segunda-feira, outubro 26, 2020

Natal e Ano Novo em tempos de Covid: «Seguramente não estarão reunidas condições para festividades de qualquer natureza»

Portugal vive tempos excecionais devido à crise de saúde pública da Covid-19, enfrentando atualmente o estado de calamidade, que implica diversas restrições e limites à liberdade individual e coletiva de cada um, necessários para conter a propagação do vírus.

Muito se tem falado sobre as festividades que se aproximam a passos largos, o Natal e a Passagem de Ano, com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a referir a possibilidade, ainda que remota, de podermos ter de «repensar o Natal», dividindo os elementos da família, para evitar ajuntamentos que podem pôr em risco a saúde de todos.

Perante este cenário, a ‘Executive Digest’ contactou dois especialistas em epidemiologia e saúde pública, no sentido de perceber a sua visão sobre o contexto vivido atualmente, bem como sobre as expectativas ou conselhos para as épocas festivas que se avizinham. Será mesmo necessário repensar as celebrações? Serão as medidas impostas suficientes para controlar a pandemia? Conheça as respostas.

Natal ou Passagem de Ano: Qual o mais arriscado? Há condições para decorrerem normalmente?

Elisabete Ramos, professora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), considera que devido à «natureza dinâmica» da doença «não é possível prever qual a evolução da situação nos próximos dois meses». Contudo, explica que «não é expectável que as festividades decorram como habitualmente», o que faz com que as famílias tenham de  «identificar atempadamente as medidas para minimizar o risco de transmissão de doença».

Já, Manuel Carmo Gomes, professor de epidemiologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), é mais taxativo nesta matéria, indicando que «se prolongarmos a tendência atual, seguramente não estarão reunidas condições para festividades de qualquer natureza a partir já do fim de Outubro».

«Estamos a duplicar o número de novos casos em cada 15 dias (há poucos dias apenas estávamos a duplicar a cada 20). As nossas estimativas à data de hoje são de uma média de 3500 novos casos por dia no fim de Outubro e não estamos ainda a conseguir ver o pico da segunda vaga porque o valor do Rt não para de aumentar desde 23 de Setembro. Todos os dias temos revisto as previsões para valores mais altos», afirma.

Tendo em conta os números, Manuel Carmo Gomes defende que as restrições implementadas em Portugal «muito provavelmente já não serão suficientes». Elisabete Ramos aponta a necessidade de «avaliar a evolução dos números, nas próximas semanas, para perceber o impacto das medidas e compreender se são necessárias novas estratégias».

Quando questionados sobre qual das duas datas, Natal ou Passagem de Ano, poderia representar mais risco, ambos consideram que ambas as datas terão as suas consequências. «Todas as festividades ou eventos de convívio entre pessoas não co-habitantes aumentam a probabilidade de contágio e são desaconselháveis», defende Manuel Carmo Gomes.

Contudo, a professora do ISPUP, considera que «o Natal, provavelmente, terá como maior risco o facto de as pessoas estarem em contexto familiar e por isso poderem reduzir as precauções necessárias para evitar a transmissão de doença».

«Por outro lado, na Passagem de Ano pode haver o risco de promover o contacto entre pessoas que habitualmente não estão juntas e assim haver mais dispersão dos contactos e dos potenciais infetados», acrescenta a responsável.

O pior e o melhor cenário e o que a população pode fazer para evitar uma situação mais grave

Para o professor da FCUL «o pior cenário» neste contexto de pandemia e festividades «é uma incidência de milhares de novos casos por dia». Já Elisabete Ramos refere que na pior das situações, «o número de novas infeções vai continuar a aumentar, refletindo-se num aumento do número de doentes com necessidade de cuidados diferenciados».

«Isto é», acrescenta, «se houver também um aumento de internamentos que coloque em risco a resposta adequada dos cuidados de saúde. Neste cenário, será necessário recorrer a medidas muito restritivas para tentar conter a transmissão de doença, de modo a reduzir a pressão sobre os hospitais», defende.

O melhor cenário «será se conseguirmos inverter a tendência atual e reduzir a pressão sobre os cuidados de saúde que permita com segurança manter a resposta às necessidades de doentes com COVID-19, mas também promover a resposta às outras necessidades em saúde que tiveram de ser adiadas para assegurar a resposta à pandemia», afirma a especialista.

Para Manuel Carmo Gomes, a melhor das situações passa por «um cenário de poucas centenas por dia», sendo que para isso, as pessoas devem adotar «comportamentos» básicos, que segundo o especialista passam por: «Usar máscara em recintos fechados e abertos onde não se possa respeitar a distância mínima;  Evitar agrupamentos de pessoas que não são nossos co-habitantes».

Para além disso o responsável defende a preferência por «atividades fora de portas com outras pessoas», sendo «sempre melhor do que em recintos fechados». Adicionalmente é muito importante a «lavagem frequente de mãos e higienização de superfícies (mesas, balcões, maçanetas, teclados, etc.)».

Da mesma opinião é Elisabete Ramos, que defende a aplicação «nas suas práticas diárias de medidas individuais que permitem minimizar a transmissão de doença,» enumerando comportamentos semelhantes, nomeadamente «a etiqueta respiratória, o distanciamento físico necessário para evitar a transmissão ou, quando isso não é possível, o uso de máscara».

«É também fundamental evitar situações com elevada concentração de pessoas», bem como «não ir trabalhar e evitar o contacto físico com outras pessoas sempre que tiver sintomas ou suspeita de poder estar infetado», conclui (Executive Digest, texto da jornalista Simone Silva)

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