segunda-feira, julho 17, 2023

Tribunal de Contas tem pressionado AR para impor exclusividade a pessoal dos GP

Subvenções para remunerações, assessoria e outras despesas de funcionamento dos grupos parlamentares representam oito milhões de euros anuais. PS vai apenas “clarificar” a lei. Partidos têm alegado que a subvenção que recebem é para actividade partidária e parlamentar, mas a fatia principal é exclusivamente para remunerações de pessoal nomeado para trabalho nos grupos parlamentares.  Nos últimos anos, o Tribunal de Contas tem pressionado a administração da Assembleia da República (AR) para que seja adoptado para os membros dos gabinetes de apoio aos grupos parlamentares o regime de exclusividade, impedimentos e incompatibilidades aplicado aos membros dos gabinetes ministeriais.

Isso significaria que os grupos parlamentares (GP) já não poderiam ter como pessoal de apoio quem também exerça funções ou mandatos remunerados em autarquias. E o regime de exclusividade só permitiria que esses assessores exercessem funções de docência ou investigação no ensino superior ou actividades na sua especialidade profissional, mas em regime de tempo parcial. O que exigiria que parte dos nomeados que aparecem nas listas comunicadas pelos grupos parlamentares à administração da AR exercessem realmente alguma actividade no Parlamento.

O pedido é feito, reiteradamente, pelo menos, desde o parecer às contas do Parlamento de 2018. Porém, apesar de os deputados do conselho de administração terem acedido a mudar a lei para uma outra recomendação do mesmo tribunal, que estende a este pessoal dos gabinetes o regime social dos funcionários da AR – pagamento de subsídios de estudo, e para ama e pré-escolar -, não o fizeram para a clarificação da “natureza do vínculo jurídico-laboral do pessoal de apoio dos GP”.

Em 2020, o tribunal lembrava que um parecer do conselho consultivo da PGR “concluiu que os membros dos gabinetes de apoio aos grupos parlamentares exercem funções públicas, razão pela qual prestam serviços em subordinação às regras de direito público” e, por isso, “deverão estar sujeitos a um regime de exercício de funções e a um regime de impedimentos e incompatibilidades”, nomeadamente “o aplicável aos gabinetes ministeriais”.

E pedia que os funcionários nomeados para os GP, acrescentassem à sua declaração de que não têm incompatibilidade ou impedimento, a do regime de exclusividade. A administração do Parlamento prometeu colocar a recomendação em prática e em 2022 disse que os GP “foram sensibilizados” por email para a questão.

Quanto está em jogo?

É ao Tribunal de Contas que cabe a fiscalização da atribuição das subvenções previstas na lei pagas pela Assembleia da República aos grupos parlamentares e aos partidos políticos. Os segundos são financiados por uma subvenção anual que decorre do resultado da última eleição legislativa, em que cada voto que obtiveram lhes confere 1/135 avos do Indexante de Apoios Sociais (este ano são 3,202 euros, ainda com o corte de 10% desde a troika). Este ano, os partidos recebem 17 milhões de euros. Os partidos políticos têm ainda direito a subvenções para o pagamento das campanhas eleitorais, calculadas de acordo com as despesas que apresentam e um limite global definido por lei.

No caso dos grupos parlamentares, há dois apoios financeiros anuais que são calculados de acordo com o número de deputados (e que são também atribuídas aos dois deputados únicos) e pagas em duodécimos. Uma “subvenção para encargos de assessoria aos deputados, para a actividade política e partidária em que participem e para outras despesas de funcionamento”, como prevê a lei do financiamento dos partidos políticos, tem um bolo anual para todos os partidos de 847 mil euros. Por decisão da administração da AR é pago, à parte, um apoio para comunicações, cujo bolo é de 230 mil euros.

E há um apoio aos GP, cujo cálculo está previsto na Lei de Organização e Funcionamento dos Serviços da Assembleia da República e que não tem qualquer denominação, mas que, na prática, é um plafond para remunerações ao pessoal que presta apoio aos GP. Este ano é de cerca de 7,1 milhões de euros.

Esta última subvenção não é transferida para os GP ou partidos, sendo antes executada pela Assembleia da República, que é quem paga directamente os vencimentos ao pessoal nomeado para o exercício de funções por cada bancada parlamentar. Ou seja, os GP fazem a lista de nomeações e definem as remunerações, sabendo que têm um valor-limite global para gerir. Na prática, nomeiam alguém que será pago por uma terceira entidade. A dificuldade em definir se esse valor pode ou não ser usado para funcionários que o são igualmente dos partidos advém do facto de a lei não exigir a tal exclusividade dos nomeados.

O PÚBLICO pediu ao gabinete do secretário-geral da AR os valores pagos a cada GP nos últimos cinco anos e a lista do pessoal actualmente nomeado. Mas só recebeu os valores, não tendo havido justificação para a ausência de resposta sobre as listas.

O caso do PSD

É nesta última fatia de financiamento que se enquadra a actual investigação da Polícia Judiciária ao PSD. Entre 2018 e 2021, o partido utilizou um plafond total para remunerações de 7,8 milhões de euros, de um bolo global de 28 milhões de euros pago pela AR pelas nomeações de todos os partidos. Porém, ao contrário do que tem sido afirmado por diversos partidos, a lei não considera, em lado algum, este pagamento pela AR das remunerações dos funcionários dos GP como uma subvenção para assessoria.

A investigação é apenas sobre o PSD porque foi o partido alvo de uma denúncia sobre a gestão de Rui Rio, mas todos os partidos utilizam essa lista de nomeações da mesma forma: incluem pessoas que estão em simultâneo no partido e no GP (Florbela Guedes, assessora de Rio enquanto presidente do PSD, cuja casa foi alvo de buscas, era um dos casos), ou que estão mais dedicadas ao partido, mas também fazem trabalho para o GP. Em Novembro de 2019, a lista do PSD tinha 57 nomeações, em Abril do ano passado eram 51.

As várias leis que regulam o funcionamento e o financiamento dos partidos, dos grupos parlamentares e da AR pecam também por não serem absolutamente explícitas na separação entre as funções de um assessor no partido e no GP – a tal “zona cinzenta” de que falava Marcelo Rebelo de Sousa. Estas leis, acrescente-se, são de iniciativa exclusiva da Assembleia da República que, perante algumas polémicas mais acesas – como a de 2017 de tentativa de criar o IVA zero para os partidos, que foi travada pelo alarido público e pelo veto do Presidente da República – tem sido acusada de legislar em causa própria.

O PS veio, entretanto, prometer uma clarificação à lei do financiamento dos partidos (onde não consta o pagamento das remunerações pela AR). Mas o líder parlamentar, Eurico Brilhante Dias, disse ao PÚBLICO que se trata apenas de “tornar mais explícito o que já prevê” esta lei, mas o âmbito da clarificação só será analisado em Setembro.

Não se fará, garantiu o dirigente socialista, nada tão substantivo como o que a própria AR fez para os parlamentos regionais em 2010, depois de uma longa disputa entre o Tribunal de Contas e a Assembleia Legislativa da Madeira, precisamente sobre o uso pelos partidos de dinheiros públicos destinados ao funcionamento dos grupos parlamentares. O Parlamento madeirense aprovara a duplicação do financiamento e o TdC considerou que era uma forma encapotada que dar dinheiro aos partidos. A Assembleia da República acabou por aprovar uma alteração à lei do financiamento dos partidos passando a obrigar os partidos a especificaram, na apresentação de contas, os montantes usados pelos partidos e os utilizados pelos GP dos parlamentos regionais. Mas não fará o mesmo para os grupos parlamentares nacionais, diz o PS (Publico, texto da jornalista Maria Lopes)

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