quinta-feira, junho 23, 2022

Regulamentação do lóbi voltará ao Parlamento, garante PS. Não se sabe é quando

Partido do Governo não se compromete com datas. PSD, Chega e PCP não respondem. IL espera para ver. BE mantém posição contra. PAN e Livre irão avançar com iniciativas próprias. Regulamentar é preciso, legislar é que não tem sido possível. A regulamentação do lóbi motiva sucessivos alertas, mas é uma matéria cuja legislação acaba por ser sucessivamente adiada. Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), “Os Grupos de Interesse no Sistema Político Português”, tornado público no início desta semana, adverte para o risco da “captura dos legisladores por parte de interesses privados”. Problemas como o conflito de interesses e a falta de transparência têm constituído a base da discussão, e também da discórdia, nas propostas de lei relativas à regulamentação, acrescenta o estudo da FFMS. Com a dissolução da Assembleia da República no horizonte, a Comissão da Transparência e Estatuto dos Deputados sinalizou, em novembro, a vontade de consensualizar as iniciativas sobre o lóbi num texto comum do PS, CDS e PAN. Resultado: a discussão voltou a ser adiada e não se vislumbra na atual legislatura muito mais do que uma manifestação de interesses.

“A Assembleia foi dissolvida, portanto caducou tudo”, sintetiza o deputado socialista Pedro Delgado Alves, adiantando ao Expresso que “até ao final do verão” a matéria não voltará a ser discutida. Mas constando do programa eleitoral do PS e sendo, portanto, “tema da legislatura”, a regulamentação do lóbi voltará ao Parlamento. Agendamentos é que ainda não há, dizendo o deputado que “será sempre uma coisa de reentrada”. Com o CDS a perder a representação parlamentar na sequência das eleições legislativas de janeiro e o partido do Governo, agora de maioria absoluta, a não colocar a matéria no topo da agenda, sobra o PAN do trio de proponentes com vontade de agilizar o processo quando já se ouvia o toque de finados da anterior legislatura. A assessoria do partido de Inês de Sousa Real, agora deputada única, revelou ao Expresso que deverá dar entrada uma iniciativa ainda esta semana, “com alterações” face à da legislatura anterior, mas ainda sem revelar quais.

Com um presidente eleito, Luís Montenegro, hesitante em assumir funções (e condicionado pelo ainda líder Rui Rio) – situação que será desbloqueada no Congresso de 1, 2 e 3 de julho –, o PSD optou por não responder. No entanto, Margarida Balseiro Lopes espera que o seu partido “evolua na sua posição”. Isto porque o PSD já votou contra e já se absteve, o que “não é propriamente uma posição”, diz ao Expresso a ex-deputada, que apresentou iniciativas legislativas e violou a disciplina de voto por se tratar de “uma questão de princípio”. “O processo legislativo acaba sempre por cair”, lamenta, falando mesmo em “forças invisíveis”, que não sabe se são “ocultas”, mas que “existem”. E insiste que “há sempre qualquer fator inexplicável que leva a que o processo fique por aí”.

Margarida Balseiro Lopes admite que a regulamentação do lóbi “possa colocar em causa alguns interesses instalados”, mas “é verdadeiramente uma perplexidade” perante algo que diz ser “tão fácil de explicar”. E resume o que defende num par de ideias: “uma agenda pública” de ministros, deputados, etc. (“os responsáveis políticos têm de garantir a transparência no exercício das suas funções porque têm um mandato de representação”), e “uma pegada legislativa” – ou seja, na elaboração de uma lei, faz-se um registo das reuniões para que se saiba “quem contribuiu para que a lei ficasse de determinada forma” e o que “aconteceu exatamente em cada uma das fases do processo legislativo”.

A Iniciativa Liberal avança que “analisará os projetos que venham agora a ser apresentados e, em face dessa avaliação, decidirá se avançará com uma iniciativa própria”. “A atividade do lobbying, se devidamente enquadrada, pode ser relevante e ter vantagens, sobretudo ao nível da transparência dos processos. Os projetos apresentados na legislatura anterior acautelavam questões que a Iniciativa Liberal considera importantes”, afirma ao Expresso fonte oficial do grupo parlamentar.

Da parte do Bloco de Esquerda não haverá alterações: o partido “votou contra as propostas de legalização do lóbi por considerar que serviam apenas para a criação de um negócio de intermediação de interesses”, responde o líder da bancada parlamentar, Pedro Filipe Soares.

O Livre irá apresentar uma iniciativa própria, não especificando a data mas detalhando o que pretende. “Fechar as portas giratórias entre público e privado, aumentando o período de nojo de passagem de cargos públicos para o sector privado dentro do mesmo sector ou em funções onde haja algum grau de comprometimento, incluindo o sector lobista em Portugal ou na União Europeia; criar uma agência pública independente que centralize as funções do Conselho de Prevenção da Corrupção, da Entidade de Contas e Financiamentos Políticos e da futura Entidade para a Transparência; e efetivar a regulação do lóbi através da monitorização permanente dos interesses que intervêm nos processos de decisão pública”, revela ao Expresso fonte do gabinete parlamentar.

O partido de Rui Tavares adianta ainda que aquela agência pública independente “deverá zelar pelo registo, resolução e controlo de conflitos de interesses; apoiar a administração pública no estabelecimento e renovação de uma cultura para a integridade; redigir e rever periodicamente códigos de conduta para os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, com capacidade de sancionar eventuais faltas; zelar pelo registo da atividade de lóbi; gerir campanhas de prevenção da corrupção; redigir anualmente um relatório sobre a sua atividade; facilitar a denúncia por parte de denunciantes de crimes de corrupção e conexos, assim como ajudar na sua proteção legal”. E propõe também “publicar regularmente relatórios que permitam aos cidadãos o acesso à informação necessária para a formação de juízos políticos sobre a atuação dos decisores públicos e os interesses que escolhem acolher” e o “registo obrigatório de todos os lobistas, assim como das reuniões, formais ou informais, mantidas com titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”.

Dos oito partidos atualmente representados na Assembleia da República, apenas o Chega e o PCP não deram qualquer resposta até à hora de fecho deste texto. Recorde-se que em novembro, o então líder parlamentar comunista, João Oliveira, referiu que o seu partido não tinha “problema nenhum” que o processo legislativo avançasse, ao mesmo tempo que manifestava “oposição frontal” à questão do lóbi.

A regulamentação do lóbi, a partir de propostas do PS e CDS, foi aprovada pelo Parlamento em 2019, mas Marcelo Rebelo de Sousa vetou a lei. Os dois partidos tentaram ultrapassar o veto presidencial, mas as alterações na lei foram chumbadas, com os votos contra do PS, BE, PCP e PEV. Em janeiro do ano passado, o Parlamento aprovou projetos de lei do PS, CDS e PAN com vista a regulamentar o lóbi, apesar dos votos contra do PSD, PCP, BE, PEV e da deputada não inscrita (ex-Livre) Joacine Katar Moreira. Apesar do esforço de última hora em sede de comissão parlamentar, a regulamentação, aprovada na generalidade, voltou a morrer com a dissolução da Assembleia da República (Expresso, texto do jornalista Hélder Gomes)

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