (…)”. Ao estabelecer que a percentagem sobre as taxas deve ser paga no mês seguinte ao seu vencimento, aquela disposição está igualmente a expressar que o momento relevante para o apuramento é o momento do vencimento das taxas Em regra o vencimento de uma prestação é o momento a partir do qual ela se torna exigível (o que ocorre normalmente com termo do prazo estipulado para se efetuar o pagamento) não relevando naturalmente o que ocorra daí pra diante. Diga-se aliás que o conteúdo do n.º 2 indica que a expressão “taxas cobradas” contida no n.º 1 não tem mais que um sentido genérico de «taxas fixadas», «taxas a cobrar», ou outra expressão de sentido equivalente.
A contrario, repare-se que, a admitir-se que a expressão do n.º 1 era equivalente a «cobrado» ou «recebido» conforme defendido, então nesse caso o n.º 2 teria, necessária e logicamente, de vir falar em «mês seguinte à sua cobrança» ou «mês seguinte ao seu recebimento», pois que de outra forma estaria a criar-se um absurdo.
Ponderados os argumentos trazidos ao conhecimento do Tribunal com os factos apurados na auditoria, num contexto em que não foram apresentados documentos ou quaisquer elementos que, neste ponto, só por si, implicassem uma apreciação diversa da realizada pelo Tribunal, dá-se por assente a matéria de facto constante do presente relatório, e com ela a conclusão sobre a infração financeira prevista e punida pelo art.º 65.º, n.º 1, alínea a), da LOPTC, imputável ao Ex-Diretor Regional do Tesouro. No que concerne à imputação subjetiva da responsabilidade financeira sancionatória feita no presente relatório, cabe aqui salientar que o Tribunal não acompanha o ponto de vista sustentado por aquele responsável, em sede do exercício do contraditório, discordando “do entendimento da SRMTC de que a situação descrita seja imputável ao responsável pela DRT (hoje DROT) poderiam ser imputadas todas as responsabilidades pela incorreta cobrança da receita, já que a si lhe cabe a tarefa de maximizar a receita, situação que não nos parece nem equilibrada nem exequível, por muito que seja feito em prol desse grande desígnio”.
Convirá, assim, esclarecer que a estrutura nuclear da então Direção Regional do Tesouro, vertida na Portaria n.º 37/2008, de 9 de abril, integra dois departamentos que deviam intervir na matéria em análise, mas que os elementos probatórios constantes do processo de auditoria não evidenciam uma qualquer intervenção digna de relevância jurídico-financeira. Trata-se, concretamente, da Direção de Serviços de Coordenação, Património e Apoios Financeiros (com atribuições no apoio ao “director regional na execução de medidas relativas às áreas transversais à DRF ou que envolvam mais do que uma unidade orgânica, bem como acompanhar as matérias respeitantes às participações da Região Autónoma da Madeira, as concessões, as parcerias público-privadas e os apoios e incentivos financeiros” (art.º 3.º da referida Portaria), competindo-lhe, nomeadamente, “Acompanhar e produzir relatórios, de índole financeira, sobre as participações da Região Autónoma da Madeira em sociedades, sobre as concessões e sobre as parcerias público- privadas, que permitam que sejam tomadas as medidas necessárias para zelar pelos activos e pela função accionista da Região Autónoma da Madeira e para garantir a sua sustentabilidade” (n.º 2, al. d) da citada norma) da Direção de Serviços do Tesouro (art.º 6.º), com competências na “Arrecada[ção] e cobra[nça] as receitas da Região ou de quaisquer outras pessoas colectivas de direito público que lhe sejam atribuídas por lei”. Face a essa omissão resta assacar a responsabilidade ao ex-Diretor Regional do Tesouro que responde globalmente pela atividade da referida estrutura orgânica.
Revisitada a peça do contraditório, sobressai que “a atuação da (…) ex- Direção Regional do Tesouro, tem vindo a pautar-se pelo acautelamento na arrecadação de receitas da RAM, sem exceção, sendo diligenciado na medida do seu conhecimento e das suas possibilidades que seja efetuada a devida cobrança para que os cofres do erário público não fiquem prejudicados pela não cobrança de receitas devidas”. E que “a postura do signatário, seja na qualidade de Secretário Regional, seja de Diretor Regional, de tudo fazer para beneficiar o erário público”. Acrescentando-se que “Esta linha de conduta, é, aliás, realçada pela Secção Regional da Madeira do Tribunal de Contas quando refere que “bem esteve o Secretário Regional, com a área das finanças, que em relação a ambas as propostas [ponto 3.3.2.3. do presente documento], não autorizou o perdão da dívida do concessionário”, sendo que, “em ambas as situações teve envolvimento direto nos processos”.
Invoca ainda “o facto de que agiu sem culpa ou negligência e que não existem anteriores recomendações dirigidas à Secretaria Regional das Finanças e da Administração Pública sobre as mesmas questões e muito menos o notificado foi censurado pela prática de qualquer infração” solicitando, por isso, a “relevação da eventual responsabilidade financeira sancionatória nos termos do art.º 65.º, n.º 8, da LOPTC”. Serve o exposto para concluir que a situação acima descrita não terá sido praticada de forma intencional pelo ex-Diretor Regional do Tesouro, mas meramente negligente, tendo agido na convicção de que “ a [sua] atuação está[va] em linha com o contrato de concessão”, admitindo que “ainda assim (….), caso venha a ser entendido pela SRMTC que impenderá sobre esta Secretaria Regional atuar de modo distinto perante a SDM, então, em consonância com o entendimento que venha a ser perfilhado por este Venerando Tribunal (….) serão tomadas as medidas necessárias no sentido de acautelar que o erário público não fique prejudicado à luz desse entendimento”.
Posto o que antecede o Tribunal conclui estarem reunidos os pressupostos para a relevação da responsabilidade financeira sancionatória, atento o facto de a falta só poder ser imputada ao seu autor a título de negligência, de não haver recomendação anterior, e ser a primeira vez que o TC ou um órgão de controlo interno censura o autor pela sua prática, previstos nas alíneas a) a c) do n.º 9 do art.º 65.º da LOPTC.
Numa outra vertente, constata-se que as rendas da concessão têm sido calculadas unicamente com base nas taxas cobradas pela concessionária apesar de o contrato de concessão referir que são também devidos à RAM 10% sobre “Outras receitas da concessionária” [cfr. a alínea b) do número um da citada cláusula 11ª]. Embora se reconheça que aquela disposição suscita dúvidas de aplicação, na medida em que remete para o conceito de receita, que não é coincidente com o conceito de rendimento (Rendimento é um conceito de natureza económica que, no essencial, traduz o aumento de riqueza da empresa. A receita é um conceito de natureza financeira, geralmente associado a um fluxo de tesouraria, representando um direito de receber, correspondente à remuneração das vendas, prestação de serviços, ou outras). Relativamente a este aspeto nada foi dito em contraditório.
Por fim, importa ainda referir que a Região vem contabilizando a receita da concessão como se de uma taxa se tratasse (concretamente, na C.E. 04.01.99 - Taxas, multas e outras penalidades / taxas diversas), o que se entende desajustado, na medida que, apesar de a mesma ter origem numa taxa, a remuneração da concedente, tem a natureza de uma renda. Esta qualificação afigura-se a mais ajustada se atendermos também ao conteúdo do contrato de concessão, nomeadamente ao disposto na cl. 11ª, bem como à cl. 6ª, onde é referido expressamente que “constituem receita da concessionária as taxas cobradas aos utentes no âmbito da concessão…” (fonte: Tribunal de Contas)

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