quinta-feira, março 07, 2013

Opinião: “Soares e a democracia”

“Mário Soares é uma referência, o homem a quem Portugal deve não ter sido arrastado para o bloco comunista em 1975, tendo como expoente mais visível a manifestação da Fonte Luminosa, em Lisboa, no chamado Verão Quente.
Mário Soares é uma referência, o homem a quem Portugal deve não ter sido arrastado para o bloco comunista em 1975, tendo como expoente mais visível a manifestação da Fonte Luminosa, em Lisboa, no chamado Verão Quente. O País também deve ao governo que Mário Soares chefiou a recuperação da economia portuguesa em 1983-1984, aquando da segunda intervenção do FMI em Portugal. Disse então que "quem vê do estrangeiro este esforço e a coragem com que estamos a aplicar as medidas impopulares aprecia e louva o esforço feito por este Governo". Agora, diz que o Governo deve demitir-se antes que "os portugueses se enfureçam e a democracia desapareça".
Quase 40 anos volvidos sobre a crise de 1983/84, recordamos um período em que o escudo foi fortemente desvalorizado - 12% em Junho de 1983 e depois 1% ao mês -, houve congelamento do investimento público, redução dos salários reais, aumentos de preços da água, electricidade, transportes e produtos de primeira necessidade, como o pão, leite e açúcar, entre outros. Mas também houve subida de impostos e aplicado um imposto especial sobre os rendimentos, equivalente a metade do subsídio de Natal.
Os anos de 1983 e 1984 assistiram a uma forte queda da actividade económica, as falências sucederam-se, fazendo disparar o desemprego, e os salários em atraso passaram a ser frequentes. A tal ponto que o bispo D. Manuel Martins ergueu a voz para denunciar a existência de muitos casos de fome no distrito de Setúbal, embora se soubesse que existiam bolsas de fome por todo o território. As bandeiras negras foram, então, o símbolo da indignação e do protesto dos que foram atingidos pelas medidas de austeridade. Em 1984, na sequência da revisão do acordo com o FMI, Portugal fez novos cortes no investimento e nos salários reais, bem como aumentos de preços de bens e serviços essenciais.
O défice da balança de transacções correntes, que chegara a 13,2% do PIB em 1982, desceu, em 1984, para 6%, o PIB caiu 1,4%, os salários reais recuaram 10%, a inflação atingiu 30% e o desemprego chegou aos 10%. A meio do ano, Soares disse, por exemplo, que só havia uma coisa a fazer, apertar o cinto. O primeiro-ministro do Bloco Central afirmou que os portugueses se tinham habituado a viver acima das possibilidades e também que, apesar das críticas, dentro de algum tempo o País o iria considerar um herói. O certo é que o País voltou nos anos seguintes à senda do crescimento.
Em 1983, Portugal, com Mário Soares, pediu emprestados ao FMI cerca de 650 milhões de dólares, o equivalente a 3,5% do PIB. Em 2011, José Sócrates assinou um acordo com a troika no valor de 78 mil milhões de euros, ou seja mais de 45% do PIB de 2010. A vantagem de Mário Soares é que tinha uma dívida pública que atingiu 47,7% do PIB em 1983 (ou seja pouco mais de 6,5 mil milhões de euros), 53,1% em 1984 e 56,1% em 1985. O actual Governo herdou uma dívida de quase 108% do PIB no final de 2011, superior a 180 mil milhões de euros.
Hoje, como em 1983 e 1984, a receita do FMI e, agora da troika, baseia-se no forte aperto da economia, com redução do PIB e medidas de austeridade fortes, para projectar crescimento no futuro de forma mais sustentada. O estado a que o País hoje chegou, a necessidade de imprimir crescimento económico e criar emprego aconselharia que as medidas, como em 1983/84, fossem tomadas por um Governo representativo de uma maioria qualificada do espectro político nacional. Na sua ausência, o actual Governo é representativo de uma maioria parlamentar que deve ser respeitada por todos os democratas. Hoje, como em 1984, todos têm direito à indignação e ao protesto, mas o País não se pode dar ao luxo de entrar em crise política.
Declaração de interesses: Admiro Mário Soares pelo que acima fica exposto. Nunca fui filiado em nenhum partido político. Não sirvo este ou qualquer outro Governo ou força política. Apenas quero o melhor para o meu País e lamento que Ernâni Lopes, que foi ministro das Finanças em 1983 e 1984 e o verdadeiro responsável pela recuperação da economia, quando Mário Soares era primeiro-ministro, já não esteja entre nós para se pronunciar sobre a receita actualmente aplicada” (texto de Francisco Ferreira da Silva, Económico, com a devida vénia)