domingo, junho 02, 2019

A propósito do embuste (?) dos cadernos eleitortais

É ou não verdade que a actualização dos cadernos eleitorais tem que ser objecto de discussão política, com muito pragmatismo, porque há muita coisa que depende, nas freguesias e concelhos, do número de eleitores? E o número de deputados no parlamento nacional e na assembleia legislativa dos Açores é estabelecido como? Com base em que critérios? Exactamente o número de eleitores recenseados em cada distrito e Região Autónoma
Segundo o MAI, 9.344.498 eleitores estavam inscritos. Segundo o INE, no final de 2017 tínhamos 10.291.027 habitantes. No caso da Madeira o INE dava, no final de 2017, um total de 254.368 habitantes quando a 26 de Maio estavam recenseadas 257.929 eleitores. No caso dos Açores existiam 243.862 habitantes no final de 2017 e 229.046 eleitores em 26 de Maio. Realmente há qualquer coisa na Madeira que não bata a "bota com a perdigota".
Uma das versões que correm é que ninguém quer alterar isso, embora conheçam que os cadernos eleitorais não reflectem, a realidade, porque têm medo. Se acabar, acabam por receber menos dinheiro para as Autarquias mas existem ainda outras implicações, de natureza eleitoral, nomeadamente na composição dos organismos autárquicos a eleger e na definição dos deputados à Assembleia da República - desconfio que a Madeira com cadernos eleitorais actualizados corria o risco de perder 1 ou 2 mandatos no parlamento nacional. No caso da Madeira, durante anos os eleitores definiam os números de mandatos eleitos pelos vários concelhos, mas a lei eleitoral regional foi alterada em 2007. Ao contrário, os eleitores são determinantes para a definição dos deputados a eleger na Assembleia Legislativa dos Açores. Como se verifica há muitas implicações que fazem com que o assunto deva ser encarado urgentemente mas com coragem política sob pena de tudo isto poder ser posto em causa na justiça, a possibilidade de estarmos perante um embuste com cumplicidades vários.

Penso que há incompetência nisto tudo, embora admita que o uso do cartão de cidadão possa agora ajudar a resolver o problema. Há quem duvide - admito que possam ter razão - porque alegam que o cartão de cidadão "apenas serve para identificar o eleitor inscrito no caderno eleitoral" no momento em que vai votar. Julgo que esse trabalho cabe essencialmente ao Ministério da Administração Interna porque é vergonhoso termos cadernos eleitorais martelados ou feitos à medida de interesses, até na definição dos lugares de deputados...
Um autarca do Funchal participou numa troca de ideias graças a um comentários que publiquei na minha página do Facebook. Segundo ele, líder de uma das maiores freguesias do Funchal, "os eleitores que constam dos cadernos eleitorais tem de ter cartão do cidadão ou BI. Apenas esses. Não há mortos nos cadernos eleitorais (com exceção dos que faleceram nos 60 dias anteriores ao acto eleitoral) e os emigrantes que tenham residência oficial cá e que constam também desses cadernos, apesar de viverem fora da Região. Não há manipulação desses cadernos".
A pergunta-se coloca-se contudo: "como se explica a diferença entre o número de eleitores e os habitantes segundo o INE?"
Admite o autarca que venho citando que é possível que "com esta atualização do recenseamento dos emigrantes, nos países onde vivem, isso trará mais realidade aos cadernos eleitorais. Por exemplo, com o Brexit, muitos dos nossos emigrantes no Reino Unido, trataram de passar a residência definitiva para lá".
"A redução que houve de um modo geral neste ato eleitoral, tem a ver com a atualização da residência dos emigrantes. Por cá, na Madeira, a inversão desse dado, em contraciclo com o resto do país, terá a ver com aqueles que regressaram da Venezuela", esclareceu o autarca em questão
Lembro que uma das novidades deste ano, segundo o MAI, teve a ver com a eliminação do número de eleitor, com o objectivo de:
• Simplificação do processo de verificação da mesa de voto – o eleitor deixou de ser identificado por número de eleitor, ao qual acedia através da sua identificação civil, utilizando apenas esta para verificar o local de exercício do direito de voto de acordo com a morada por si declarada no Cartão de Cidadão.
• Em conformidade, os cadernos eleitorais foram ordenados por ordem alfabética.
• A primeira ordenação alfabética teve por base os atuais cadernos eleitorais, o que significa que, em regra, não houve alterações de local de voto.
Outra novidade este ano relacionou-se com o voto eletrónico presencial:
• O projeto-piloto foi implementado no distrito de Évora, com 50 mesas de voto eletrónico em 23 freguesias dos 14 concelhos de Évora.
• As mesas de voto eletrónico funcionaram independentemente das mesas de voto tradicional, que funcionarão sem qualquer alteração.
• Qualquer eleitor do Distrito de Évora exerceu o seu direito de voto numa das 50 mesas de voto eletrónico.
• O projeto-piloto teve, na sua concepção, a desmaterialização dos cadernos eleitorais do Distrito de Évora, que permite a descarga dos eleitores online, garantindo a unicidade do voto (um eleitor – um voto); por seu turno, o voto eletrónico é exercido num sistema informático completamente autónomo dos cadernos eleitorais, garantindo assim a confidencialidade do voto".
Ou seja, aos poucos o Cartão de Cidadão (ou BI, havendo) substituirá o cartão de eleitor em definitivo, embora haja quem prefira garantir já que este "já não existe" porque deixou de ser exibido nas mesas eleitorais para votarmos.
Nota final
Parece-me que estamos perante uma questão política mas de legalidade e de legitimação de actos eleitorais em relação à qual a justiça não pode ficar indiferente. A justiça e o Presidente da República enquanto garante maior da preservação dos valores, dos pilares e da verdade do regime democrático.

Se continuarmos com cadernos eleitorais empolados, deliberadamente distorcidos para que distritos e/ou regiões tenham mais deputados, com tudo o que isso implica de falsificação da realidade e de mais encargos financeiros, para que instituições públicas, com base num potencial embuste eleitoral (recenseamento) aufiram até de financiamentos superiores aos que teriam direito, ou para que os órgãos autárquicos tenham umas composição empolada com tudo o que isso significa em termos de cumplicidades partidárias, então caminharemos cada vez mais para o descrédito da nossa democracia quês e mede também pelos níveis de abstenção. Haja vontade política ou, não existindo essa, haja imposição legal para que tudo se normalize. (LFM, texto elaborado para o Funchal de Notícias)

Sem comentários: