"Directora do DCIAP decidiu incluir as 27 perguntas no despacho final como moeda de troca. Agora, a história ficou mais clara. Em Maio, os dois procuradores do processo Freeport disseram à directora do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), Cândida Almeida, que não iam abdicar de ter os depoimentos do primeiro-ministro José Sócrates e do ministro Pedro Silva Pereira. Só estavam à espera do relatório final da Polícia Judiciária para formular as perguntas. A 21 de Junho, o relatório ficou pronto. No início de julho, as perguntas foram feitas. No dia 12, enviaram-nas a Cândida Almeida, para terem o seu aval. E foi nessa altura, confirmou o Expresso, que os três magistrados se sentaram à mesa. Para negociar. Sem se comprometer por escrito com os procuradores, ao contrário do que o estatuto do Ministério Público determina quando vêm instruções de cima, a procuradora-geral-adjunta definiu, com eles, o desfecho da investigação ao alegado esquema de corrupção para a aprovação ambiental, em 2002, do centro comercial de Alcochete, quando Sócrates era ministro do Ambiente e Silva Pereira era secretário de Estado da Conservação da Natureza. A reprodução no despacho final do processo Freeport de uma lista de 27 perguntas a Sócrates e de outras dez destinadas a Silva Pereira, todas deixadas por fazer, foi decidida naquele momento pela directora do DCIAP como contrapartida para deixar cair as inquirições aos dois membros do Governo e evitar, ao mesmo tempo, que a acusassem de falta de transparência, pelo que apurou o Expresso. Não foi, como parecia inicialmente, uma iniciativa exclusiva dos procuradores Paes de Faria e Vítor Magalhães.
O controverso documento de arquivamento e acusação, concluído a 23 de Julho, foi atacado pelo próprio procurador-geral da República com uma crítica na terceira pessoa do singular, num sinal de distanciamento: “Nunca o PGR viu um despacho igual”. Uma entrevista de Pinto Monteiro ao “Diário de Notícias”, em que equiparava os seus poderes aos da rainha de Inglaterra, incendiou a semana, provocando uma reacção violenta do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, acusado de actuar como um pequeno partido político”. Na origem estava o Freeport e um problema delicado. Em Julho, Cândida Almeida entrara numa rua sem saída e dificilmente poderia voltar atrás. Apesar de conhecer a intenção dos procuradores em ouvir Sócrates e Silva Pereira (que o Expresso, aliás, noticiara meses antes) e consciente do atraso que levava o relatório da PJ, a directora decidiu avançar mesmo assim com a data definitiva de 25 de Julho — coincidindo com o fim do segredo de justiça — para dar a investigação por encerrada (o jornal “Público” escreveu, nesta sexta-feira, que isso consta de dois despachos assinados por ela a 28 de Maio e a 7 de Junho). Foi isso que propôs e assim foi decidido pelo vice-procurador-geral Mário Gomes Dias, em reacção a um requerimento de aceleração processual colocado por um dos assistentes do inquérito, Fernando Lopes.
Havia um senão. Como o pedido dos procuradores para as inquirições e todas as perguntas a fazer passaram a constar, preto no branco, de um despacho interno, a procuradora-geral-adjunta temeu, de acordo com uma fonte do DCIAP, que o documento “viesse a cair nas mãos erradas”, servindo para todo o tipo de interpretações. Era preciso encontrar uma solução de compromisso. Para impedir outros males Cândida Almeida percebeu que, se o despacho interno viesse a ser tornado público, ela corria o risco de vir a ser acusada de desvirtuar a investigação, no escrutínio mediático que se seguiria (e que, de facto, se seguiu) sobre os motivos que levaram o MP a abdicar de inquirir Sócrates — quando o primeiro-ministro tinha sido várias vezes citado nos autos como um dos implicados no alegado esquema de corrupção do Freeport e quando foram ouvidas quase 100 pessoas mas ele não. Ninguém iria perceber por que razão as perguntas tinham sido submetidas à hierarquia sem terem qualquer sequência. Por isso, a sequência acabou por ser a sua reprodução no próprio despacho de arquivamento e acusação. Eram perguntas interessantes para colocar, mas não iam alterar grande coisa, justificou a directora do DCIAP numa nota incluída no final das 252 páginas do documento e que serviu para dar o seu aval ao trabalho feito pelos magistrados, aproveitando para os elogiar. Um dos argumentos utilizados por Cândida Almeida na discussão com os procuradores para deixar cair os dois depoimentos foi o atraso que isso iria implicar na conclusão do inquérito. “Não se sabia quantos meses” iriam ser precisos para “inquirir testemunhas que podiam nem vir a ser arroladas pelo Ministério Público”, para reforçar a prova contra os dois únicos arguidos acusados no despacho final — os consultores Manuel Pedro e Charles Smith — por indícios de tentativa de extorsão.
A demora prendia-se com a necessidade de solicitar autorização prévia ao Conselho de Estado para o primeiro-ministro poder depor. No entanto, quando no verão do ano passado a juíza de instrução criminal do processo de corrupção Cova da Beira (em que Sócrates era um dos suspeitos iniciais) acedeu ao pedido de um dos arguidos para ouvir o primeiro-ministro como testemunha, o procedimento de autorização pelo Conselho de Estado levou apenas três semanas. As perguntas foram enviadas pelo tribunal no dia 22 de Junho ao presidente do Conselho de Estado, Cavaco Silva, e o secretário do Conselho respondeu no dia 14 de Julho, a dar luz verde. Sócrates remeteu depois as respostas escritas à juíza a 4 de Setembro. No caso de Silva Pereira, de qualquer forma, nem seria assim. Para responderem, os ministros não precisam de ter o aval do Conselho de Estado. Basta serem convocados" (pelos jornalistas do Expresso, Micael Pereira e Rui Gustavo, com a devida vénia)
O controverso documento de arquivamento e acusação, concluído a 23 de Julho, foi atacado pelo próprio procurador-geral da República com uma crítica na terceira pessoa do singular, num sinal de distanciamento: “Nunca o PGR viu um despacho igual”. Uma entrevista de Pinto Monteiro ao “Diário de Notícias”, em que equiparava os seus poderes aos da rainha de Inglaterra, incendiou a semana, provocando uma reacção violenta do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, acusado de actuar como um pequeno partido político”. Na origem estava o Freeport e um problema delicado. Em Julho, Cândida Almeida entrara numa rua sem saída e dificilmente poderia voltar atrás. Apesar de conhecer a intenção dos procuradores em ouvir Sócrates e Silva Pereira (que o Expresso, aliás, noticiara meses antes) e consciente do atraso que levava o relatório da PJ, a directora decidiu avançar mesmo assim com a data definitiva de 25 de Julho — coincidindo com o fim do segredo de justiça — para dar a investigação por encerrada (o jornal “Público” escreveu, nesta sexta-feira, que isso consta de dois despachos assinados por ela a 28 de Maio e a 7 de Junho). Foi isso que propôs e assim foi decidido pelo vice-procurador-geral Mário Gomes Dias, em reacção a um requerimento de aceleração processual colocado por um dos assistentes do inquérito, Fernando Lopes.
Havia um senão. Como o pedido dos procuradores para as inquirições e todas as perguntas a fazer passaram a constar, preto no branco, de um despacho interno, a procuradora-geral-adjunta temeu, de acordo com uma fonte do DCIAP, que o documento “viesse a cair nas mãos erradas”, servindo para todo o tipo de interpretações. Era preciso encontrar uma solução de compromisso. Para impedir outros males Cândida Almeida percebeu que, se o despacho interno viesse a ser tornado público, ela corria o risco de vir a ser acusada de desvirtuar a investigação, no escrutínio mediático que se seguiria (e que, de facto, se seguiu) sobre os motivos que levaram o MP a abdicar de inquirir Sócrates — quando o primeiro-ministro tinha sido várias vezes citado nos autos como um dos implicados no alegado esquema de corrupção do Freeport e quando foram ouvidas quase 100 pessoas mas ele não. Ninguém iria perceber por que razão as perguntas tinham sido submetidas à hierarquia sem terem qualquer sequência. Por isso, a sequência acabou por ser a sua reprodução no próprio despacho de arquivamento e acusação. Eram perguntas interessantes para colocar, mas não iam alterar grande coisa, justificou a directora do DCIAP numa nota incluída no final das 252 páginas do documento e que serviu para dar o seu aval ao trabalho feito pelos magistrados, aproveitando para os elogiar. Um dos argumentos utilizados por Cândida Almeida na discussão com os procuradores para deixar cair os dois depoimentos foi o atraso que isso iria implicar na conclusão do inquérito. “Não se sabia quantos meses” iriam ser precisos para “inquirir testemunhas que podiam nem vir a ser arroladas pelo Ministério Público”, para reforçar a prova contra os dois únicos arguidos acusados no despacho final — os consultores Manuel Pedro e Charles Smith — por indícios de tentativa de extorsão.
A demora prendia-se com a necessidade de solicitar autorização prévia ao Conselho de Estado para o primeiro-ministro poder depor. No entanto, quando no verão do ano passado a juíza de instrução criminal do processo de corrupção Cova da Beira (em que Sócrates era um dos suspeitos iniciais) acedeu ao pedido de um dos arguidos para ouvir o primeiro-ministro como testemunha, o procedimento de autorização pelo Conselho de Estado levou apenas três semanas. As perguntas foram enviadas pelo tribunal no dia 22 de Junho ao presidente do Conselho de Estado, Cavaco Silva, e o secretário do Conselho respondeu no dia 14 de Julho, a dar luz verde. Sócrates remeteu depois as respostas escritas à juíza a 4 de Setembro. No caso de Silva Pereira, de qualquer forma, nem seria assim. Para responderem, os ministros não precisam de ter o aval do Conselho de Estado. Basta serem convocados" (pelos jornalistas do Expresso, Micael Pereira e Rui Gustavo, com a devida vénia)
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