sábado, março 16, 2013

Opinião: "Que se lixem os portugueses!"

"Em qualquer empresa, quando 77% dos seus acionistas avaliam negativamente o desempenho do Conselho de Administração, convoca-se uma Assembleia Geral para discutir o que falhou e, no mínimo, demite-se o CFO, que é como quem diz, o ministro das Finanças.
Com falhanços sucessivos nos resultados líquidos, com fracassos continuados nas previsões, com a credibilidade hipotecada junto dos acionistas que, é bom não esquecer, são os portugueses e não a troika, Vítor Gaspar foi ontem o arauto da tragédia nacional. Depois de quebrado o contrato de confiança eleitoral, o ministro das Finanças destruiu o capital de confiança de um país quase inteiro ao afirmar que o "ajustamento terá de continuar durante décadas e exige o esforço de uma geração".
Longe vão os tempos em que se apregoava 2013 como o ano da viragem e da recuperação. Perdidos na memória estão os dias em que se garantia que os sacrifícios haveriam de dar resultados e que a austeridade seria aliviada findo o programa de ajustamento. Era, afinal, tudo mentira. Ou melhor, no tenebroso mundo de Gaspar era tudo verdade. Na folha de Excel onde não cabem pessoas, apenas números, sempre esteve escrito - e basta ver o que vão dizendo os ideólogos que gravitam à volta do Governo - que o emprego era para dizimar, a economia para destruir e o empobrecimento violento para concretizar para que, em cima dos escombros, se construísse uma sociedade nova com salários abaixo do limiar da dignidade humana.
Só assim se explica que a troika, essa entidade perante a qual quase todos em São Bento se ajoelham, tenha vindo dizer que "Portugal está no bom caminho". Isto é, uma taxa de desemprego que pode atingir um pico de 19% em 2014 - o que significará números reais na casa dos 24% -, uma recessão ainda mais violenta do que a revista há um mês pelo ministro das Finanças e que, para quem ainda acredita nas previsões de Gaspar, se fixará nos 2,3% do PIB, o abrandamento das exportações e o aumento constante da dívida pública ou o incumprimento consecutivo das metas do défice contratadas são, afinal, motivo de regozijo para o FMI, o BCE e a Comissão Europeia.
Cavaco Silva, chairman desta empresa que é Portugal, decidiu ontem ressuscitar. E ainda bem, pois arriscava continuar na irrelevância a que votou a sua função. Disse o Presidente, entre laudas e outros vitupérios, que a Europa devia envergonhar-se do crescimento económico negativo que registou em 2012 e que se prevê venha a repetir em 2013. Sublinhou o cansaço dos cidadãos, não só em Portugal, com as políticas de austeridade impostas no espaço europeu que, inevitavelmente, conduzem à recessão. Estranhou, e com razão, que as instituições internacionais tenham demorado tanto tempo a reconhecer - e não foi por falta de avisos vários - que não se podem fixar objetivos para o défice apenas com base em critérios monetaristas. E constatou que em Bruxelas mora outro português que, como ele, já considera que "a austeridade e os sacrifícios pedidos aos cidadãos europeus estão a atingir os limites do tolerável".
Mas, feito o diagnóstico e constatado aquilo que já todos sabemos há tempo demasiado, isto é, que é preciso outro caminho, o que vai fazer Cavaco Silva? Absolutamente nada. Qual "Rainha de Inglaterra", o chairman ignora o descontentamento generalizado dos acionistas bem expresso na sondagem desta semana da Universidade Católica e nas gigantescas manifestações inorgânicas de quem não se revê nos partidos do sistema. Limita-se a torpedear o corte de 4 mil milhões de euros na despesa estrutural do Estado, lembrando em público, quase em jeito de desafio ao Parlamento para que não o aprove, que este não passa de uma intenção do Governo que tem de ser votada pela Assembleia da República, em sede de Orçamento do Estado.
É certo, já todos percebemos, que os portugueses não têm esperança nas oposições. É um facto que as alternativas credíveis e viáveis que garantem existir ao rumo que está a ser seguido parecem estar fora do sistema partidário. E, portanto, das duas, uma: ou os partidos interpretam e incorporam as propostas da rua ou arriscamo-nos a que um dia destes nos saia na rifa um Beppe Grillo qualquer que ponha em causa a nossa presença na Europa" (texto de Nuno Saraiva, DN de Lisboa, com a devida vénia)