"O
dr. Cavaco, Presidente da República, veio dizer no “5 de Outubro” que o sistema
político português estava em risco de implodir. O sistema político, reparem –
não o sistema económico. De acordo com S. Exa., os males que levariam a essa
tenebrosa catástrofe são dois.
Primeiro,
a distância entre o parlamento e o governo de um lado, e do outro a indiferença
dos portugueses pelo regime aumenta dia a dia. Segundo, os grandes partidos (o
PS e o PSD) não têm uma “cultura de compromisso” e não se querem, ou não se
podem entender. Estabelecido isto, o dr. Cavaco evita cuidadosamente avançar
com qualquer solução, porque essa audácia excederia os poderes que a
Constituição lhe concede. Os portugueses ficaram assim um pouco embasbacados e
foram como de costume à sua vida.
Ninguém
explicou ao nosso excelso Presidente que uma parte apreciável do país detesta e
teme o que ele considera uma virtude salvífica. Muito bom cidadão não vê
qualquer diferença entre o PS e o PSD – teórica, programática ou metodológica –
excepto uma franja radical, que vive ainda por volta de 1930. O descrédito dos
partidos está mais no facto de eles não se distinguirem do que no facto de se
odiarem por causa do monopólio ou da ausência do que o Estado lhes dá ou eles
prestimosamente roubam ao Estado. Este arranjo das coisas durou 60 anos na
lamentável história da nossa liberdade, talvez não seja familiar ao dr. Cavaco,
mas nada o impede de se informar, mesmo que esse dificultoso exercício o
obrigue de quando em quando a ler um livro.
Quanto
à famosa “aproximação” entre as personagens que pastoreiam a Pátria e o nobre
povo que nós sempre somos, há uma pequena dificuldade. Os mecanismos que se
inventaram para se chegar a esse paraíso de cidadania falharam sempre. O
círculo uninominal acabou por se tornar um feudo do deputado do círculo e
corromper a própria população: o voto era invariavelmente comprado ou coagido,
o recenseamento feito e refeito com o simpático voto dos defuntos (o PS de
Braga não inventou nada) e as contagens falsificadas. A famigerada “lista
nacional” provou à saciedade ser um óptimo caminho para a ditadura. E a mistura
destas várias subtilezas (sobretudo se metiam também a representação
proporcional) produziram rapidamente a pulverização dos parlamentos. O nosso
Presidente precisa de se acalmar" (texto de VASCO PULIDO VALENTE, Público,
com a devida venia)