segunda-feira, março 18, 2013

Opinião: "Papa"

"Não sou especialista em questões religiosas mas tal como milhares de pessoas, tenho acompanhado os últimos tempos da Igreja Católica e as inegáveis pressões que têm sido feitas sobre o Vaticano e o seu titular. Sou o que vulgarmente se designa de um católico mas não praticante na dimensão que porventura me seria exigida e estaria obrigado por formação e por crença.
Faço parte de uma geração de pessoas, de cidadãos, de católicos, que nutriram por João Paulo II uma profunda admiração e respeito e que reconheceram ter sido um Papa fundamental para uma maior abertura da Igreja ao mundo, para a mobilização das estruturas católicas e para o crescimento do catolicismo no mundo. A sua maior virtude terá sido a capacidade de diálogo e de mobilização dos jovens. Ainda hoje recordo aquele impressionante discurso de João Paulo II – mensagem que várias vezes repetiu aos jovens – no início do seu pontificado, em Outubro de 1978 e repetido em inúmeras outras ocasiões, que ficou conhecido pelo “não tenhais medo”: “Irmãos e Irmãs: não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder! E ajudai o Papa e todos aqueles que querem servir a Cristo e, com o poder de Cristo, servir o homem e a humanidade inteira! Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo! Ao Seu poder salvador abri os confins dos Estados, os sistemas económicos assim como os políticos, os vastos campos de cultura, de civilização e de progresso! Não tenhais medo! Cristo sabe bem "o que é que está dentro do homem". Somente Ele o sabe!”.
As suas inúmeras viagens pelo mundo - incluindo a Madeira - deram a Karol Wojtyła um protagonismo enorme, transformando-o numa das personalidades mais marcante se influentes do século XX. Contudo - dizem os especialistas nas questões mais complexas do funcionamento de uma enorme e complexa estrutura como é a Igreja no Vaticano – essa procura do contato com o povo distanciou João Paulo II dos aspetos menos espirituais e mais concretos e terrenos, ligados à gestão corrente da Igreja e ao funcionamento de todas as suas estruturas. Reconhecidamente é na Curia, e na necessidade urgente de uma mudança significativa, que poderão centrar-se algumas das preocupações essenciais do novo Papa.
A Curia Romana é o órgão administrativo da Santa Sé, constituído pelas autoridades que coordenam e organizam o funcionamento da Igreja. Há quem considere a Curia uma espécie de governo da Igreja. Por via de um decreto de Outubro de 1965, do Papa Paulo VI, foi definido o modelo de funcionamento da Curia, estrutura e competências. A Cúria é dirigida pelo Secretário de Estado e atualmente dedica-se essencialmente ao apoio à ação papal, à diplomacia e à gestão política, dividindo-se em diversas estruturas, duas das quais - Secção de Assuntos Gerais e Secção de Relações com os Estados - são as mais importantes.
Bento XVI, olhado inicialmente com algum distanciamento pelas pessoas e pelos católicos em particular, provavelmente por ser alemão - apesar de ser um dos mais brilhantes teóricos e pensadores da Igreja, sobretudo durante o pontificado de João Paulo II, de quem foi amigo e um dos colaboradores mais diretos - acabou por revelar-se importante para a Igreja, apesar das dificuldades encontradas ao longo deste seu percurso, marcado por enormes vicissitudes e que provavelmente terão influenciado a sua surpreendente resignação, alegadamente por motivos de saúde e a avançada idade. Bento XVI, repito, tido como um dos pensadores mais brilhantes do Vaticano e da Igreja Católica nas últimas duas décadas, assumiu-se sempre como um filósofo da Igreja, um pensador que privilegiou a reflexão sobre o papel da Igreja nos novos tempos e ante todos estes novos desafios. Foi evidente a sua preocupação pelos problemas sociais e pela economia, denunciando abusos do capitalismo, das estruturas do capitalismo e a exploração das pessoas. Deu muito interesse às relações e à proximidade com as demais religiões e com outras Igrejas. A este nível deixa um legado com muitas potencialidades ao seu sucessor.
Obviamente que os motivos da resignação de Bento XVI não está isenta - nem ficará isenta - de muita especulação, nomeadamente quando é referida uma pretensa impotência papal perante uma sucessão de casos e escândalos que lhe foram dados a conhecer, uns relacionados com a Curia romana e com o funcionamento do Vaticano e da Santa Sé, outros com os comportamentos de destacados membros da própria Igreja. A verdade é que Bento XVI enfrentou muitos outros problemas que o incomodaram e enfraqueceram como foi o caso mais recente do “Vatileaks” e todos os casos de pedofilia que causaram problemas complicados à Igreja e ao Vaticano.
O caso da fuga de documentos (o chamado "Vatileaks") protagonizado pelo mordomo de Bento XVI, Paolo Gabriele – que fez chegar ao jornalista Paolo Gabriele documentação confidencial do Vaticano, alguma dela contendo várias denúncias, desde tráfico de influências à gestão financeira da Igreja e da Santa Sé, originando a publicação de um polémico livro - foi paradigmático e mediaticamente aquele que mais amplitude conheceu. A divulgação destes documentos causou um tremendo incómodo a Bento XVI, obrigando-o a pedir um relatório sobre todas as denúncias vindas a lume. A Igreja, sendo uma estrutura construída por homens e mulheres e destinada a pessoas, tem obviamente os mesmos erros e virtudes de qualquer sociedade e qualquer cidadão. Não se pode sustentar que a Igreja perdeu influência ou as pessoas dela se afastaram por causa destes casos. No futebol – a título de exemplo – os simpatizantes de um clube de futebol perdedor não deixam de o ser mesmo que o clube fique décadas sem ganhar títulos. É tudo uma questão de fé, de crença, de opção pessoal. Relativamente à Igreja Católica, com todos os seus defeitos e virtudes passa-se rigorosamente o mesmo. No fundo o desafio é saber se alguém pode honestamente atirar a primeira pedra…
É inquestionável que o novo Papa terá um tremendo e enorme papel a realizar a este nível, precisando de muito apoio dos fiéis e de muita coragem para enfrentar estruturas e interesses instalados que porventura precisarão de mudanças urgentes. Estamos a falar de um Papa que nunca desempenhou cargos no Vaticano, que por isso está distante da "nomenklatura" da Curia e com toda a liberdade para sobre ela se pronunciar e agir. É o primeiro latino-americano eleito Papa. Tal como ele próprio afirmou na sua primeira intervenção depois de eleito, “foram buscar uma solução aos confins do mundo”. Com 76 anos Jorge Bergoglio certamente que sabe que não pode hesitar em fazer o que tem que ser feito. O primeiro sinal de mudança porventura terá sido dado com a eleição deste jesuíta latino-americano descendente de italianos emigrantes. É preciso não esquecer que em cada 10 católicos existentes no mundo, 4 estão localizados no continente sul-americano.
A minha primeira impressão, tendo como referência a forma como geriu a sua aparição à varanda do Vaticano depois de eleito, é altamente positiva. Abre uma nova esperança. Temos um Papa que tem direito ao seu pensamento, às suas ideias, que parece ser adepto da simplicidade, que fala para as pessoas, que sente os problemas mais profundos da Igreja do nosso tempo, que se coloca ao lado dos mais fracos e carenciados. Um Papa que, segundo o diário secreto de um Cardeal falecido, já em 2005 terá estado em vias de ser eleito mas que pediu aos seus pares que não votassem nele por não se sentir preparado para o desafio que acabou por ser aceite por Bento XVI. “Habemus Papam”!" (LFM/JM)