terça-feira, novembro 24, 2015

Expresso explica e analisa as 6 condições colocadas a Costa por Cavaco Silva

A 1ª condição de Cavaco: há algum papel que evite o risco de divórcio?
Os entendimentos à esquerda não garantem a aprovação de moções de confiança nem a rejeição de moções de rejeição. Mas Cavaco quer ler isso, preto no branco. Presidente da República impõe seis condições para indigitar António Costa. Analisamos a primeira
É o primeiro dos seis pontos para os quais Cavaco Silva exige "clarificação formal" dos documentos (o Presidente não lhes chama acordos) assinados entre o PS e os partidos à sua esquerda: a aprovação de moções de confiança. Tendo em conta que a rejeição de uma moção de confiança implica a queda automática do Executivo, e tendo em conta que nos textos assinados à esquerda não há qualquer compromisso claro sobre isso, não surpreende que Cavaco aponte esta como a primeira questão a suscitar "dúvidas quanto à estabilidade e à durabilidade de um governo minoritário do Partido Socialista, no horizonte temporal da legislatura".
Embora os vários documentos tenham formulações diferentes (são "distintos e assimétricos", segundo a classificação feita em Belém), isso não se passa neste caso. A única referência relacionada com este ponto levantado pelo Presidente da República tem a mesma redação nos três documentos. E não é sobre moções de confiança mas, ao contrário, sobre moções de censura. Assim, os textos asseguram que os partidos "afirmam a disposição recíproca para", entre outras questões, "examinarem em reuniões bilaterais que venham commumente a serem [sic] consideradas necessárias", matérias "cuja complexidade o exija ou relacionadas com [...] moções de censura ao Governo". Cavaco pergunta sobre a aprovação de moções de confiança, os documentos respondem sobre moções de censura - e apenas para garantir que, se surgirem, o PS e os restantes partidos falarão sobre o assunto.
COMO METER OS PAPÉIS DO DIVÓRCIO
Essa foi desde o início uma das questões mais polémicas dos entendimentos à esquerda, uma vez que o compromisso de aprovar de moções de confiança e rejeitar moções de censura faz parte do bê-á-bá de qualquer acordo de sustentação de um Governo. Não existindo isso - e não existe - o que sobra? António Costa, ele mesmo, já respondeu a essa pergunta. "Acho que é inequívoco o compromisso de que será rejeitada [uma moção de censura que seja apresentada por PSD pou CDS]", explicou o secretário-geral do PS logo no dia em que o governo da coligação foi chumbado no Parlamento. "Quando os partidos assumem condições para a estabilidade da legislatura, penso que há condições para não haver qualquer moção de censura". E se a iniciativa vier de qualquer dos partidos à esquerda? Nesse caso, diz Costa, será o fim. "No dia em que qualquer deles sentir a necessidade de apresentar uma moção de censura, é a mesma coisa que qualquer um de nós meter os papéis do divórcio: nesse dia, o casamento acabou, o Governo acabou."
Como quem diz que, nesse dia, não há acordo escrito que evite esse divórcio ou a queda do Governo. Aliás, os socialistas já lembraram que até na coligação da direita, onde tudo tinha papéis passados, ia havendo esse divórcio quando Portas anunciou a demissão "irrevogável" (texto do jornalista do Expresso, Filipe Santos Costa)
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As 2ª e 3ª condições: acalmar Bruxelas e os mercados
Os três acordos à esquerda não garantem a aprovação de Orçamentos e omitem o cumprimento dos compromissos europeus. Cavaco quer sossegar os mercados. Presidente da República impõe seis condições para indigitar António Costa. Analisamos a segunda e a terceira. Em boa verdade, a resposta que o Presidente da República exige a António Costa sobre a aprovação dos Orçamentos de Estado, ''em particular o de 2016'', e o cumprimento dos compromissos europeus do país já foi dada pelo próprio líder socialista, dentro do que lhe é possível. Os acordos que o PS assinou com o PCP, o BE e os Verdes não garantem a aprovação dos Orçamentos e omitem a questão europeia. Apenas se comprometem a ''encetar o exame comum quanto à expressão que as matérias convergentes identificadas (reposição de rendimentos e reforço do Estado social) devem ter nos Orçamentos do Estado, na generalidade e na especialidade''. É pouco, segundo o Presidente. Que receará as reações dos mercados e da própria União Europeia. Tanto mais que numa entrevista à Antena Um, na semana passada, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, disse não se poder comprometer com a aprovação do próximo OE sem primeiro conhecer o documento. Neste contexto, Cavaco quererá ouvir da boca de Costa que um Governo das esquerdas não colocará em risco os compromissos de Portugal com o euro e não abrirá novos riscos de incumprimento expondo o país à ameaça de novos resgates. E António Costa já antecipou a resposta. Ciente do buraco que os três acordos deixaram aberto nesta frente, tratou de colmatá-lo a tempo. Dois dias depois de assinar os acordos, deu uma entrevista à Reuters onde dizia o que faltava: que se pode comprometer pessoalmente com o cumprimentos dos compromissos de Portugal no seio da União Europeia.
''Aquilo que eu gostaria de transmitir a todos, designadamente aos mercados, é que Portugal manterá a estabilidade dos seus compromissos europeus'', afirmou o líder socialista. Logo a seguir, tratou de desdramatizar o facto de os acordos assinados com os parceiros à esquerda nada dizerem sobre o assunto.
''Acho que a decisão do BE e do PCP de não colocarem como matéria de discussão para a formação do Governo os temas do Pacto Orçamental ou da dívida são um bom sinal de que a mudança de política interna não se traduzirá num conflito com a nossa participação no quadro da zona euro''. Terá que ser a sua palavra a valer como garantia para o Presidente da República. De facto, quer as questões do'' Pacto de Estabilidade e Crescimento'', quer as ''exigências do Tratado Orçamental, do Mecanismo Europeu de Estabilidade e da participação de Portugal na União Económica e Monetária e na União Bancária'' (todas referidas nas exigências de esclarecimento que o Presidente da República colocou) não constam dos acordos assinados pelo PS com o PCP, o BE e os Verdes. Todas estas questões são liminarmente ignoradas. No programa de Governo do PS, aí sim, Costa reafirma a fidelidade do PS aos compromissos europeus. E aí residirá o grosso da resposta que levará a Cavaco. Questão de fé? (texto da jornalista Ângela Silva, Expresso)
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A 4ª condição: a NATO a dividir a esquerda
Ao exigir a António Costa a "clarificação formal" da questão do "respeito pelos compromissos internacionais de Portugal no âmbito das organizações de defesa coletiva", o Presidente da República quer que o líder socialista se pronuncie, fundamentalmente, sobre um ponto que distancia PS de bloquistas e de comunistas: a pertença de Portugal à NATO. Socialistas têm um compromisso absoluto com a política atlântica; Bloco de Esquerda e PCP defendem a dissolução da NATO. Como aconteceu com a generalidade dos assuntos que suscitam divergências entre os partidos de esquerda, tal ponto ficou de fora das posições conjuntas assinadas.
Ainda no final de outubro, quando dos exercícios militares da Aliança Atlântica na costa portuguesa, perto de Grândola, tanto BE como o PCP se declararam contra tais manobras, reiterando na altura a sua oposição à participação de Portugal na NATO.
A posição de comunistas e de bloquistas tem, aliás, um amparo na Constituição da República. Com efeito, segundo o artigo 7º do texto fundamental, sobre as "relações internacionais", "Portugal preconiza", entre outras coisas, "a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, com vista à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos". Uma formulação aprovada em 1976 pelos deputados constituintes - quando Portugal vivia em fervor revolucionário e a Guerra Fria deixava o mundo suspenso da possibilidade de um conflito nuclear - que foi mantida inalterada nas diversas revisões constitucionais. Em meados da década de 70, havia dois blocos político-militares. Além da NATO (de que Portugal foi membro-fundador, em 1949), que reunia os países ocidentais e era liderada pelos EUA, o Pacto de Varsóvia agregava os países de Leste, sob o comando da União Soviética. Com a queda do Muro de Berlim e as reações em cadeia que levaram à dissolução da URSS, o Pacto de Varsóvia, com toda a naturalidade, autodissolveu-se (texto do jornalista Paulo Paixão do Expresso)
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A 5ª condição: sossegar os patrões
Presidente quer ver Costa esclarecer que papel reserva para a concertação social. Uma resposta às queixas apresentadas pelas confederações patronais e um recado para a CGTP. Presidente da República impõe seis condições para indigitar António Costa. Analisamos a quinta. É o quinto ponto do caderno de encargos apresentado esta segunda-feira por Cavaco Silva a António Costa. O Presidente tem dúvidas sobre o "papel do conselho permanente de concertação social" reservado nos acordos assinados com BE, PCP e Verdes e sublinha "a revelância do seu contributo para a coesão social e o desenvolvimento do país". O pedido de esclarecimento adicional tem uma justificação clara: o chefe de Estado levou em consideração os apelo feitos pelos patrões - da indústria, do comércio, da agricultura e do turismo - que foram a Belém alertar para o perigo de um "esvaziamento da concertação social" com a entrada em funções de um Governo do PS. O motivo principal para este receio chama-se “salário mínimo” (SMN) e tem uma explicação simples. A decisão de aumentar o SMN tem sido tomada em sede de concertação social, mas António Costa deu sinais de que pode mudar o status quo.
De facto, o líder socialista foi um dos primeiros a pronunciar-se sobre a necessidade de fazer crescer o salário mínimo. Precisamente no dia em que patrões e UGT fecharam o acordo que permitiu passar para 505 euros o salário mínimo a partir de outubro de 2014, António Costa lamentou que o acréscimo não fosse até aos 522 euros, garantindo que subiria esse valor se os socialistas chegassem ao Governo.
Nas negociações com o Bloco, o PCP e os Verdes, o tema voltou a estar em cima da mesa, com um compromisso de alcançar os 600 euros de SMN no período de uma legislatura - um compromisso que todos acabaram por subscrever. Os patrões não gostam da perspetiva de ver o valor do salário mínimo ser decretado por portaria governamental. Já a CGTP aplaude a ideia. Arménio Carlos - que nunca subscreveu qualquer acordo de concertação sobre este tema - tem referido que o tema é da exclusiva competência do Executivo e vê no novo quadro político saído das legislativas uma forma de virar a página. Numa das suas últimas intervenções, o líder sindical assumiu mesmo que a CGTP tenciona passar a privilegiar “a negociação bilateral com o Governo”, já que, na concertação social, “as confederações patronais adquiriram um conjunto de privilégios durante o período de Governo do PSD e CDS e já deixaram a indicação que não querem perder nem querem ceder uma linha” (pela jornalista do Expresso, Rosa Pedroso Lima)
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A 6ª condição: garantir a estabilidade do sistema financeiro
Cavaco pode estar preocupado com dívida externa portuguesa. Está em 225% do PIB e a banca é responsável por uma parte importante. Mas há também dossiês pendendes - como o Novo Banco. Presidente da República impõe seis condições para indigitar António Costa. Analisamos a sexta. A preocupação de Cavaco Silva com a estabilidade do sistema financeiro poderia justificar-se em qualquer contexto, porque os bancos são sempre vitais no funcionamento das economias, mas assume particular relevância num país como Portugal com uma dívida externa superior a duas vezes o Produto Interno Bruto (PIB).
No final de setembro, Portugal tinha uma dívida externa bruta de 400 mil milhões de euros, qualquer coisa como 225% do Produto Interno Bruto (PIB), dos quais 74,7 mil milhões de euros eram responsabilidade da banca.
Mas a relação dos bancos com o exterior não se fica porque aqui porque, a este montante, acrescem ainda as injeções de liquidez do Banco Central Europeu (BCE) - que na verdade são realizadas pelo Banco de Portugal mas, indiretamente, representam financiamento do exterior ao sistema financeiro. Em outubro, estavam em 23,8 mil milhões de euros.
A preocupação de Cavaco Silva com a estabilidade do sistema financeiro pode estar também relacionada com a necessidade de manter a banca em condições de dar crédito à economia depois de anos de forte aperto do cinto. Recorde-se que, com o programa da troika, foi imposto um pesado programa de desalavancagem (redução de endividamento e concessão de crédito) e só este ano está a haver uma inversão significativa.
O programa da troika previa uma linha de recapitalização para os bancos que foi usada em vários casos e cujo capital injetado não foi ainda totalmente devolvido. Cavaco poderá também estar preocupado com alguns bancos específicos como o Novo Banco, que foi intervencionado e cuja venda falhou (pelo jornalista do Expresso, João Silvestre)

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