terça-feira, junho 07, 2022

São "devaneios e trapalhadas" ou a Madeira pode mesmo ter uma moeda eletrónica?

Miguel Albuquerque encomendou um estudo para "implementar" uma moeda virtual. Ministério das Finanças não comenta. Banco de Portugal esclarecerá em breve as dúvidas. PS avisa: "São aventuras financeiras." Pode a Região Autónoma da Madeira emitir e gerir uma moeda eletrónica? O Ministério das Finanças considera que não é matéria da sua alçada. O Banco de Portugal, contactado pelo DN, não respondeu até à hora de fecho desta edição - responderá mais tarde. Sérgio Gonçalves, líder do PS/Madeira, diz que "os madeirenses têm que se questionar se são estas as prioridades de governação: criptomoedas e moedas eletrónicas na região do país com maior taxa de risco de pobreza e exclusão social e menor poder de compra".

Rui Barreto, secretário regional da Economia, que contratualizou "um estudo" com a Sociedade Rebelo de Sousa & Advogados Associados, no valor de 100 mil euros, para saber se "quer do ponto de vista legal, em matéria de enquadramento jurídico, quer em termos de deveres e responsabilidades fiscais e financeiras" essa possibilidade - emitir e gerir moeda eletrónica - é realizável ou se o "enquadramento jurídico" aponta, por exemplo, outro caminho: a constituição de uma "sociedade para o efeito" [questão que também está dependente do estudo], que aguarda pelos "resultados do estudo sobre a viabilidade dessa implementação".

A "viabilidade jurídico-regulatória" [saber se o Estatuto Político-Administrativo e demais legislação em vigor permite que a Região Autónoma da Madeira possa implementar uma moeda eletrónica] está a ser "alvo", explica Rui Barreto, "do estudo que encomendámos. Vamos aguardar, primeiro, os resultados desses pareceres fundamentados, para então, depois, decidirmos e procedermos aos ajustamentos ou eventuais alterações que tenham de ser feitas".

Que moeda?

A decisão do governo de Miguel Albuquerque de "implementar um sistema de pagamento convertível equiparado, à semelhança do que já hoje acontece em grandes superfícies por via de transações por cartão" e que pretende "colocar a região na vanguarda tecnológica", garante o secretário regional da Economia, "nada tem a ver com as criptomoedas".

"Quando falamos em moeda eletrónica, temos de entendê-la como um valor monetário, representado por um crédito sobre a entidade emissora, o qual é armazenado num suporte eletrónico emitido contra a receção de fundos e aceite como meio de pagamento por diferentes entidades. Outra das características a ter em conta face às criptomoedas é que a moeda eletrónica, além de reembolsável, é também fiscalizada por uma entidade supervisora [o Banco de Portugal]. Por outras palavras, as moedas eletrónicas são sistemas controlados por instituições financeiras oficiais. Pelo contrário, no caso das criptomoedas não existe uma autoridade específica pela a sua criação, emissão e controle, além de que as transações são registadas em blockchain", esclarece Rui Barreto.

As certezas

A intenção de dotar a Madeira de "uma moeda eletrónica" tem levado a desmentidos e polémicas políticas, depois de ter sido anunciado em conferência de imprensa, durante a apresentação do novo Centro de Investigação da Universidade da Madeira, que o governo regional iria criar a criptomoeda osean, tendo ao seu dispor para o fazer "uma parceria entre a empresa Naoris Protocol e o novo centro de investigação".

David Carvalho, CEO da Naoris Protocol, assegurou nesse dia, 24 de maio, que a osean teria um valor equivalente ao euro, que seria gerida pelo governo regional e que "será mais ou menos similar ao Revolut ou TransferWise, exceto que neste caso nem sequer um cartão é necessário e também não existe uma ligação bancária. A pessoa só precisa de uma aplicação, e em qualquer circunstância, como seja para comprar fruta, para pagar o alojamento ou restaurante, é simplesmente usar a aplicação para ler o QR code e não é necessário qualquer serviço ou máquina de pagamento".

E foi ainda mais claro: "A criptomoeda fará com que os turistas, convertendo o seu dinheiro em oseans, que valem euros, esse numerário fique na ilha, e faz também com que as pessoas que estão na ilha tenham benefícios em fazer compras locais, incentivando as transações locais. Quanto mais uma pessoa gastar, mais descontos e facilidades terá nas transações."

Scott MacAndrew, presidente da Cypher by Holt Global Digital Banking, empresa que supostamente irá apoiar este processo, garantiu, nessa altura, que a "Madeira tem condições para ter a sua própria criptomoeda, que poderá ser equiparada ao euro e às mais diversas moedas".

Um projeto que representaria, pelo que foi dito, 60 milhões de euros.

Os desmentidos

Poucas horas depois, o governo regional, em comunicado, desmentiu o seu envolvimento, dizendo que "a afirmação de que o governo irá gerir uma moeda não só é falsa como afeta a imagem do governo regional".

Quase de imediato as certezas de David Carvalho ficaram reduzidas, como explicaria, citado pelo DN Madeira, a uma situação "hipotética"; que está a ser "investigada a possível utilização da criptomoeda", mas não tendo o governo regional "qualquer intervenção na iniciativa".

Questionado pelo DN, Rui Barreto reforça o argumento de que "não existe qualquer ligação formal ou informal entre o estudo que solicitámos e as entidades e projetos que aponta. Temos de reconhecer que esta é uma matéria que está a ser acompanhada pelas universidades e entidades financeiras de todo o mundo, incluindo a Universidade da Madeira, pelo que estaremos sempre atentos a todos os eventuais contributos".

E será mais ou menos similar ao Revolut ou ao Transfer Wise? "As soluções que aponta têm a ver com uma abordagem que foi tornada pública pelos seus autores, não quer dizer que seja essa a opção ou estratégia do governo regional", responde.

"Derivas e trapalhadas"

Para o líder socialista madeirense, Sérgio Gonçalves, "esta questão da moeda eletrónica na Madeira junta-se a um conjunto de derivas financeiras de Miguel Albuquerque às despesas do erário público madeirense". E dá exemplos: "À recente despesa de 100 mil euros do erário público regional gastos num escritório de advogados para estudar a implementação de moeda eletrónica região somam-se os mais de 26 mil euros pagos para ser orador durante um minuto e meio numa conferência de bitcoin em Miami." Ou seja, "derivas e trapalhadas", diz.

Que trapalhadas? O "diz que não disse", explica, que "levou, inclusivamente, o governo regional a desmentir nos jornais internacionais a afirmação de que a Madeira iria adotar o bitcoin como moeda oficial depois da ida de Miguel Albuquerque a Miami" e o desmentido sobre "a participação na criação da primeira moeda virtual madeirense, a osean, num investimento de 60 milhões de euros, alegadamente do governo regional", que são, acentua, "episódios que colocam em causa as obrigações de soberania monetária da região e a reputação da região".

Sérgio Gonçalves afirma que Miguel Albuquerque "não pode confundir os seus interesses particulares com o interesse comum da Região Autónoma da Madeira" e deixa um aviso: "Se ele quiser fazer os investimentos a título pessoal, que os faça, mas não envolva os madeirenses nestas suas aventuras financeiras." (DN de Lisboa, texto do jornalista Artur Cassiano)

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