Escreve o
Dinheiro Vivo: “Felizmente a questão de uma eventual saída do euro deixou de
ser um tema tabu. Há já hoje, em Portugal e no exterior, muita reflexão sobre
essa matéria. Para quem, como eu, não tem a religião do euro - ficou provado
que a participação no euro foi um desastre de grandes proporções, que põe em
causa a própria sobrevivência do nosso País -, é prioritário para Portugal sair
do euro, uma vez que não temos qualquer possibilidade de crescer rapidamente
dentro de uma zona monetária com uma moeda tão forte como é a moeda
europeia. Acho espantoso que os
defensores da nossa participação no euro, depois de terem sido completamente
desmentidos nas suas afirmações que aconselhavam a nossa participação na moeda
única, façam agora o seguinte raciocínio: "Como a participação no euro foi
um desastre, a partir de agora é que vai ser um êxito." O argumento é obviamente pouco inteligente e
revela uma incapacidade de análise crítica confrangedora, própria - como já
tive oportunidade de dizer - das nossas elites. E a afirmação é tanto mais
descabida quanto é certo que a nossa estrutura produtiva está hoje ainda muito
mais débil do que estava em 1992. Logo, mais alguns anos de moeda forte terão
um efeito muito mais devastador ainda do que tiveram nos quinze que decorreram
entre o início da caminhada para a moeda única e a crise actual. Quem considera
que temos possibilidade de estar no euro com a economia no estado de debilidade
em que actualmente se encontra, a meu ver, não sabe o que diz. Mas quando as questões
monetárias entram no domínio religioso, é impossível debater as coisas de forma
minimamente racional. Por isso, é confrangedora a incapacidade desses
dogmáticos do euro para refletirem sobre o desastre: não o da nossa saída, como
costumam ameaçar, mas daquele que resultará da nossa permanência na moeda
única.
A prioridade das
prioridades deve ser repor o equilíbrio na nossa estrutura produtiva entre
produção de bens transaccionáveis e não transaccionáveis. Um país como o nosso,
quando tem apenas - como na actualidade - 13% do PIB originado na indústria e
2% gerado no sector primário, não vai longe. Precisa de uma reindustrialização
urgente (incluindo neste termo o sector primário). Para tal é necessário um
grande golpe de rins, um intenso choque competitivo que, para ser susceptível
de ser suportado pela população, tem de provir necessariamente da
desvalorização cambial. De outra forma, o choque competitivo será de tal forma
doloroso do ponto de vista social que a população não o suportará. O País precisa também da emissão monetária
própria para permitir ao Estado evitar a bancarrota interna. E não só: a
emissão monetária própria é também necessária para amenizar os efeitos
negativos da desvalorização cambial, em particular sobre os mais endividados e
os de menores rendimentos. Mas a saída da zona euro não deve ser feita de
qualquer maneira. Deve ser controlada. Existiria aí, sim, um desastre se
fôssemos empurrados para fora do euro - situação que considero inevitável, se
persistirmos em manter-nos lá a todo o custo. Também não me parece viável nem
desejável, do ponto de vista político, a solução que alguns autores propõem de
uma saída de um dia para outro, que apanhe os cidadãos desprevenidos, após uma
preparação secreta. Tal seria politicamente inaceitável, exigiria certamente a
declaração de um estado de excepção e é mais do que duvidoso que se pudesse
manter o sigilo na preparação da saída. Por isso, a saída deve ser anunciada
simultaneamente pelas autoridades nacionais e comunitárias.
Para sairmos de
forma controlada, para além de só se dever encarar a questão quando a zona euro
estiver minimamente estabilizada, há pelo menos cinco condições que deverão ser
asseguradas:
a) Anunciar-se-ia
amplamente (e cumprir-se-ia, claro) que as aplicações financeiras em
instituições portuguesas manteriam o seu valor em euros, de modo a não se gerar
um pânico na transição para a nova moeda; quanto ao Estado, continuaria a
honrar a sua dívida em euros. Esta garantia deveria ser prestada pelas
autoridades nacionais e comunitárias em conjunto.
b) O balanço dos
bancos não seria prejudicado, pelo que os créditos a famílias, empresas e
Estado aumentariam na nova moeda em função da desvalorização desta.
c) Para evitar um
incumprimento generalizado por parte dos devedores à Banca, o Estado
substituir-se-ia a estes no montante do aumento da dívida em moeda nacional que
resultasse da desvalorização. O Estado financiaria este acréscimo de dívida
(que é interno) através de empréstimos contraídos junto do Banco de Portugal expressos
na nova moeda.
d) Entraríamos no
Mecanismo de Taxas de Câmbio II, que regula as relações dos países do euro com
as dos estados membros que não adoptaram a moeda europeia. Tal significa que,
ajudados pelo BCE, teríamos de manter a nova moeda numa banda de flutuação de
15% em relação a uma taxa de referência da nova moeda relativamente ao euro;
esta taxa de referência seria desvalorizada todos os meses em regime crawling
peg (desvalorização deslizante), de modo a que a desvalorização da nova moeda se
fizesse de forma progressiva.
e) Seria obtida a
cooperação das autoridades europeias em dois pilares: governos e BCE. Os
governos autorizariam um novo empréstimo (empréstimo que, em qualquer dos
casos, vai ser necessário) que será fundamental para honrar a dívida do Estado
e sustentar a balança de pagamentos durante o período de um ano, um ano e meio
que a desvalorização da moeda demorará até ter efeitos positivos no
reequilíbrio das contas externas; o BCE comprometer-se-ia a renovar durante
algum tempo a dívida dos bancos portugueses e também - como, aliás, é seu dever
- a ajudar a nova moeda a manter-se na banda de flutuação. Abriria ainda uma
facilidade especial, temporária, de crédito aos bancos portugueses durante a
fase de transição para a nova moeda, a utilizar, se necessário, de modo a
reagir imediatamente a qualquer sintoma de pânico.
Não me parece
inviável obter o apoio das instituições comunitárias e dos estados-membros para
uma saída controlada do euro, pois a saída da zona euro será benéfica para
Portugal e sê-lo-á também para os outros parceiros da moeda única. Queiramos ou não, a verdade é que a débil
situação estrutural da nossa economia será sempre e cada vez mais um factor
potencial de instabilização da zona euro e, por isso, os nossos parceiros
receberão certamente, com alívio, essa saída (se for controlada) e tomarão uma
atitude cooperante. Há, pois, condições
para um divórcio de mútuo consentimento. Mais: arrisco-me a afirmar que os
mercados também a encararão com optimismo, se forem prestadas as garantias
suficientes que acima referi.
Com efeito, a
confiança que nos atribuíam por pertencermos ao euro, perdeu-se há muito tempo.
Estava assente no pressuposto de que, em caso de dificuldades de um país, os
outros ou as instituições europeias o apoiariam incondicionalmente. Esse
pressuposto - no qual nunca acreditei - esfumou-se completamente. Então, só há
uma possibilidade de cumprirmos os nossos compromissos: é recomeçarmos a
crescer rapidamente com base na produção de bens transaccionáveis, gerando
saldos positivos na balança de pagamentos. Objectivos que os mercados sabem
muito bem que não conseguiremos alcançar continuando a fazer parte do euro. A
saída é uma condição essencial para evitar a estagnação durante décadas e para
manter um mínimo de autonomia em termos políticos, mas não nego que tem riscos.
A verdade é que também o tem qualquer operação cirúrgica que infelizmente
precisemos de fazer. Sofrer uma intervenção cirúrgica é arriscado e doloroso.
Mas, muitas vezes, é a única forma de salvar o doente. Para Portugal poder
ganhar de novo esperança no futuro, a primeira ruptura a fazer é - volto a
repetir - a saída do euro. Mas não será a única. É importante também fazer um
corte relativamente ao que tem sido o essencial da política externa.
Reforço de novas
alianças não europeias
Desde que aderiu
à então CEE, em 1986, Portugal optou pelo completo seguidismo em relação à
Europa. Tudo em nome do princípio absurdo de que o que é bom para a Europa é
bom para Portugal. Nenhuma autonomia de pensamento, nenhuma visão sólida dos
interesses nacionais permanentes presidiu a esta antipolítica que foi o
seguidismo europeu. Este comportamento é bem característico da qualidade das
nossas elites, a que já me referi. Elites que, neste domínio, devem ter
personificado um caso único em toda a História. Com efeito, tem sido
relativamente frequente ao longo dos tempos que um estado emergente estabeleça
como objectivo nacional dotar-se de moeda própria. Compreende-se porque é um
instrumento importante para a sua autonomia. Mas que uma elite, como a
portuguesa, estabeleça, como único projecto nacional consistentemente
prosseguido, perder a autonomia monetária deve ser caso único da História e
revela bem a qualidade dessa elite. Este
seguidismo europeu só recentemente tem vindo a ser corrigido (mas não no que se
refere ao programa de ajustamento económico e financeiro) de forma ténue,
devido, em primeiro lugar, à crise. A mudança começou ainda no tempo dos
governos Sócrates e tem continuado no actual governo, o que, em minha opinião,
constitui um aspecto positivo. Positivo mas insuficiente.
É preciso ir
muito mais além e ter noção de que os nossos aliados de futuro não se podem
encontrar numa Europa dominada pela Alemanha, que já provou ser implacável para
com os mais débeis. Seria um desastre embarcarmos numa estratégia de
"orgulhosamente sós"19. Pelo contrário, existem felizmente muitas
alternativas: toda a América (do Norte e do Sul), Angola, China e outras nações
do Extremo Oriente são parceiros que podem e devem ter muito mais entrada no
nosso futuro. Vou dar um exemplo. Temos já hoje uma enorme riqueza ainda por
explorar, que é a nossa plataforma continental - e espera-se que venha até a
alargar os seus limites. A Europa já olha gulosa para essa oportunidade (ver a
recente Declaração de Limassol sobre o assunto, de Outubro de 2012, em que se
acena com fundos para uma política marítima europeia). Já inventou uma política
marítima europeia e, sabendo o que a casa gasta, já promete fundos às nossas
elites para que estas abram mão dos recursos. Não devemos deixar a Europa,
enquanto tal, imiscuir-se no aproveitamento da nossa plataforma continental (o
que não quer dizer que não acolhamos países europeus individualmente
considerados). Mas as grandes parcerias que devemos estabelecer para
aproveitarmos essa riqueza devem estar na América, em particular, nos Estados
Unidos e Brasil.
Conclusão: O
ressurgimento nacional
Quando aderimos à
moeda única, entrámos no projecto errado. Errado para nós e, quase certamente,
errado também para a Europa. Temos de mudar de projecto. Persistir naquilo que
visivelmente não funciona, além de obtuso, é desastroso. Esta mudança é uma
condição essencial para permitir um ressurgimento nacional, que passa
necessariamente pela adopção de novas estratégias e por novos posicionamentos
no mundo. Não se trata de cortar com a Europa. Mas precisamos de ter
consciência de que a Europa de 2013 pouco já tem que ver com a de 1986. É hoje
um espaço de domínio alemão. Por isso, temos toda a vantagem em adoptar um
posicionamento na cena europeia semelhante aos Ingleses que, como sempre, viram
muito melhor do que os outros o que verdadeiramente significava a moeda única.
Trata-se de
ganhar de novo autonomia monetária, que permita libertar o Estado da bancarrota
interna e que possibilite a inadiável reindustrialização através de um choque
competitivo que só pode vir de uma significativa desvalorização cambial.
Trata-se também
de avançar para projectos verdadeiramente nacionais, como a exploração das riquezas
marítimas (e não nos enganemos: elas são, de facto, muitas) em parcerias com
países de outros continentes.
Temos um futuro à
nossa frente, que pode ser aliciante e digno. Mas para isso é preciso cortar
com a asfixia europeia. Persistirmos numa atitude seguidista face à Europa,
atitude que era já inadequada quando a Europa funcionava bem, mas que se torna
agora incompreensível quando a União se transformou num espaço de exercício do
poder alemão, é não só inadequado mas positivamente tolo.
Portugal merece
melhor” (fonte: novo livro de João Ferreira do Amaral, "Porque devemos
sair do euro: O divórcio necessário para tirar Portugal da crise". O autor
argumenta que podemos e devemos sair do euro, permanecendo na União Europeia.
Explica como e quando e aponta os caminhos para um Portugal pós-euro)