terça-feira, junho 07, 2022

Partidos na penúria. Como sobreviver ao encolhimento eleitoral

Despedimentos e fecho de sedes. É assim, no essencial, que os partidos derrotados nas últimas legislativas sobrevivem aos cortes orçamentais a que foram sujeitos. No CDS-PP, partido que desapareceu do Parlamento nas últimas legislativas, o desaire eleitoral teve logo uma imediata consequência: onze funcionários que trabalhavam para o partido no grupo parlamentar teriam de ser despedidos. Pedro Salgueiro, o assessor de imprensa, foi transferido do grupo parlamentar para a sede nacional, sendo agora um dos poucos sobreviventes da razia causada pela estrondosa derrota obtida sob a liderança de Francisco Rodrigues dos Santos. Quanto aos restantes despedimentos, o secretário-geral do CDS-PP, Pedro Morais Soares, mostra-se parco nas palavras. Está a ser implementado um plano de reestruturação mas os seus contornos exatos não são revelados. O novo líder, Nuno Melo, dispensou ter um ordenado enquanto tal, bastando-lhe o vencimento de eurodeputado. E o partido mantém-se agarrado ao palacete do Largo do Caldas, em Lisboa, arrendado ao Patriarcado, onde está a sede nacional.

Há muito que a Igreja dá sinais de querer reaver o edifício, com intenções de o vender, como fez, por vários milhões de euros, com a sede da Rádio Renascença no Chiado. Mas não está fácil. Entretanto, o Chega fez saber que estaria disposto a dar sete milhões pelo palacete (ou uma renda mensal de cinco mil euros).

Nuno Melo respondeu, irritado, que o partido não tenciona ir embora: aquela é uma sede "de que gostamos muito, com contrato válido e as rendas pagas, de que só sairemos um dia se quisermos, - e não queremos". E lançou suspeitas sobre as origens do dinheiro do partido de Ventura: "Todos conhecemos pessoas que apareceram de repente com maços de notas no bolso, sem que se percebesse sequer bem de onde veio o dinheiro." Seja como for, o desastre, tendo sido politicamente absoluto, não o foi no capítulo financeiro. Mesmo sem deputados eleitos, o CDS continua a ter financiamento do Estado (porque obteve mais de 50 mil votos). Se na legislatura anterior recebia 646 mil euros/ano, agora receberá 264,4 mil. O corte nas despesas terá portanto de ser nesta proporção.

As contas todas

Se a legislatura anterior tivesse sido completa (quatro anos), o Estado teria gasto ao todo em subvenções de funcionamento corrente aos partidos cerca de 55,8 milhões de euros. Porém agora, na atual legislatura (2022-2026), esse valor vai aumentar em 19 milhões de euros, para um total de 74,9 milhões. O que explica este aumento da despesa pública é o aumento do IAS (Indexante dos Apoios Sociais), em função do qual é atribuída a subvenção pública. Mas o que o explica também é o facto de o número total de votantes nas últimas legislativas ter aumentado face ao de 2019 (passou de 5,2 milhões para 5,5 milhões e cada partido recebe 1/135 avos do IAS por cada voto).

Entre os derrotados das eleições, há situações diferentes. No CDS foi o que se viu; o BE também vai perder bastante (recebia anualmente 1,4 milhões de euros e passa a receber 725 mil euros); já no PAN a quebra será de 508,8 mil euros/ano para 261,4 mil.

Quanto ao PCP, a situação é diferente. Tirando o desaparecimento do PEV - que agora passa a funcionar dependendo exclusivamente dos donativos e da ajuda do PCP - os comunistas nem perderam muito (comparando com outros partidos).

Recebiam 809,4 mil euros/ano na legislatura 2019/2022 e passam a receber agora 708,5 mil. O grupo parlamentar da CDU (PCP+PEV foi reduzido a metade) mas, na verdade, isso não resultou de uma perda correspondente em número de votos (foi de um terço, de 332,4 mil para 238 mil). Assim, a quebra no financiamento público foi inferior à perda em representação parlamentar.

O partido não fala sobre as consequências internas desta redução no financiamento mas sabe-se que o corpo de funcionários do grupo parlamentar (que passou de dez para seis deputados) encolheu. Além do mais, o partido tem sempre a Festa do "Avante!". E este ano, presumivelmente já liberta dos constrangimentos do covid em termos de lotação máxima permitida, é de esperar que a receita aumente bastante. O que se perde de um lado entra por outro.

BE reduzido a metade

Já no Bloco de Esquerda, o plano passa por despedir funcionários e fechar sedes. Basicamente, o partido tem de reduzir para metade as despesas (porque perdeu metade dos votos, passando de 500 mil em 2019 para 244 mil nas legislativas do passado dia 30 de janeiro).

O corpo de funcionários ascendia no total a quase cem e agora o objetivo é que fique em metade. Mas, ao mesmo tempo, todas as estruturas orgânicas do partido - o Esquerda.net, a secção de propaganda, etc - serão mantidas em funcionamento. Como? Basicamente com menos funcionários mas com mais voluntariado militante. Um partido não é como uma empresa. Se uma empresa despede trabalhadores, não surgem em seu lugar voluntários que os substituam gratuitamente. Mas num partido pode não ser bem assim. O funcionamento ressente-se, a produtividade não é evidentemente a mesma - mas, à custa da militância, as perdas operacionais podem ser menores do que as financeiras (DN de Lisboa, texto do jornalista João Pedro Henriques)

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