quinta-feira, janeiro 11, 2024

Nota: um drama que exige coragem e a percepção de que a realidade mudou demasiado e rapidamente

Esta semana foi algo deprimente porque ficamos todos a perceber, mais ou menos, que a crise que ameaça o futuro do grupo de comunicação social português Global Média, é mais profunda, difícil e complexa do que parece, e poderá ter as suas raízes numa conjugação de protagonistas, factos, realidades erradamente escamoteadas, e decisões desajustadas, durante algum tempo desvalorizadas, mas que acabaram por conduzir o grupo a uma situação que precisa de ser resolvida. Neste momento o problema parece ser simples: ou a necessidade de tomar medidas, porque a crise no sector da comunicação social, que não é nova, é hoje uma realidade incontornável ou, lamentavelmente, podemos ter um desfecho ainda pior do que aquele que alguns vaticinavam, dada a ramificação deste grupo privado presente, paradoxalmente, em meios de comunicação social que durante anos, antes da privatização, estavam na órbita do sector empresarial do Estado, casos da Lusa, DN e JN.

Aliás, suspeito que foi esse antecedente, independentemente da gravidade e da desumanidade subjacente ao caso e à crise, que garantiu a polémica, o espaço mediático e a atenção política em torno desta instabilidade na GM.

Confesso que tenho seguido, pesarosamente, a evolução diária do assunto, inquestionavelmente solidário com os trabalhadores do grupo, cerca de 500 pessoas, a braços com os salários dramaticamente em atraso. Mas não percebo qual a saída, fazendo fé na situação da empresa, nem como pode o Estado intervir, possibilidade que nestes dias foi aventada. Julgo que a política europeia - não tenho a certeza, dada a existência de excepções ou de situações que podem ser implementadas com um prazo de validade previamente estabelecido - não facilita esse apoio estatal, mas entre salvar bancos falidos por corruptos, mentiras, aldrabices, oportunismos, enganos de clientes, bandidos à solta e roubalheira generalizada e garantir a sobrevivência de um dos pilares da democracia e da liberdade - uma comunicação social livre de condicionalismos políticos, empresariais, económicos, financeiros ou outros - não há dúvidas quanto ao que escolher. Isto, obviamente, recusando que qualquer decisão a tomar, no caso da GM, possa premiar o infractor, nomeadamente beneficiar casos de gestão bandalhamente danosa, o legado de alguns vaidosos incompetentes promovidos a lugares chave no processo de decisão da empresas, e para os quais não estavam preparados nem habilitados, ou a caganças que se apoderam de algumas mentes menos preparadas, quando promovidas a patamares que nunca foram os seus, onde nunca estiveram e aos quais nunca sonharam ascender. Veremos o que a evolução desta trapalhada, triste e lamentável, nos reserva, na certeza de que a decisão para uma solução duradoira passível de resolver o impasse, provavelmente não se compadecerá com a manutenção de situações que podem estar desajustadas da realidade, por muito que isso custe reconhecer e aceitar. Recordo, a propósito - até porque deles ninguém falou tanto como agora, nem o assunto mereceu a atenção mediática agora associada à GM - outros casos recentes de despedimento colectivo no sector, um dos quais (porque houve outros) no histórico jornal desportivo A Bola, adquirido por investidores estrangeiros para os quais a história e outras conversas interessam pouco ou quase nada, sendo o lucro a prioridade maior. Aliás, a Global Média foi adquirida por um estranho fundo abutre, mais um, daqueles que se aproveitam de fragilidade de terceiros, reunindo à sua volta investidores fantasmas sedentos de lucro fácil, nem que seja à custa da desgraça alheia.

O que me intriga, nesta misteriosa teia de contradições, de meias-verdades e de eventuais omissões por conveniência, em torno da situação do grupo Global Média - e ninguém obriga por decreto as pessoas a comprarem jornais ou a ouvirem rádios... - é que ninguém ainda explicou porque motivo, apesar do estado alegadamente "desgraçado" e pretensamente de quase falência do grupo GM, mesmo assim ainda apareceram investidores apostados na sua compra! Mistério, mais um...

Pelos vistos, face a notícias entretanto publicadas, tudo indica que o grupo GM, pela posição acionista que lá possui, poderá vir a enfrentar problemas também na Lusa, que temo possa vir a ser o próximo meio de informação a passar por dificuldades, com consequências ainda piores do que aquelas que afectam os meios de informação da Global Media.

O problema da sustentabilidade da comunicação social tem-se agravado há mais de 10 anos, sem que essas ameaças tenham sido devidamente tidas em consideração e adequadamente valorizadas. Sei do que falo porque no passado profissional pessoal pelo menos em dois meios de comunicação social - quando apenas estava no jornalismo activo - passei por situações de salários em atraso e, no caso de um deles, tive de ir, com alguma imaginação e total discrição, à procura de soluções que admito hoje seriam substancialmente  impraticáveis. E falamos, na altura, de um pequeno grupo de profissionais afectados.

O problema da imprensa, por exemplo, não reside apenas nos "roubos" de edições nalguns sites, nem sequer na sua partilha em números que julgo insignificantes. Sem certeza e segurança no que afirmo, correndo por isso o risco de ser surpreendido com outros cenários. Salvo raras excepções, parece-me que todas as tiragens têm vindo a sofrer quedas significativas (a pandemia provocou uma grande machadada e a sobrevivência de muitos meios de informação foi um autêntico milagre), mas é facto que esse sinal, em muitos casos, não foi devidamente valorizado, enfrentado em termos de procura de alternativas ou respostas adequadas, enfim, olhado da forma que devia ser.

Falta de investimentos e desvalorização sistemática e continuada

Tenho para mim que o problema reside na falta de investimento nos meios de comunicação, nos despedimentos indiscriminados e assinaláveis, nas mudanças na gestão dos recursos humanos afectos ao sector, na falta de jornalistas nas redacções, na pressão temporal que condiciona o exercício cuidado da prática jornalística e na relação dos jornalistas com fontes de informação credíveis - canal este que nem sempre funciona com  a celeridade que alguns pretendem - na falta de imaginação dos jornais em cativarem o público comprador, na guerra aberta entre o jornalismo especulativo e dito populista, muitas vezes desregulado e refém do primado das redes sociais, em que a publicação da notícia muitas vezes não assenta no rigor desejado e na contenção que, caso a caso, deve ser ou não observada, em respeito pelas pessoas e mesmo pelas instituições, no combate, devidamente balizado, que a comunicação social tem e deve fazer às redes sociais desreguladas, onde vale tudo, desde a especulação ao ataque pessoal indiscriminado. Mas é isso que infelizmente interessa ao mercado consumidor - será mesmo? - não a informação séria, mas a intriga, a fofoca, repito, o ataque pessoal, o enxovalhar de pessoas, etc.

Sem recursos financeiros, sem publicidade, sem vendas, sem receitas, sem apoios que não impliquem ingerência, submissão e manipulação da informação, os meios de comunicação social entraram, provavelmente  há mais de 10 anos, numa espiral de queda, disfarçada aqui ou acolá, mas incapaz de ser travada, face à ausência de medidas concretas, e de assegurar um futuro com tranquilidade e qualidade.

Hoje a situação não sendo irreversível, começa a roçar a ameaça e tende a generalizar-se, embora de forma não tão acentuada como aconteceu com o jornal A Bola ou agora com  os títulos da Global Média. Outras situações houve, incluindo na televisão, de dispensa de recursos humanos.

A coragem ou a falta dela

Ou seja, o problema - no fundo tal como se passa com o financiamento dos partidos - tem a ver com a coragem, ou a falta dela, de assumirmos, sem hesitações e sem complexos, de que lado estamos da barricada: se entrarmos pelo discurso populista e idiota de agradar as tais "massas", então teremos mais meios de comunicação social a falir e os partidos políticos cada vez mais ausentes das ruas e do contacto com as pessoas, porque uns e outros não têm condições financeiras para terem comportamentos diferenciados.

Enquanto esse debate, inevitável, descomplexado e corajoso não for feito, enquanto não percebermos que, de uma forma ou outra, partidos e meios e comunicação social são, bem ou mal, com  os seus defeitos e virtudes, dois dos pilares de qualquer sistema político livre e democrático, teremos dramas como estes, e como não se perspectivam soluções avulso que garantam a eficácia das medidas lançadas para debate, a tendência será para uma degradação paulatina da realidade.

Lembro-me...

Lembro-me do meu tempo em que o fecho de uma edição estava sempre condicionado, no caso do redactor de última hora (ou de fecho), à chegada tardia de participações de funerais ou outros anúncios que eram entregues tardiamente nas redacções, sem os condicionalismos horários e processuais que hoje vigoram. E para que essa publicidade tardia, que significava receita, fosse publicada, as notícias "menos importantes" eram sacrificadas. O problema residia na nossa escolha, no que era sacrificado em detrimento da publicidade.

Finalmente, nunca nos esqueçamos, e repetidamente chamava a atenção para isso, porque acho que muita gente acha que se trata de um tema pouco importante: os jornais vendidos na manhã de cada dias, publicam as notícias da véspera! Notícias que os potenciais compradores de jornais actualizam - quer quando, ainda em casa ou nos automóveis a caminho dos empregos, acedem a outros meios de comunicação social, logo pela manhã, ou consultam alguns sites na internet. Porque o lixo das redes sociais não se pode generalizar. Há sites informativos consultáveis que fazem um grande esforço em nome da credibilidade, mas que são uma ínfima minoria, reconheço.

Ainda ontem ouvi dois experimentados e conhecidos jornalistas conhecidos falar abertamente do tema. Uma, do DN de Lisboa, Valentina Marcelino, temendo que a receptividade às propostas de rescisão da Global Média possa depender, em termos de capacidade de resistência e de recusa da sua aceitação, da decisão de cada um dos trabalhadores afectados em continuarem reféns de um ambiente de tensão e de incerteza permanente, numa empresa aparentemente em dificuldades financeiras graves que ameaçam transportá-la para as margens da insolvência.

O outro, David Borges, na SIC, reconhecendo que a realidade do jornalismo tem também muita culpa, do próprio jornalismo, das regras que deixaram de ser observadas, do rigor condicionado pela pressa, da valorização temerosa da concorrência desregulada das redes sociais, do primado do jornalismo especulativo supostamente mais vendável nas bancas ou nas audiências, etc. O problema é que, tendo ambos razão, o que hoje se exige são soluções que travem a perspectivas de um desfecho dramático em vários níveis. Na certeza de que nada vai continuar como antes e que muita gente terá de mudar muita coisa, para que isto não se repita a curto prazo, quiçá então de forma irreversível. Pensemos nisso. Tal como espero que o Estado passe a dar mais atenção à urgência de legislar e de controlar, com rigor, os grupos privados investidores na comunicação social - obviamente sem generalizar - que pensam apenas no lucro e no património dos visados e em nada mais.

Mas esta é apenas a minha opinião que, por isso mesmo, vale o que vale e importa pouco ou quase nada, neste contexto de incerteza e contradições e pouca transparência. Entendamo-la como um desabafo pessoal pela tristeza perante tudo o que se está a passar (LFM)


Nota: e deliberadamente nem puxei para a discussão a ameaça que a Inteligência Artificial representa para este e outros sectores de actividade, a par de eventuais vantagens e benefícios que ainda não descortinei devidamente, "mea culpa". Deixo isso aos especialistas na matéria...

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