“Eça de Queiroz apontava vícios terríveis à
imprensa. Os juízos ligeiros, sectarismo, partidarismo, falta de independência.
Com esse amontoado de desvirtudes, a imprensa florescia. Estava num trono.
Dizia que “para vir no jornal, homens se arruínam, mulheres se desonram,
políticos desmancham a boa ordem do Estado”. Nas democracias, o “grande esforço
era alcançar o louvor do jornal”.
O primeiro-ministro não se cansa de não
surpreender. Honra a língua materna como ninguém. No uso correcto da linguagem
correcta. Adoptou na governação a criatividade linguística da Jota. É o povo
“piegas”. A “salsicha educativa”. O “striptease bancário”. O “fanatismo
orçamental”. A "pancada” no povo. É “essa gente” toda.
Encolhemos os ombros: “coisas da juventude”.
Já passa. Não passa. É modo de ser.
Só a palavra imprópria já é mau. Constrange. É
o primeiro-ministro!
Se se passa às ideias, a coisa complica-se.
Eça não tem razão! O primeiro-ministro não
quer só o louvor da imprensa. Exige o acordo da imprensa. Se o jornal não louva
e concorda, é preguiçoso. Patético.
No seio da família partidária, entusiasma-se.
A unanimidade inebria-o. Subestima ensinamentos mínimos da vida. A prudência de
duvidar do unanimismo. Embalado com tanta razão, descura a lucidez. O
entusiasmo enevoa a clareza de espírito. Toma-se a parte pelo todo.
A preguiça procria juízos ligeiros. Os
jornalistas não estudam, não analisam. São calaceiros. Falam de cor. Deviam
seguir-lhe o exemplo. Tudo estuda com minúcia. De tudo fala com rigor. Nunca
diz ora uma coisa, ora outra. Nunca se engana! São uns preguiçosos.
São patéticos!
Exagerados. Inventaram a austeridade da qual nunca mais se sai. A dívida
sempre crescente. O défice que não desce. O futuro sem futuro. O desemprego. A
carga fiscal sem nome. Professores sem escola, alunos sem professor. Tribunais
bloqueados por meses. Conspiração jornalística.
Os jornalistas e comentadores são míopes. Mal
intencionados. Recusam a grandeza das reformas! Um povo que sofre. Quanto mais
trabalha, menos recebe. Mouro de trabalho para pagar impostos. Um Governo que
se sente muito melhor. As pessoas não. Uma terra vendida a retalho a
estrangeiros. Um país sem sonhos!
Sobrava a terminologia imprópria de
primeiro-ministro. Preocupante é o subliminar. As injúrias a uma classe
profissional. Dissimuladamente, a férula ao jornalismo, que é fundamental à
garantia da liberdade de pensamento, expressão e informação, firmada em tudo
quanto é legislação internacional e nacional sobre a matéria.
Eça dizia que “quando se lê constantemente
Séneca, ganha-se os hábitos e o espírito de Séneca”. Há anos a fio, o
primeiro-ministro professa uma doutrina: o “memorando de ajustamento”. O seu
Corão. Uma religião. Pensamento único. A graça da austeridade. O pecado mortal
de ser feliz em Portugal.
O memorando blasfema da cidadania. Renega e
despreza a liberdade. Só números, despedimentos , juros e cortes, em folhas de
Excel.
Personagem aquém, o primeiro-ministro não vê
adiante. Verbera o pensamento além. O memorando é a verdade. Pensar diferente é
heresia. Preguiça. Ser patético. Chama-se censura!” (texto de ALBERTO
PINTO NOGUEIRA, Procurador-geral adjunto, Público, com a
devida vénia)