sábado, agosto 07, 2010

Opinião: "O rosto mutilado de uma mulher afegã vale por uma guerra?"

"Uma adolescente cruelmente desfigurada pelos taliban encheu a capa da Time, algo entendido como um apelo à continuação da guerra. Bibi Aisha é uma adolescente bonita, com o cabelo escuro a cobrir-lhe um dos lados da cara, pesado. Olhos escuros que nos interpelam a partir da capa da revista Time desta semana, é uma bela rapariga afegã - mas a estranheza atinge-nos como um soco: onde devia estar o seu nariz está um buraco. "O que acontece se deixarmos o Afeganistão", diz o título ao lado do rosto de Aisha, sem ponto de interrogação nem dúvidas. A polémica estalou com esta capa, em que a história dramática de uma jovem mulher é usada como cartaz de uma mensagem política. Aisha tem 18 anos e foi o seu marido, taliban, que lhe cortou o nariz e as orelhas. O pai entregou-a a esse homem quando ela tinha dez anos, juntamente com a sua irmã mais nova, para pagar uma dívida de sangue do tio dela. Era obrigada a dormir no curral, com o gado, espancada constantemente e usada como escrava. Um dia fugiu, foi apanhada e mandada para a prisão em Kandahar, porque na província de Oruzgan, no Sul do país, não havia cadeia para mulheres. Quando foi libertada e entregue ao marido, este cortou-lhe o nariz e as orelhas. Na cultura pashtun, diz-se de um marido que foi envergonhado pela sua mulher que perdeu o nariz, explicou ao The New York Times Manizha Naderi, que lidera o grupo Mulheres pelas Mulheres Afegãs, que gere o abrigo que acolheu Bibi Aisha. Por isso, do seu ponto de vista, estaria apenas a fazer uma espécie de "olho por olho, dente por dente..."
Aisha (bibi é um tratamento honorífico) foi tratada numa base militar americana. Despertou o interesse de Ching Eikenberry, mulher do embaixador dos EUA em Cabul, e também da Grossman Burn Foundation, na Califórnia, que lhe vai pagar a cirurgia reconstrutiva nos Estados Unidos. Na verdade, Aisha viajou para a Califórnia na quarta-feira, quando o seu caso fazia furor, escândalo, ou simplesmente causava indignação nos Estados Unidos Desde que a capa da Time foi conhecida, com uma foto da fotógrafa sul-africana Jodi Bieber, ninguém ficou indiferente. Mas os opositores da guerra no Afeganistão foram os críticos mais ferozes: tomaram-na como um apelo à presença militar no Afeganistão. A Time defende-se: "Não mostramos esta imagem para apoiar o esforço de guerra dos EUA ou em oposição a ele", garante o director, Richard Stengel
A jornalista Christiane Amanpour mostrou-a na televisão ABC à speaker do Congresso Nancy Pelosi, e interrogou-a sobre quão empenhada estava a América em continuar a apoiar as mulheres afegãs. Pelosi não conseguiu evitar afastar os olhos, antes de dar uma resposta de circunstância. Tom Scocca, colunista da Slate, sublinhou a semelhança - uma "paródia grotesca", na sua opinião - com uma capa da National Geographic de 1985 que mostrava uma refugiada afegã com uns olhos impossivelmente azuis/verdes. "A mensagem, então, era que a guerra - a invasão soviética - estava a ter um terrível custo humano. A mensagem da Time é que os afegãos não estão a ter guerra suficiente", diz. E Aisha, o que pensa? Bem, ela nem sabe ler, mas quer aprender. Mas quando um repórter do New York Times lhe perguntou o que pensava da controvérsia em torno da sua fotografia, e se isso poderia ajudar outras afegãs, ela não estava muito certa. "Não sei se vai ajudar outras mulheres ou não. Só quero ter um nariz outra vez", disse, tapando a cara com o lenço da cabeça, como faz sempre
(pela jornalista do Publico, Clara Barata, com a devida vénia)

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