Tem gerado muitas dúvidas a alteração à norma da Direção-Geral da Saúde (DGS) que determina que, em situações específicas, uma pessoa que tenha testado positivo à covid-19 tem alta clínica e pode sair de casa ao fim de dez dias desde que não apresente sintomas há mais de três, sem ter necessidade de apresentar um teste negativo. A alteração às regras gera mais confusão quando posta a par das orientações para os casos suspeitos que tiveram contacto com um caso positivo: estes continuam a ser obrigados a manter-se em isolamento durante 14 dias, ainda que testem negativo. Visto deste prisma, algo parece não estar bem decidido: uma pessoa que confirmadamente tem a doença pode sair de casa ao fim de dez dias e quem não se sabe se é ou não portador do vírus é obrigado a manter-se em quarentena durante mais tempo.
Porque mudou o
período de isolamento face à covid-19?
A decisão de reduzir o período de isolamento de um caso covid-19 positivo – quer apresente ou não sintomas –, para dez dias em algumas situações baseia-se sobretudo na análise da evidência científica e nos novos estudos que têm sido efetuados ao modo como se comporta o novo coronavírus. Em primeiro lugar, é do conhecimento científico que o facto de se testar positivo, ou seja, de ser detetado ácido ribonucleico (RNA) viral num teste molecular usado para pesquisa do novo coronavírus (RT-PCR), não significa necessariamente que a pessoa possa transmitir o vírus. Os fatores que determinam o risco de contágio são a capacidade de replicação do SARS-CoV-2 (ou seja, se o vírus é ou não competente), se o paciente tem sintomas (como tosse, que pode disseminar gotículas contaminadas) e o comportamento do doente aliado a fatores ambientais (por exemplo, se consegue manter o distanciamento social e se frequenta ou não espaços fechados que sejam devidamente arejados).
Além disso,
sabe-se hoje que entre a exposição ao SARS-CoV-2 e o início dos primeiros
sintomas existe um período de um a três dias durante o qual a carga viral vai
aumentando e que, mesmo na ausência de sintomas, há já a possibilidade de
transmissão do vírus. Neste tempo, a pessoa pode nem sequer desconfiar que está
contaminada porque o corpo não mostra qualquer sinal. Quando surgem os
primeiros sintomas de contaminação por covid-19, já a carga viral está próxima
do seu limite máximo. Nesta fase, a pessoa não só é portadora do vírus como este
tem um potencial de contágio galopante. O risco de transmissão é maior quando
começam os sintomas ou nos dias mais próximos do início dos sintomas e nos
primeiros cinco dias depois de a doença se ter manifestado.
Os dados apontam
também que, cinco a dez dias depois do contágio, o corpo da pessoa infetada
inicia gradualmente a produção de anticorpos. Considera-se expectável que esses
anticorpos tenham um efeito gradualmente neutralizante face ao vírus, o que
reduzirá o risco de transmissão do mesmo.
Nos estudos
efetuados, em pacientes com formas ligeiras a moderadas da doença, o vírus
competente (com capacidade para se replicar e transmitir) não foi detetado dez
dias depois do aparecimento dos primeiros sintomas. Segundo ficou documentado,
em algumas pessoas com manifestações severas da doença, o sistema imunitário
não reagiu de forma tão expedita, tendo sido possível detetar formas
competentes do vírus 10 a 20 dias depois do aparecimento dos primeiros sinais.
Contudo, foi estimado que, em 88% a 95% dos casos, 10 e 15 dias,
respetivamente, após o aparecimento dos primeiros sintomas, os vírus detetados
eram não-competentes (ou seja, não se replicavam nem se transmitiam).
Assim, a DGS
considera que, se pelo menos a partir do sétimo dia depois dos primeiros sinais
da covid-19 não houver manifestações clínicas da doença (como tosse, febre ou
falta de ar) nem a necessidade de recorrer a medicação para mitigar os sintomas
(por exemplo, baixar a febre) durante três dias seguidos, é seguro ao décimo
dia o infetado ter alta e retomar as suas atividades, porque a baixa carga
viral do SARS-CoV-2 que eventualmente ainda transporta – aliada à resposta
imunológica do organismo – levará a que a probabilidade de contaminar alguém
seja muito reduzida.
Já para quem teve
contacto com casos positivos, e não apresenta manifestações clínicas da doença,
é difícil determinar onde começou a incubação, uma vez que a mesma ocorre 2 a
14 dias após o contacto com o vírus. Logo, mantém-se a necessidade de esperar
14 dias para ver se surgem sintomas e assegurar que se passa o período crítico
de contágio.
Um estudo efetuado
na Coreia do Sul revela ainda que a carga viral e a probabilidade de deteção do
vírus SARS-CoV-2 é semelhante tanto em pessoas que revelem sinais da doença
como assintomáticas, indicando que as assintomáticas representam também uma
fonte de transmissão do vírus.
Isolamento por
covid-19: veja cada caso
Face à evolução
das investigações científicas a este nível, a Organização Mundial da Saúde
(OMS) e os Estados-Membros foram aconselhados a refletir sobre as medidas
relativas ao isolamento das pessoas portadoras do vírus SARS-CoV-2. Tendo em
conta os novos dados científicos e o grande esforço em termos técnicos e de
recursos, foi revista a necessidade de realização de dois testes RT-PCR em 24
horas (que tinham de ser negativos para ser declarado o fim do isolamento) para
alguns doentes covid-19 positivos.
O objetivo das
novas normas é limitar a utilização de testes ao essencial, diminuir o recurso
desnecessário a unidades prestadoras de cuidados de saúde e devolver a vida
ativa às pessoas a partir do momento em que a evidência científica mostra que o
risco de transmissão do vírus para a sociedade é já residual.
Isolamento de 10
dias é para quem?
Os doentes com um
teste covid-19 positivo que tenham apresentado sinais ligeiros a moderados da
doença deixam de estar obrigados ao isolamento de 14 dias indicado para os
casos suspeitos, desde que dez dias depois do início dos sintomas durante três
dias consecutivos tanto não tenham febre (sem tomar antipiréticos) como
apresentem uma melhoria significativa dos sintomas. Reunidas essas condições, o
período de isolamento termina findos dez dias, sem necessidade de realizar
teste laboratorial.
Também para
doentes covid-19 positivos assintomáticos, ou seja, as pessoas sem qualquer
manifestação clínica da doença, mas que tenham obtido um resultado positivo no
teste, o isolamento termina dez dias após a realização do teste laboratorial
que estabeleceu o diagnóstico de covid-19, também sem necessidade de fazer novo
teste.
E quem fica 20
dias em isolamento?
Quem tiver
manifestações graves ou críticas da doença fica sujeito a um período de
isolamento de 20 dias desde o início dos sintomas, desde que durante três dias
consecutivos não tenha febre (sem tomar antipiréticos) e, simultaneamente,
apresente uma melhoria significativa dos sintomas. Neste grupo estão também
incluídos os imunodeprimidos (independentemente da gravidade da doença). Tal
como nos casos anteriores, o fim das medidas de isolamento é determinado pelo
cumprimento desses critérios, sem necessidade de realização de teste
laboratorial para SARS-CoV-2.
Quem é obrigado a
fazer quarentena?
Para os casos
suspeitos que tiveram contacto com pessoas que testaram positivo (por exemplo,
uma pessoa que esteve exposta a um caso confirmado de covid-19 ou a material
biológico infetado com SARS-CoV-2, dentro do período de transmissibilidade), o
período de isolamento profilático depende do nível de exposição (de alto ou de
baixo risco). Uma exposição de alto risco leva a isolamento profilático
(quarentena) de 14 dias. Este período tem em conta o tempo de incubação da
doença.
É preciso teste à
covid-19 após o isolamento?
Na maioria dos
casos, o fim das medidas de isolamento não obriga à realização de um teste
laboratorial para SARS-CoV-2, ou seja, não é necessário obter um resultado
negativo num teste à covid-19 para voltar a sair de casa e retomar a vida
normal. Mas há exceções, para as quais é necessária a apresentação de um
resultado negativo, uma vez que existe um risco residual de transmissão do
vírus, que, nestes casos, não é aceitável:
profissionais de
saúde ou prestadores de cuidados de elevada proximidade a doentes vulneráveis
que iniciam atividade laboral após o fim do isolamento;
doentes que vão
ser admitidos em estruturas residenciais para idosos, unidades da rede nacional
de cuidados continuados, unidades de cuidados paliativos, ou similares;
necessidade de
transferência intra-hospitalar para áreas não-dedicadas a doentes covid-19.
É importante
lembrar que o fim do período de isolamento não representa o fim das medidas de
higiene e etiqueta respiratória, bem como os cuidados respeitantes ao
distanciamento social e uso de máscara.
Não fazer o teste
à covid-19 representa risco?
Anteriormente, era necessário apresentar dois testes RT-PCR negativos em menos de 24 horas para declarar o fim do isolamento. Atualmente, a não-realização do teste a alguém antes diagnosticado covid-19 positivo representa um risco, mas este é residual. Ponderados riscos e benefícios, considerou-se que, por um lado, a hipótese de transmissão do vírus passados os sintomas é mínima na maioria dos casos e, por outro, a confiança apenas no resultado do teste RT-PCR cria sérios problemas (por exemplo, esgota recursos e condiciona o acesso a novos pacientes que possam necessitar de cuidados de saúde mais urgentes). Pode haver situações em que este risco residual é inaceitável, por exemplo, no caso de pessoas com uma elevada probabilidade de transmitirem o vírus para grupos vulneráveis ou pessoas em situações ou ambientes de alto risco. Nesses casos, e nos pacientes que apresentem sintomas durante um longo período, a ciência indica que fazer o teste é recomendado e pode ser útil. (Executive Digest)
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