“De
repente, para meu espanto, comecei a ouvir uma interpretação estranhíssima da
política portuguesa. A saber: Passos Coelho não estava preocupado com qualquer
espécie de eleições (nomeadamente, as legislativas) e só queria garantir o seu
lugar na História (com maiúscula). Como, ao princípio, este inverosímil boato
foi posto a correr na televisão pelo dr. Marques Mendes e pelo Prof. Marcelo,
julguei que se tratava de uma intriga do PSD, embora particularmente exuberante
e difícil de perceber. Mas, pouco a pouco, percebi que ela assentava em alguma
evidência, embora ténue, que vinha de Passos Coelho e de alguns entusiastas do
Governo e do pequeno círculo que hoje manda no partido. Afinal, o Prof. Marcelo
e o dr. Marques Mendes tinham farejado qualquer coisa de substantivo.
De
facto, o primeiro-ministro resolveu agora pedir “paciência” aos portugueses,
como se não soubesse que a “paciência” se esgotou em definitivo no país. Pior
ainda, adoptou um tom paternal e carinhoso para explicar à populaça por que
razão era preciso que ela continuasse na miséria; e, falando baixo, insinuou
que só a sua alta sabedoria podia perceber o que verdadeiramente se passava. Da
sua boca saía a verdade límpida e salvífica, da boca da oposição a babugem
nojenta da mentira. Veio também a cena de heroísmo, muito típica destes
melodramas. Passos Coelho jurou em público, numa tirada de filme “b”, que nunca
abandonaria Nuno Crato. “Até à morte ou à vitória, pela nossa honra, S. Jorge e
Portugal”, disse ele aproximadamente ao abananado matemático. A audiência quase
que chorava.
O
dr. Passos Coelho e os seus fiéis julgam que fizeram uma grande obra. Já se
esqueceram que a troika os forçou a fazer o que fizeram. Como se esqueceram,
com certeza por intervenção do Altíssimo, que não cumpriram o programa (aliás,
duvidoso) a que se tinham comprometido. Aumentaram a receita do Estado, sem
inteligência ou perícia; e fugiram de reformas substanciais com vigarices, com
pretextos e com uma insondável indolência. Quando o dr. Passos Coelho, lá para
Outubro, for delicadamente posto na rua, o Governo seguinte com um bocado de
papel e uma caneta arrasará numa hora tudo ou quase tudo o que ele deixou.
Entrou provavelmente na cabeça do primeiro-ministro a ideia perigosa de “deixar
um exemplo”. E deixou. Deixou um exemplo de trapalhada, de superficialidade e
de ignorância. Ou seja, nada de original” (texto de Vasco Pulido Valente,
Público, com a devida vénia)