domingo, agosto 21, 2011

"Deslocalização fiscal" faz-se para reduzir custos e evitar impostos

"Os grupos económicos aproveitam-se da desarmonia fiscal na UE para aumentar os lucros da actividade, mas reduzem receitas fiscais nacionais. A "deslocalização fiscal" acontece porque não existe uma harmonização fiscal na União Europeia. Aproveitando-se das diferentes legislações nacionais, os grupos económicos conseguem reduzir custos de actividade e, consequentemente, obter lucros maiores. Mas sobretudo pagam menos impostos do que pagariam em território nacional, embora isso lapide receitas fiscais nacionais e aumente a desigualdade na tributação dos diferentes tipos de rendimento. Esta é a síntese das opiniões de três fiscalistas ouvidos pelo PÚBLICO sobre as vantagens de os grupos nacionais terem actividade societária em países e paraísos fiscais. Rogério Fernandes Ferreira, ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais do último governo de Guterres e partner da sociedade PLMJ considera "normal que, num mercado aberto, os agentes económicos se desloquem" para onde seja "mais atractivo". Sobretudo, num contexto de "concorrência fiscal" internacional. Isso é positivo. Mas, na sua opinião, pode ser negativo por potenciar a deslocalização "por razões meramente fiscais, eliminando parte bem relevante das receitas tributárias (...) gerando injustiça e desigualdade". A "deslocalização fiscal" - segundo o fiscalista Jaime Esteves, partner da firma PriceWaterhouseCoopers - permite "um conjunto lato de vantagens, como menor tributação em imposto sobre o rendimento" e atenuar custos da deslocalização dos estabelecimentos. Seja por taxas mais baixas, "isenções de certos rendimentos, consideração de certos gastos, retenções na fonte impostas, rede de convenções internacionais para evitar a dupla tributação, créditos de imposto por dupla tributação disponíveis, etc." A tributação dos accionistas também é relevante. O mesmo para a tributação indirecta (IVA ou imposto de selo). Marta Gaudêncio, fiscalista da firma de advogados Espanha & Associados, concorda: a razão "mais óbvia" é a de reduzir a carga fiscal. E para cada objectivo, há destinos concretos. Nos dividendos, "as sociedades holding ["cabeças" de grupo] sediadas no Luxemburgo e na Holanda, por exemplo, beneficiam de uma isenção na tributação de dividendos recebidos de empresas criadas fora da UE. O Luxemburgo possui ainda "uma vasta rede de serviços adicionais" para o sector financeiro (jurídicos, de consultoria de gestão e fiscal, informática, etc.). Muitas vezes - diz Marta Gaudêncio - as escolhas radicam apenas na estabilidade legal. É o caso do Luxemburgo não mexe no seu regime das holdings desde 1929 e que permite prever o regime futuro, através de decisões vinculativas do fisco. O Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) é - diz Jaime Esteves -"um local privilegiado para a instalação de sedes de empresas multinacionais", devido à isenção de dividendos e mais-valias em casos de participações qualificadas, tudo associado a uma "rede invejável de acordos de dupla tributação internacional, regime fiscal favorável para expatriados" e serviços competentes. Os seguros no Luxemburgo são atraídos por um regime mais flexível de provisões.
Mas é ténue a linha entre o lícito e o abusivo. Em casos já detectados, os grupos simulam actividades com o único fito de fugir aos impostos. Um dos casos mencionados nos relatórios do Ministério das Finanças sobre o combate à fraude e evasão fiscais é o de treaty shopping. O grupo - arriscando-se a ser tributado duas vezes (em Portugal e num desses países) - escolhe o acordo de dupla tributação mais vantajoso. E canaliza artificialmente a actividade para sociedades-veículo no país do melhor acordo. A facilidade de fluxos internacionais e a manipulação de actividades no seio dos próprios grupos já fez a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) considerá-los como o "ambiente propício" para a fuga fiscal e que "deverão constituir o alvo prioritário" do fisco. A IGF tem detectado complicados esquemas que redundam em "elevados montantes de prejuízos fiscais" ou fuga à tributação. Todos os esquemas têm, desde 2008, de ser comunicados às autoridades, mas apenas uma pequena parte é transmitida
" (texto do jornalista do Publico, João Ramos de Almeida, com a devida vénia)

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