Num efémero Governo de 19 dias, em junho de 2015, o segundo executivo de Passos Coelho privatizou a TAP, decisão que seria parcialmente revertida poucos dias depois já pelo novo primeiro-ministro, António Costa. Recorde tudo o que aconteceu à companhia aérea desde 2015 até hoje. Em junho de 2015, o segundo Governo de Pedro Passos Coelho, mesmo sabendo que o PSD e o CDS não tinham maioria parlamentar, avança, no segundo dia do seu efémero mandato de 19 dias, com a assinatura do contrato de privatização da TAP ao consórcio privado Atlantic Gateway, formado pelo empresário norte-americano David Neeleman (Azul) e pelo empresário português Humberto Pedrosa (dono do Grupo Barraqueiro), que asseguraram a maioria do capital da companhia aérea nacional. Poucos dias depois, a 13 de junho de 2015, António Costa, líder do PS, que viria a negociar acordos com o PCP e com o Bloco de Esquerda que lhe permitiriam ser o próximo primeiro-ministro de Portugal, reage à operação de privatização da TAP, considerando que “houve um suspeitíssimo secretismo” na sua negociação. Mal assume o Governo, avança para a reversão do processo de privatização. Após várias semanas de intensas conversações, o Estado português passa a assumir 50% do capital da TAP, com representantes no conselho de administração, mas não garantindo a maioria da comissão executiva da empresa. Os privados, mesmo sem dominar o capital, controlam as decisões estratégicas de gestão da companhia. O CEO continua a ser Fernando Pinto.
Em maio de 2018, a Parpública, ‘holding’ do Estado que controla a participação pública no capital da TAP, lança um alerta no relatório e contas, considerando que, “apesar de deter 50% dos direitos de voto na TAP, SGPS, SA não detém o controlo, mas uma influência significativa”.
A 7 de junho de 2018, uma auditoria do Tribunal de Contas ao processo de reversão de privatização da TAP foi muito crítica e defende que o processo “não conduziu ao resultado mais eficiente”, porque “não foi obtido o consenso necessário dos decisores públicos, tendo as sucessivas alterações contratuais agravado as responsabilidades do Estado e aumentado a sua exposição às contingências adversas da empresa”.
A 11 de junho de 2018, é anunciada a saída de Fernando Pinto dos comandos da TAP a partir de 31 de agosto desse ano. Terminam 17 anos do gestor brasileiro à frente da TAP. “A meta que tinha imposto a mim e à minha equipa foi finalmente atingida”, disse na altura aos colaboradores da empresa. O senhor que se segue é outro gestor brasileiro que já fazia parte da administração da TAP, Antonoaldo Neves.
“Vou estar atento ao que a TAP precisa para se transformar numa empresa de ponta”, assegurava Antonoaldo Neves ao assumir os comandos. A TAP intensifica o processo de investimento na compra de novos aviões para renovar a frota, acompanhado pela abertura de muitas rotas, com aposta nos mercados do Brasil e dos Estados Unidos, assim como na contratação de novos colaboradores, elevando o quadro de pessoal da empresa para cerca de 10 mil colaboradores. A divulgação de resultados relativos a 2018, com prejuízos de 118 milhões de euros, faz soar novas campainhas. Surge pela primeira vez a polémica de atribuição de prémios a algumas chefias da empresa. No exercício de 2019, mais 105,6 milhões de euros de perdas. A TAP entra em plano inclinado, mas a decisão de nova atribuição de prémios é travada ‘in extremis’, pouco antes de a pandemia atingir a TAP em cheio.
Já com a Covid-19 em curso, a companhia aérea deixa quase toda a nova frota no chão, requer a adesão ao regime simplificado de ‘lay-off’ para os seus trabalhadores e pede ajuda financeira ao Estado. É solicitado um apoio de 1.500 milhões de euros para a ‘holding’ do grupo, a TAP SGPS, mas a Comissão Europeia recusa uma ajuda no âmbito das medidas de mitigação da Covid-19 para as companhias aéreas europeias, alegando que a TAP já se encontrava em sérias dificuldades financeiras antes do final de 2019.
Nessa altura, a TAP SGPS já apresentava capitais próprios negativos de cerca de 600 milhões de euros. Bruxelas aprova um pacote de até 1.200 milhões de euros para a reestruturação da companhia, cujos contornos ainda não estão definidos, mas que deverão implicar cortes significativos na frota, na rede de rotas e no número de empregados. David Neeleman não mostra disponibilidade para acorrer à injeção de capital. É indisfarçável o mal estar entre o ministro das Infraestruturas e os representantes dos acionistas privados da TAP. Pedro Nuno Santos acusa a equipa diretiva da TAP de “má gestão”. “A música agora é outra”, “o povo paga, o povo manda” e “temos que nos dar ao respeito” são as muletas em que o ministro das Infraestruturas se apoia nesta confrontação com os acionistas privados da TAP, mesmo que o primeiro-ministro António Costa pareça não acompanhar esta tática.
O impasse prolonga-se por semanas, o cenário de falência chega a ser colocado em cima da mesa, mas depressa o Governo sinaliza que não vai seguir esse caminho. “A TAP é demasiado importante para a deixarmos cair”, assegurou Pedro Nuno Santos. Sobram duas saídas: uma via negociada para a saída de um ou dos dois acionistas privados ou a ‘bomba atómica’ da nacionalização, numa corrida contra o tempo. Em entrevista ao Jornal Económico no início de abril, Humberto Pedrosa defende que “a nacionalização da TAP seria dar um passo atrás”.
Os rumores e a contrainformação multiplica-se, mas o processo negocial parece ter andado pouco, com posições extremadas de parte a parte. A última semana é assinalada por novo anúncio de prejuízos: mais 395 milhões de euros de perdas no primeiro trimestre, período em que os efeitos da pandemia na atividade da empresa foram diminutos. E David Neeleman quebra o silêncio de meses para garantir que “o nosso foco não é apenas garantir que a TAP sobreviva, mas que recupere a rota de crescimento que vinha percorrendo e que prospere para que possamos cuidar dos nossos trabalhadores e clientes”. António Costa promete uma “solução final” para a TAP, mas o futuro da empresa continua rodeado de incógnitas (Jornal Económico, texto do jornalista Nuno Miguel Silva)
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