domingo, março 17, 2013

UTAO – Leia na íntegra o parecer sobre o Impacte Orçamental da Proposta de Lei de Finanças regionais

Ficha técnica
Este trabalho foi elaborado com base na informação disponível até 11 de março de 2013. A análise é da exclusiva responsabilidade da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). Nos termos da Lei nº 13/2010, de 19 de julho, a UTAO é uma unidade especializada que funciona sob orientação da comissão parlamentar permanente com competência em matéria orçamental e financeira, prestando-lhe apoio pela elaboração de estudos e documentos de trabalho técnico sobre a gestão orçamental e financeira pública.
I- Nota introdutória
1- Por deliberação da COFAP, em reunião de 25 de janeiro de 2013, foi decidido solicitar à UTAO um “Estudo técnico sobre o impacto orçamental da Proposta de Lei nº 121/XII/2.ª / GOV) – Aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas, o qual deverá englobar, nomeadamente, uma análise comparativa do impacto orçamental da presente iniciativa legislativa, tal como apresentada, face à da Lei de Finanças das Regiões Autónomas em vigor”. Esta deliberação foi comunicada à UTAO através do Ofício nº 58/COFAP/2013, de 5 de fevereiro de 2013.
2- Nos termos da alínea f) do artigo 10º-A da Resolução da Assembleia da Republica nº 20/2004, de 16 de fevereiro, aditado pela Resolução nº 53/2006, de 7 de agosto e, posteriormente, pela Resolução nº 56/2010, de 23 de julho, encontrando-se igualmente previsto no Programa de Atividades da UTAO: 2.ª sessão legislativa da XII Legislatura, aprovado pela COFAP em reunião de 4 de outubro de 2012, apresenta-se o Parecer Técnico que sintetiza as conclusões da análise de impacte orçamental da Proposta de Lei nº 121/XII/2.ª / GOV) – Aprova a Lei de Finanças das Regiões Autónomas.
3- Para além da informação que se encontra no domínio público, a UTAO entendeu que a boa execução deste Parecer carecia de informação adicional. Neste sentido, foram solicitados diversos elementos aos Governos Regionais e às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas da Madeira e dos Açores e ao Ministério das Finanças, nomeadamente à Autoridade Tributária e Aduaneira, não tendo sido obtidas quaisquer respostas até à data de fecho da informação deste parecer preliminar (dia 11 de março). A ausência de resposta inviabilizou a apresentação de uma análise quantitativa suficientemente sólida para transferências do Estado e para as receitas fiscais. Note-se que não está disponível qualquer exercício de impacte orçamental sobre a LFRA efetuado pelo Governo (que é o responsável pela apresentação da Proposta de Lei).
II - Novo contexto orçamental das finanças das Regiões Autónomas
O regime das finanças regionais ficou pela primeira vez consagrado, de forma autónoma, com a aprovação da Lei nº 13/98, de 24 de fevereiro. O referido diploma foi objeto de algumas alterações pontuais, (1) tendo posteriormente sido revogado pela Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de fevereiro. Esta última foi alterada e republicada pela Lei Orgânica nº 1/2010, de 29 de março. Cabe ainda referir que, na sequência da intempérie que assolou a Madeira em Fevereiro de 2010, a “Lei de Meios” (Lei Orgânica nº 2/2010, de 16 de junho) procedeu à suspensão de alguns artigos da Lei Orgânica nº 1/2010 e à reposição de vigência de alguns dos artigos da Lei Orgânica nº 1/2007.
A proposta de lei em apreço (2) decorre do compromisso assumido pelo Governo, no âmbito do Programa de Assistência Económica e Financeira a Portugal, no sentido de apresentar à Assembleia da República uma nova proposta da Lei de Finanças das Regiões Autónomas (LFRA).
A presente iniciativa legislativa pretende assegurar a compatibilização com a revisão atualmente em curso da Lei de Enquadramento Orçamental (LEO), designadamente no que respeita à inclusão de todas as entidades públicas relevantes no perímetro da administração regional, à adoção de um quadro plurianual orçamental e ao estabelecimento de regras orçamentais. Simultaneamente, pretende adaptar o quadro jurídico das finanças regionais às regras e procedimentos orçamentais previstos no Pacto Orçamental Europeu,(3) que serão transpostas para a ordem jurídica interna no contexto da revisão da LEO (4).
No âmbito da nova arquitetura jurídica das finanças das regiões autónomas, que deverá entrar em vigor a partir de 1 de janeiro de 2014, é preconizado o reforço da responsabilidade financeira e das funções de gestão das Regiões, sendo de destacar sobretudo as seguintes alterações:
i) Alargamento do âmbito de aplicação da LFRA ao universo de entidades relevante para efeitos da Contabilidade Nacional. Por outro lado, as referidas entidades ficam obrigadas ao cumprimento da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso;
ii) Vinculação das Regiões ao quadro plurianual de programação orçamental, que define os limites à despesa das administrações regionais em consonância com os objetivos estabelecidos no Programa de Estabilidade e Crescimento;
iii) Introdução de um novo capítulo respeitante a regras orçamentais, salientando-se a regra do equilíbrio orçamental, de acordo com a qual o saldo corrente deduzido das amortizações médias de empréstimos tem de ser, em média, equilibrado ou excedentário;
iv) Passa a estar prevista a possibilidade de a Lei do Orçamento do Estado poder determinar transferências do Orçamento do Estado de montante inferior àquele que resultaria da aplicação da LFRA. Essa eventual redução dependerá da verificação de circunstâncias excecionais, nomeadamente as exigidas pela observância das obrigações decorrentes do Programa de Estabilidade e Crescimento;
v) Ajustamentos na forma de cálculo do valor das transferências orçamentais a repartir entre as Regiões, tanto em cumprimento do princípio da solidariedade como a título do fundo de coesão;
vi) A dívida das entidades do setor público administrativo regional passará a estar sujeita a um limite assente na relação entre a totalidade do passivo exigível e a receita corrente líquida cobrada. De acordo com a proposta de lei, o passivo exigível engloba empréstimos, contratos de locação financeira e quaisquer outras formas de endividamento junto de instituições financeiras, bem como todos os restantes débitos a terceiros decorrentes de operações orçamentais;
vii) Os empréstimos a emitir pelas Regiões deixam de poder beneficiar de garantia pessoal do Estado. Por outro lado, o Estado não poderá assumir responsabilidades pelas obrigações das regiões autónomas nem assumir compromissos que decorram dessas obrigações, sem prejuízo das situações legalmente previstas.
viii) Revisão do critério de afetação das receitas do IVA às Regiões, passando-se de um método de afetação real (entrega às Regiões do produto exato dos impostos gerados nos seus territórios) para um método de capitação ajustado pelo diferencial entre as taxas regionais e nacionais do IVA;
ix) Limitação da redução das taxas de IRC, IRS e IVA aplicadas nas Regiões a um máximo de 20% (em vez dos atuais 30%) quando comparadas com as taxas aplicáveis no Continente. A redução do referido diferencial fiscal já se encontrava prevista no âmbito do Memorando de Entendimento;
x) A participação variável no IRS a favor das autarquias locais das regiões autónomas passa a ser deduzida à receita de IRS cobrada na respetiva Região, devendo o Estado proceder diretamente à sua entrega às autarquias locais;
xi) Reforço do papel do Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras (nomeadamente no que respeita à deteção precoce de desvios orçamentais) e dos poderes da Autoridade Tributária e Aduaneira, de forma a assegurar o direito à informação;
xii) Volta a estar previsto um artigo (que entretanto havia sido revogado) sobre a transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, de acordo com o qual compete às Regiões assegurar os recursos financeiros e o património adequado ao desempenho das funções transferidas, sempre que estas sejam da competência inicial dos Governos Regionais;
xiii) Revogação do artigo que determinava que cada região autónoma tinha direito a uma parte dos resultados líquidos de exploração dos jogos sociais explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Refira-se que a referida norma encontra-se presentemente suspensa até 31 de dezembro de 2013.

II.1 Regras de Equilíbrio Orçamental

4 As regras de equilíbrio orçamental são definidas no artigo 16º da presente PPL. São apresentadas duas regras:
a) de acordo com o previsto no nº 2, a receita corrente líquida deve ser pelo menos, em média durante o mandato do Governo Regional, igual à despesa corrente acrescida das amortizações médias de empréstimos. Significa isto, na prática, que o saldo corrente terá de ser equilibrado ou excedentário;
b) o nº 3 do referido artigo, admite, que o saldo corrente deduzido da amortização não pode registar, em qualquer ano, mais do que 5% da receita corrente líquida cobrada.
A UTAO entende que a interpretação desta última regra presta-se a alguma ambiguidade, uma vez que o saldo corrente não inclui as “amortizações de empréstimos”. Tal como sucede no caso do artigo 48.º,relativo às transferências orçamentais, seria útil que o artigo 16.º, relativo às regras de equilíbrio orçamental, também dispusesse de uma fórmula matemática que tornasse a sua determinação menos sujeita interpretações incorretas. Saliente-se que ambas as regras de equilíbrio orçamental excluem as receitas e as despesas de capital. Se por um lado, esta opção parece permitir alguma margem à realização de despesas de investimento, por outro lado, pode contribuir para tornar mais transparente o impacte das decisões de investimento no défice global das regiões autónomas.

II.2 Quadro plurianual de programação orçamental
5 - Sem prejuízo do seu carácter eminentemente anual, os orçamentos das Regiões Autónomas passam a ser enquadrados numa perspetiva de plurianualidade. A proposta de LFRA transpõe o princípio da plurianualidade da 5.ª alteração à LEO. Tal como já sucede para o subsetor da administração central, estabelece-se também um quadro plurianual de programação orçamental para a administração regional. De acordo com a PPL, este deverá ser atualizado anualmente, para os quatro anos seguintes, no decreto legislativo regional que aprova o orçamento da respetiva RA.
6 - A definição dos limites da despesa deverá estar em consonância com os objetivos estabelecidos no Programa de Estabilidade e Crescimento, não se especificando, porém, os termos dessa definição. No âmbito da “Avaliação do processo orçamental em Portugal - 2008”, a OCDE recomenda a existência de limites para a despesa de modo a conferir estabilidade e credibilidade aos objetivos orçamentais, fornecendo uma restrição mais eficaz ao crescimento da despesa e impondo a definição de prioridades que respeite os limites estabelecidos. Assim, entender-se-á a proposta de adoção de limites para despesa, na medida em que estes poderão contribuir para promover a disciplina orçamental. O artigo 20º da presente PPL estabelece que o quadro plurianual de programação orçamental deve constar da proposta de decreto legislativo regional apresentada pelo Governo Regional à Assembleia Legislativa, em consonância com o Programa de Estabilidade e Crescimento. Importaria conhecer se o referido limite se aplica a toda a despesa, independentemente da sua forma de financiamento.
II.3 Limites à dívida pública regional e procedimento de deteção de desvios
7 - A PPL introduz um novo conceito para a dívida regional, o qual é mais abrangente que o consagrado no Pacto de Estabilidade e Crescimento para as administrações públicas. A lei atualmente em vigor tem subjacente um conceito de dívida pública regional mais limitado, o qual compreende apenas a dívida financeira. De acordo com a PPL, a dívida regional passa a abranger a totalidade dos passivos exigíveis, ou seja, a incluir também os passivos relativos à dívida não financeira. Ou seja, nos termos do nº 5 do artigo 39º “Os passivos exigíveis referidos no nº 1 [do artigo 39.º] englobam os empréstimos, os contratos de locação financeira e quaisquer outras formas de endividamento, por iniciativa das Regiões Autónomas, junto de instituições financeiras, bem como todos os restantes débitos a terceiros decorrentes de operações orçamentais”. (5) Trata-se de um conceito de dívida que difere do estabelecido no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento (pois abrange apenas a dívida financeira), e relativamente ao qual foi estabelecido um limite de 60%. (6)
8 - A PPL estabelece um limite para a dívida regional, o qual passa a depender da relação entre o passivo exigível e a receita corrente. Na lei em vigor encontra-se estabelecido um limite ao endividamento, o qual está dependente da relação entre o serviço da dívida (financeira) e a receita corrente. Com efeito, nos termos do n.º4 do artigo 35º da republicação da Lei orgânica n.º1/2007, de 19 de fevereiro, estabelece-se que “em resultado do endividamento adicional ou de aumento do crédito à Região, o serviço de dívida total, incluindo as amortizações anuais e os juros, não exceda, em caso algum, 22,5% das receitas correntes do ano anterior, com exceção das transferências e comparticipações do Estado para cada Região”. De acordo com a PPL, estabelece-se um limite para a dívida regional, segundo o qual o total do passivo exigível das entidades do subsetor da administração regional para efeitos de contas nacionais não poderá ser superior a, “em 31 de dezembro de cada ano, 1,5 vezes a média da receita corrente líquida cobrada nos últimos três exercícios”. (7), (8) Saliente-se que a receita corrente utilizada para efeitos de cálculo do limite para a dívida regional deixará de excluir as transferências e comparticipações do Estado para cada Região, ao contrário do estabelecido no nº 4 do artigo 35º constante da lei em vigor.
9 - A redução da dívida acima do limite passa a obedecer a uma regra quantitativa. Nos termos do nº 7 do artigo 39.º, a PPL estabelece que a RA deverá assegurar uma redução anual de pelo menos um vigésimo do excesso relativamente ao referido limite.

Com efeito, a aplicação da regra definida na PPL sobre a LFRA poderá desencadear um esforço de correção demasiado exigente. No limite, ainda que se entenda a necessidade de adotar regras de redução da dívida pública no contexto atual, a adoção de um mecanismo de ajustamento de difícil exequibilidade poderá contribuir para reduzir a sua própria credibilidade.
9 - Com esta regra pretende-se estabelecer um mecanismo de ajustamento tendente a colocar a dívida numa trajetória descendente, o que não existe na lei em vigor, que apenas impede a constituição de novas dívidas (o endividamento) acima de um determinado limite. A regra de ajustamento tem algumas semelhanças com a que se encontra presentemente em discussão no âmbito da LEO e que decorre da transposição da nova arquitetura europeia em termos de regras e de procedimentos orçamentais (10), (11). Todavia, saliente-se que o excedente face ao limite parece ter sido estabelecido na PPL para a LFRA em termos nominais (i.e. em unidades monetárias correntes) uma vez que o limite que foi estabelecido encontra-se medido nesses termos (1,5 vezes a média da receita corrente cobrada nos últimos três exercícios), ao contrário do que sucederá relativamente à proposta de alteração à LEO, que aponta para uma correção do excesso da dívida em percentagem do PIB relativamente ao referencial de 60%. Com efeito, para a correção da dívida em excesso não é indiferente o crescimento nominal da economia.(12) Por outro lado, tendo em consideração os dados disponíveis para as RA, um limite com base na receita corrente poderá ser mais rigoroso que um limite de 60% do PIB para a dívida pública regional na ótica de Maastricht (ver Caixa 3). Com efeito, a aplicação da regra definida na PPL sobre a LFRA poderá desencadear um esforço de correção demasiado exigente. No limite, ainda que se entenda a necessidade de adotar regras de redução da dívida pública no contexto atual, a adoção de um mecanismo de ajustamento de difícil exequibilidade poderá contribuir para reduzir a sua própria credibilidade.
10 - De acordo com a PPL, a aplicação das regras de equilíbrio orçamental e de limite à dívida regional encontram-se suspensas durante a vigência do Programa de Assistência Económica e Financeira. Tendo presente o disposto na PPL, entende-se que só após o termo do programa de assistência económica e financeira em vigor serão aplicadas as regras e mecanismos previstos na presente proposta de lei relativamente às regras de equilíbrio orçamental (art. 16.º) e aos limites à dívida regional (art. 39.º) (13).

II.4 Alterações de natureza fiscal
11 - Apesar de ter sido solicitado ao Ministério das Finanças um conjunto de informação indispensável para se proceder à avaliação do impacte das alterações decorrentes da Proposta de Lei em apreço, esses elementos não foram disponibilizados até à data. Deste modo, não foi possível quantificar o impacte orçamental decorrente das seguintes alterações: (ver Esquema 1)
- eliminação da alínea c) do artigo 19º da Lei Orgânica nº 1/2010, de 29 de março (correspondente ao artigo 25º da PPL nº 121/XII/2.ª), relativo à receita do IRS;
- eliminação do artigo 30º da Lei Orgânica nº 1/2010, de 29 de março relativo às “receitas líquidas da exploração dos jogos sociais”;
- redução do limite do “diferencial fiscal” entre as taxas aplicadas nas Regiões e no Continente, de 30 para 20% (c.f. nº 2 do artigo 59º da PPL nº 121/XII).

II.5 Alargamento do perímetro de consolidação para efeitos de contas nacionais
12 - A Proposta de Lei em apreço alarga o âmbito de aplicação da Lei das Finanças Regionais ao universo relevante para efeitos da contabilidade nacional. De acordo com o artigo 2º da PPL nº 121/XII/2.ª o âmbito de aplicação da Lei das Finanças Regionais é estendido, passando a abranger todas as entidades que “… independentemente da sua natureza e forma, tenham sido incluídas no subsetor regional no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais, nas últimas contas setoriais publicadas pela autoridade estatística nacional, referentes ao ano anterior ao da apresentação do orçamento regional.” (cf. nº 2 do artigo 2º da PPL/XII/2).
13 - Procura-se assegurar a compatibilização da Lei de Finanças das Regiões Autónomas com o preceituado na Lei de Enquadramento Orçamental. A quinta alteração à Lei de Enquadramento Orçamental (14) aproximou o perímetro de consolidação do sector público administrativo em contabilidade pública (relevante para a apresentação do OE), com o perímetro em contas nacionais, relevante para efeitos do reporte do saldo das Administrações Públicas à Comissão Europeia. Assim, a presente Proposta de Lei pretende harmonizar o preceituado na LFRA com o já definido na LEO desde 2011, o que também contribuirá para reduzir o montante de ajustamentos contabilísticos entre a ótica da contabilidade pública e a das contas nacionais (15).
II.6 Redução das transferências orçamentais por via da Lei do OE
14 - A Proposta de Lei admite a possibilidade de a Lei do Orçamento do Estado poder vir a estabelecer transferências orçamentais de montante inferior àquele que resulte da aplicação da LFRA. Esta disposição, prevista no nº 1 do artigo 14º da PPL nº 121/XII/2.ª, encontra-se em conformidade com o previsto no artigo 88º da Lei de Enquadramento Orçamental, no sentido de assegurar o cumprimento dos princípios de estabilidade orçamental e de solidariedade recíproca, decorrentes do artigo 126º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Contudo, a sua efetivação depende da “verificação de circunstâncias excecionais imperiosamente exigidas pela rigorosa observância das obrigações decorrentes do Programa de Estabilidade e Crescimento e dos princípios da proporcionalidade, não arbítrio e solidariedade recíproca”, sendo também requerida audição prévia das entidades regionais constitucional e legalmente competentes nesta matéria.
II.7 Não assunção de responsabilidades por parte do Estado
15 - Os empréstimos a emitir pelas Regiões deixam de poder beneficiar de garantia pessoal do Estado. Com exceção das situações legalmente previstas, passa a estar vedada ao Estado a concessão de garantias pessoais para empréstimos a emitir pelas Regiões Autónomas. Desta forma, é reforçada a responsabilidade financeira dos órgãos regionais com competências nesta matéria. Sem a garantia pessoal do Estado, o prémio de risco exigido no âmbito da contração de novos empréstimos tenderá a ser maior que o verificado em empréstimos comparáveis para os quais tal garantia tenha ocorrido. De acordo com a Proposta de Lei, o novo quadro normativo entrará em vigor em 1 de janeiro de 2014, numa altura em que se encontram em vigor os acordos económico-financeiros com ambas as Regiões Autónomas, cujos efeitos deverão conduzir a finanças públicas regionais mais sustentáveis, permitindo que as regiões autónomas se financiem autonomamente no mercado. (artigo 42º da PPL nº 121/XII/2.ª).
16 - Fica vedada a possibilidade de o Estado assumir responsabilidades pelas obrigações das Regiões Autónomas, bem como de assumir compromissos decorrentes dessas obrigações, sem prejuízo das situações previstas na Lei. Esta proibição já se encontrava prevista na Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de fevereiro (artigo 36.º), tendo entretanto sido retirada no âmbito da Lei Orgânica nº 1/2010, de 19 de março (artigo 41.º). Com a presente Proposta de Lei (artigo 45.º) volta-se, assim, a impedir que o Estado assuma responsabilidades pelas referidas obrigações (16)
17 - O Tribunal de Contas teceu recentemente algumas considerações sobre o princípio da responsabilidade, previsto na proposta de revisão da Lei de Enquadramento Orçamental (17). No âmbito da discussão da PPL que procede à sétima alteração à LEO, (18) o Tribunal de Contas terá considerado que a redação do princípio da responsabilidade (previsto no nº 2 do artigo 10.º- da referida PPL), consubstancia uma desresponsabilização financeira do Estado (administração central) relativamente aos subsetores da administração regional e local porque “colide com o disposto no artigo 10.º-B, nº 1, da LEO (solidariedade recíproca)” (19). Entende ainda o Tribunal de Contas que “O texto não responde às exigências” da Diretiva 2011/85/EU do Conselho, de 8 de novembro de 2011, que estabelece os requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais dos Estados-Membro, dado que esta determina, no seu artigo 13.º, nº 2, que “A fim de promover a responsabilização orçamental, deve ser claramente estabelecida a responsabilidade das autoridades públicas nos diferentes subsectores da administração pública.” Assim, o Tribunal de Contas alega que a PPL de revisão da LEO “não estabelece claramente a responsabilidade das autoridades públicas nos diferentes subsetores, antes procede a uma delimitação negativa ao eximir o Estado da responsabilidade pelos compromissos assumidos pelos subsetores regional e local e vice-versa”
II.8 Assunção de compromissos e pagamentos em atraso
18 - Todas as entidades do setor público administrativo regional, incluindo as entidades públicas regionais reclassificadas, passam a estar vinculadas ao cumprimento da Lei dos Compromissos e Pagamentos em Atraso. De acordo com a PPL nº 121/XII/2.ª, a LFRA aplicar-se-á a todas as entidades do setor público administrativo regional, incluindo as que, independentemente da sua natureza e forma, tenham sido incluídas no subsetor regional no âmbito do Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (20). Este universo de entidades, coincidente com o universo considerado em contabilidade nacional, fica obrigado ao cumprimento da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso (LCPA) (21)
19 - As Regiões Autónomas têm a faculdade de aprovar normas de regulamentação da LCPA. A PPL em apreço prevê a possibilidade de as Regiões Autónomas aprovarem normas de regulamentação da LCPA, mediante decreto legislativo regional. Porém, no nº 2 do artigo 68º da PPL nº 121/XII/2.ª, determina-se que, na ausência dessa aprovação, as Regiões ficam obrigadas a dar cumprimento ao normativo que regulamenta a aplicação da LCPA (22).
II.9 Transferência de competências para as autarquias locais
20 - Compete às Regiões Autónomas assegurar os recursos financeiros e o património adequado ao desempenho de funções que venham a ser transferidas para as autarquias locais, sempre que estas sejam da competência inicial dos Governos Regionais. Note-se que esta disposição (artigo 54º da PPL nº 121/XII/2.ª) constava na Lei Orgânica nº 1/2007, de 19 de fevereiro (artigo 44.º), tendo entretanto sido revogada pela Lei Orgânica nº 1/2010, de 29 de março.
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Notas finais:
1 - Designadamente através da Lei Orgânica nº 1/2002, de 29 de junho, e da Lei Orgânica nº 2/2002, de 28 de agosto, bem como pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de dezembro.2 - Proposta de Lei nº 121/XII/2.ª S, que revoga as Leis Orgânicas nº 1/2007 e nº 1/2010, assim como o artigo 20º da Lei de Meios.
3 - Mais concretamente nos artigos 3º a 8º do Tratado sobre a Estabilidade, a Coordenação e a Governação na União Económica  e Monetária, e na Diretiva nº 2011/85/UE, do Conselho, de 8 de novembro de 2011, relativa aos requisitos para os quadros orçamentais dos Estados membros.
4 - Proposta de Lei 124/XII, que procede à sétima alteração à Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada pela Lei nº 91/2001, de 20 de agosto.
5 - Não obstante o reforço dos procedimentos de controlo da execução orçamental a partir de 2012, no domínio do controlo dos compromissos, com a aplicação da Lei de Compromissos e Pagamentos em Atraso (LCPA), pretende-se com a abrangência do limite da dívida regional, reforçar o desincentivo à acumulação de outras formas de dívidas, em particular fornecedores. Note-se que a presente PPL prevê a faculdade de regulamentação da LCPA pelas Regiões Autónomas.
6 - Definição constante no regulamento (CE) n.º479/2009 do conselho, de 25 de maio, relativo à aplicação do protocolo sobre o procedimento relativo aos défices excessivos anexo ao Tratado que institui a Comunidade Europeia.
7 - De acordo com o proposto no nº 1 do artigo 39º da PPL nº 121/XII/2ª.
8 - Excecionalmente, o nº 2 do artigo 39º admite que aquele limite poderá “ser ultrapassado quando esteja em causa a contração de empréstimos destinados ao financiamento de investimentos de recuperação de infraestruturas afetadas por situações de catástrofe, calamidade pública, ou outras situações excecionais.”, mas os termos da sua aceitação são condicionados a aceitação prévia do Governo e do Conselho de Acompanhamento das Políticas Financeiras.
9 - Saliente-se que, de acordo com o disposto no nº 1 e 2 do artigo 44º da PPL n.º121/XII/2, a correção da trajetória orçamental por violação dos limites à dívida regional não impede a aplicação de sansões, as quais se traduzem na retenção das transferências devidas nos anos subsequentes de valor igual ao excesso de endividamento.
10 - A proposta de revisão da LEO atualmente em discussão na Assembleia da Republica, estabelece a redução do excesso apenas para o conjunto da divida financeira (Maastricht), a uma taxa de um vigésimo por ano, aferida numa média de 3 anos, conforme disposto no n.º1 do artigo 10.º- G. A revisão da LEO tem por objetivo transpor para a ordem jurídica interna a nova arquitetura europeia em termos de regras e de procedimentos orçamentais. Recorde-se que no âmbito do novo Tratado Intergovernamental sobre a Estabilidade, a Coordenação e a Governação na União Económica e Monetária foi introduzido um referencial numérico para a redução da dívida pública nos Estados-Membros, nos casos em que aquela ultrapasse o valor de referência de 60% do PIB. Nesta situação, cada Estado-Membro incumpridor terá de assegurar uma redução do excesso a uma taxa média de 1/20 por ano. “Quando a relação entre a dívida pública e o produto interno bruto (PIB) exceder o valor de referência de 60%, o Governo está obrigado a reduzir o montante da dívida pública, na parte em excesso.”
11 - A PPL introduz ainda mecanismos preventivos. Neste plano, é desencadeado um sinal de alerta sempre que se verifica que a receita corrente líquida cobrada em média nos últimos três exercícios excede o passivo exigível.
12 - Para a redução da dívida em percentagem do PIB pode contribuir tanto a diminuição da dívida em termos absolutos como o crescimento nominal do produto. No limite, a redução da dívida em percentagem do PIB pode ocorrer a par do aumento do valor nominal da dívida, bastando para tal que o PIB cresça a um ritmo mais elevado.
13 - Recorde-se que o Programa de Assistência Económica e Financeira assinado pelo Governo Regional da Madeira (PAEF-RAM) visa corrigir a situação de desequilíbrio financeiro da Região, enquanto o Memorando de Entendimento assinado entre o Governo Regional dos Açores e o Governo da República visa colmatar a dificuldade de acesso aos mercados para o financiamento da dívida da Região.
14 - Lei nº 22/2011, de 20 de maio.
15 - A quinta alteração à LEO (Lei nº 22/2011, de 20 de maio) alargou o perímetro de consolidação em contabilidade pública, aproximando-o do relativo às contas nacionais (artigo 2.º, nº 5 da Lei nº 91/2001, de 20 de Agosto). Em paralelo, o nº 6 do artigo 2º da LEO passou a estabelecer que “Sem prejuízo do princípio da independência orçamental estabelecido no nº 2 do artigo 5.º, são aplicáveis aos orçamentos dos subsectores regional e local os princípios e as regras contidos no título II, bem como, com as devidas adaptações, o disposto no artigo 17.º, devendo as respetivas leis de enquadramento conter as normas adequadas para o efeito.” Assim, a presente Proposta de Lei nº 121/XII/2 visa dar cumprimento ao preceituado nesta disposição legal.
16 - Apesar de não ser possível quantificar ex-ante o impacte desta norma, recorde-se que o Estado assumiu, entre 1998 e 2002, cerca de 285 M€ de dívida das Regiões Autónomas. Ao abrigo da 1.ª Lei de Finanças das Regiões Autónomas o Estado assumiu responsabilidades financeiras, de ambas as Regiões Autónomas, qua ascenderam a 138 M€ em 1998 (62 M€ da RAA e 76 M€ da RAM), 82 M€ em 1999 (48 M€ da RAA e 34 M€ da RAM) e 64,8 M€ em 2002 (32,4 M€ de cada uma das Regiões).
17 - O artigo 10.º-F, nº 2 refere que: “O Estado não assume nem é responsável pelos compromissos assumidos pelos subsetores regional e local, nem estes podem ser responsabilizados pelos compromissos assumidos pelo Estado ou outros subsetores, sem prejuízo das garantias financeiras mútuas para a execução conjunta de medidas específicas.”
18 - PPL nº 124/XII/2.
19 - Onde se dispõe o seguinte: “A aprovação e a execução dos orçamentos dos subsetores a que se refere o nº 1 do artigo anterior estão sujeitas ao princípio da solidariedade recíproca.”
20 - Designadamente nas últimas contas setoriais publicadas pela autoridade estatística nacional, referentes ao ano anterior ao da apresentação do orçamento regional.” (cf. Artigo 2.º, nº 2 da PPL/XII/2).
21- Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso (LCPA): Lei nº 8/2012, de 21 de fevereiro, alterada pela Lei nº 20/2012, de 14 de maio e pela Lei nº 64/2012, de 20 de dezembro.
22 - Decreto-Lei nº 127/2012, de 21 de junho, alterado pela Lei nº 64/2012, de 20 de dezembro, contempla as normas legais disciplinadoras dos procedimentos necessários à aplicação da Lei dos Compromissos e dos Pagamentos em Atraso.