quinta-feira, março 26, 2009

O Presidente do Governo Regional e líder do PSD da Madeira volta a publicar em mais uma edição do Madeira Livre um artigo no qual defende o “Refundar a República”:
"É meu Direito exprimir livremente opiniões político-pessoais resultantes, sobretudo, da experiência de trinta e cinco anos de vida pública, trinta e um com responsabilidades governativas permanentes. Opiniões que, num País dito “livre”, é indecoroso que me façam correr o risco de acarretar com represálias. Por isso, escrevo sobre a necessidade de “Refundar a República”. Decorridos trinta e cinco anos sobre o 25 de Abril, é elementar reflectir sobre o que há a alterar no Sistema Político-Constitucional. Para que Portugal, SEMPRE EM REGIME DEMOCRÁTICO, possa não só sair das dificuldades acumuladas, bem como das dificuldades de momento, mas também sobretudo estar em condições para ganhar as próximas décadas.
Está na altura de pensar o Sistema Político, pois a próxima Legislatura tem poderes de revisão constitucional.
É espantoso que, até agora, os Partidos políticos se furtem a tal debate, alegando que não se trata de uma prioridade, revelando assim o Situacionismo de Interesses de que infelizmente se tornaram expressão. São, desta forma, casulos fechados que os colocam cada vez mais distantes dos Portugueses. É um conservadorismo autocrático não querer discutir o Sistema Político. Transforma este numa espécie de religião oficial do Estado, “religião” que assenta numa “fé”, a “fé” no actual texto constitucional. A “classe política” de Lisboa faz apelos à Esperança – como ainda recentemente, nos últimos dias do ano que findou – porém sempre auto-limitada ao muito discutível quadro constitucional vigente.
Ora, veja-se a génese do actual Sistema Político-Constitucional.
Em 1975, as eleições para Assembleia Constituinte decorreram nas condições ilegítimas de ausência de Liberdades plenas nalgumas zonas do País.
Eleições essas viciadas pela intervenção totalitária e desinformativa na formação da Opinião Pública, por parte do poder militar de então.
Assim, após o 25 de Novembro de 1975, a Assembleia Constituinte devia ter sido dissolvida, procedendo-se logo a eleições livres para uma nova Assembleia de fins constituintes. “Misteriosamente” – ou talvez não... – tal não sucedeu! Do que resultou uma Constituição erradamente programática e que, escandalosamente, não foi referendada democraticamente pelos Portugueses. Uma Constituição que, autoritariamente, impôs não ser permitido aos dez milhões de Portugueses referendar qualquer norma constitucional, mas deu aos directórios dos dois maiores Partidos, à volta de cinquenta pessoas somadas, o poder de, estes sim, acordar qualquer alteração…!
Entendo que deve haver referendo constitucional, admitindo excepcionar desse referendo os limites materiais de revisão previstos no artigo 288.º, a fim de preservar a matriz da República.
O que se deve questionar no actual sistema político-constitucional?
O “Estado unitário”, forma encapotada de centralismo, assegurando-se, sim, a Unidade do Estado.
Por outro lado, a Democracia não pode limitar a criação de Partidos políticos, nem proibir Ideologias, nem dar aos Partidos a exclusividade da apresentação de candidaturas à Assembleia da República e às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas Também as matérias de âmbito financeiro e de âmbito orçamental devem estar devidamente blindadas para impedir “ajustes de contas” partidários, represálias políticas, através da instrumentalização do Estado, como é o escândalo do que actualmente se passa em relação à Madeira.
Mas é evidente que a Parte I da Constituição, “Direitos e Deveres Fundamentais”, nos seus Títulos I e II, respectivamente “Princípios gerais” e “Direitos, Liberdades e Garantias”, é excelente e deve se manter intocada na Constituição da República. Já quanto ao Título III, “Direitos e Deveres económicos, sociais e culturais”, por um lado contém Direitos e Deveres que, pela sua natureza, devem integrar também o anterior Título II (“Direitos, Liberdades e Garantias”). Mas, por outro lado, contem matérias que pelo seu teor de programa governativo, pelo seu carácter bloqueador do desenvolvimento, ou até pelo seu inócuo, deviam ser desconstitucionalizadas.
Tal permitiria devolver aos Portugueses o seu Direito soberano de periodicamente, através de eleições democráticas, poderem escolher as políticas que nos regerão. Direito que os Portugueses estão anti-democraticamente impedidos de exercer, pelo facto de a constitucionalização destas matérias impedir o seu referendo. Logo, em todo este âmbito e apesar das mudanças que velozmente ocorrem no mundo, a soberania do Povo português está ilegitimamente impedida de se exercitar em pleno, está bloqueada.
E o mesmo se diga quanto a toda a Parte II, a chamada “Organização Económica”, donde, pelas mesmas razões, só deviam figurar na Constituição da República os respectivos grandes princípios fundamentais.
Por outro lado, a fim de se evitar um primeiro mandato do Presidente da República, condicionado pela eventual pretensão a um segundo mandato, apenas lhe devia ser permitido um só mandato, de sete a dez anos.
À Assembleia da República, dada a dimensão do País, bastariam entre 171 a 181 Deputados, eleitos parte através de um círculo nacional, e parte em círculos uninominais.
Outra questão. É de continuar com um Tribunal Constitucional de composição à mercê das maiorias políticas e das escolhas partidárias, ou entregar as suas competências a uma secção própria do Supremo Tribunal de Justiça? Sem dúvida solução que garante mais independência e decisões melhor fundamentadas juridicamente.
Por outro lado, sendo essencial para a Democracia, quer uma rigorosa Separação de Poderes, quer uma rigorosa fiscalização de todos os Poderes de Estado, pergunta-se:
- Em Portugal, há de facto uma despolitização da Justiça?
- A permissão legal do chamado “julgamento por convicção” não torna as decisões judiciais marcadas pela legítima formação e opções pessoais do decisor?
- Os únicos Poderes de Estado não eleitos, por isto não exigem uma fiscalização mais apertada?
- Os Conselhos Superiores de Magistratura e do Ministério Público, pelas suas funções e responsabilidades, não exigirão que os Magistrados que os integram sejam sempre do topo mais alto das respectivas carreiras?
- Quem integra órgãos de soberania poderá fazer greve?
- O Ministério Público deve integrar o conceito de Magistrado ou sê-lo apenas quem julga?
- Uma Polícia pode ter competência para declarar alguém arguido?
- Devido à génese político-social da Constituição de 1976, não estará a estruturação da Justiça portuguesa ainda muito próxima de algumas características organizatórias dos antigos regimes sovietizados?
Sobre a Comissão Nacional de Eleições – composta pelos representantes dos inúmeros próprios Partidos cuja acção se propõe fiscalizar e por pessoas administrativamente nomeadas pelo Governo da República – E sobre a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, justifica-se tamanha despesa do Estado? Creio que os Tribunais são bastantes para resolver os diferendos que se suscitem nestes âmbitos. É possível “Refundar a República”, mudando o sistema político, o que não pode deixar de ser sempre pela via democrática. Mas o problema está em saber se os dois maiores Partidos políticos estão dispostos a colocar o Interesse Nacional sobre os seus próprios interesses, sobre os seus dogmas ideológicos, sobre os seus medos e sobre os seus preconceitos, se têm ousadia para tal ou se são organizações conservadoras, sem visão do futuro.
E se não estão, o que sucederá a Portugal, o que sucederá aos Portugueses?
Porque recusam o PS e o PSD um necessário e inadiável Pacto de Regime? E tem o Presidente da República força para tentar promovê-lo?
Há ainda uma outra via democrática.
Eventual candidatura à Presidência da República pedir um mandato maioritário aos Portugueses, para referendar as alterações ao texto constitucional que claramente proponha.
O Chefe de Estado jura “A” Constituição, não “Esta” Constituição.
E se os Eleitores lhe derem esse mandato, quem se vai opor à vontade democrática dos Portugueses?
E se os Portugueses, de seguida, aprovarem referendariamente as alterações propostas, insisto, quem se vai opor à vontade democrática dos Portugueses?
Ou o sistema político sujeita-se a se tornar não democrático para auto-sobreviver?
Não há sistemas políticos eternos.
Democraticamente, é possível a “Refundação da República”.
Democraticamente, a decisão cabe à vontade soberana dos Portugueses".

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